Deus de amor e bondade, dai-nos a permissão de auxiliar nossa
querida irmã Débora que precisa de paz, luz e sabedoria para regressar à
sua vida diária. Permita-nos, Senhor, alegrar-lhe os dias, dar-lhe a
esperança de encontrar-se com seu filho Allan, e, acima de tudo, encha-lhe
o coração de esperança e felicidade.
Que Sua bondade se estenda sobre os familiares e que o amor divino
seja o condutor da existência corpórea.
Graças te damos, oh Senhor de Luz.
Amém.
Todos se entreolham, se abraçam em luz e agradecem a Daniel a linda
prece.
– Agora, meninos, voltem ao trabalho – diz Daniel.
– Sim, Daniel – diz Felipe.
Nina agradece e ambos saem, dirigindo-se rumo ao hospital.
Daniel vai à enfermaria onde está Débora.
N
Começar de novo
ina e Felipe chegam ao hospital e vão direto para o leito onde
Débora está. É uma pequena sala onde só há três leitos. Débora
está deitada e inconsciente em um deles. Logo Nina se aproxima
e estende as mãos sobre o corpo fraco e debilitado da pobre jovem.
Felipe se coloca ao lado de Nina e a auxilia na energização.
Débora, que está na colônia, dorme em sono profundo quando Daniel
estende suas mãos sobre ela. Ela está ligada ao seu corpo físico por
pequenos laços fluídicos que a mantêm viva naquele hospital.
– Tudo há de se cumprir – diz Daniel falando baixinho nos ouvidos de
Débora.
No hospital, o doutor Leônidas se aproxima do leito para examinar
Débora, acompanhado da enfermeira Josi.
– Então doutor, essa aí vai conseguir sobreviver?
– Acho que o pior já passou, seu quadro clínico está melhorando a cada
dia, vamos reduzir a medicação e esperar o resultado.
– Sim, senhor – diz Josi.
– Ministre este medicamento – diz o médico, escrevendo no prontuário
de Débora.
– Sim, senhor, pode deixar, doutor.
– Amanhã eu volto para ver o resultado. Se Deus permitir, ela vai estar
melhor – diz o médico.
– Sim, senhor – diz Josi, cobrindo o corpo de Débora com um lençol.
Nina olha para Felipe e diz:
– Felipe, vamos aumentar a dose fluídica sobre Débora para que o
medicamento faça efeito mais rápido.
– Podemos fazer isso?
– Sim, Daniel me permitiu.
– Sim, Nina, então vamos fazer isso.
Assim Nina e Felipe intensificam os passes fluídicos e Débora começa a
melhorar ainda mais rápido.
Após seis dias, Débora acorda do coma. Fraca e confusa, ela acorda em
um momento em que não há ninguém no CTI. Seus pensamentos estão
confusos. Ela relembra a viagem com os espíritos. Lembra-se das paisagens
lindas, dos campos verdes, das nuvens de cor lilás. Seu pensamento está
confuso. Ela adormece novamente.
Às seis da manhã, em nova visita, o doutor Leônidas constata a melhora
da paciente e tenta acordá-la.
– Débora, Débora! – diz baixinho o médico.
Débora resmunga.
Pedro, o enfermeiro do plantão, se aproxima de Débora e a chama.
– Débora!
Abrindo os olhos, Débora responde.
– Sim.
– Bom dia!
– Bom dia, quem é você?
– Meu nome é Pedro, sou seu enfermeiro hoje; e esse é seu médico, o
doutor Leônidas.
Débora vira o rosto e vê o médico ao seu lado.
– Sinto-me fraca, doutor – diz Débora olhando para o médico.
– Isso é normal. Vou lhe passar uma medicação e logo, logo você vai
melhorar. Hoje vou pedir ao Pedro que traga uma sopinha para você
começar a comer, e assim que conseguir se alimentar vai se sentir bem
melhor.
– Quero lhe pedir desculpas, doutor, por dar tanto trabalho.
– Não pense nisso, Débora. Fique quieta. Agora cuide-se e se alimente,
isso é muito importante para você se recuperar rapidamente e logo voltar
para casa.
– Obrigada, doutor – diz Débora.
– Vou buscar o medicamento que o médico indicou e trazer-lhe um prato
com sopa – diz Pedro.
– Obrigada, Pedro.
Nina e Felipe chegam ao leito e começam a ministrar um passe.
– Venha, Pedro. Vamos, que vou lhe passar a medicação que terá que
aplicar em Débora – diz o médico.
– Vamos sim, doutor.
– Espere que já volto, Débora – diz Pedro, preocupado.
– Sim, pode deixar.
Pedro vai até a cozinha e pega uma tigela com sopa e o medicamento
indicado para Débora.
Logo ele está de volta ao leito da paciente.
Carinhosamente Pedro alimenta Débora sem perceber que em seu
coração algo acontece. O olhar de Débora, embora debilitado, mexe
profundamente com seus sentimentos.
Débora também percebe algo diferente no olhar daquele belo rapaz
moreno, de barba cerrada, corpo musculoso, sorriso farto, olhos castanho-
claros, dentes brancos e muita simpatia no falar.
Após três dias, Débora recebe alta do CTI e é levada para a enfermaria
onde divide o quarto com mais duas mulheres.
Quieta e fechada, Débora pouco conversa. Se sente bem, embora com
alguma dificuldade de locomoção. A saudade de Allan lhe tortura todos os
dias.
Josi é quem está de plantão e atende a um chamado de Débora.
– Mandou me chamar, Débora?
– Sim. Desculpe-me, mas preciso falar com o doutor Leônidas.
– Ele é quem vai passar visita hoje à tarde. É só você esperar.
– Obrigada, enfermeira.
– De nada, amiga. Agora procure se alimentar bem para logo voltar para
casa.
– Posso lhe fazer outra pergunta?
– Sim, claro que sim.
– Você não vai ficar chateada comigo?
– Depende da pergunta, não é?
– É sobre o Pedro.
– Pedro, o enfermeiro?
– Sim, ele mesmo.
– Sobre ele você pode perguntar o que quiser. Ele é meu amigo.
– Quem bom!
– O que você quer saber sobre ele?
– Ele é casado, tem esposa, namorada, alguma coisa assim?
– Não, amiga, ele não tem ninguém. Está interessada nele?
– Não, não é nada disso. É que ele me parece uma pessoa triste.
– Deixa de conversa-fiada, Débora, foi só você melhorar um pouquinho
e já está interessada no meu amigo.
Débora fica envergonhada.
– Deixa de ser boba, mulher. Ele é um partidão mesmo.
– Perdoe-me, enfermeira. Qual é o seu nome?
– Josi, Débora, Josi. E pode deixar que eu não vou falar nada com ele,
fique tranquila.
– Obrigada – diz Débora.
– Amanhã é o plantão dele.
– Obrigada, Josi.
– Olha, o seu médico tirou quase toda a sua medicação. Aproveita logo
para conhecer melhor o Pedro, pois já, já ele vai lhe dar alta.
– Você acha?
– Sim, você já está bem melhor. Agora é fisioterapia e exercício para
tudo voltar ao normal.
– Tomara! Ainda sinto uma fraqueza enorme.
– Isso é normal para quem ficou em estado de coma. Logo seu organismo
vai reagir e você terá uma vida normal.
– Taí uma coisa que eu não queria.
– O que, mulher?
– Uma vida normal.
– Por quê?
– Vida normal seria eu voltar para casa e o meu Allan estar me
esperando. Mas eu sei que isso não vai acontecer.
– Débora, você ainda é jovem e tem muita vida pela frente. Procure
seguir em frente.
– Vou tentar, vou tentar. Prometo.
– E você vai conseguir, tenho certeza.
– Obrigada por suas palavras, Josi.
– De nada, amiga. Agora descanse.
– Obrigada.
Ao sair da enfermaria Josi vai até a cantina para lanchar. Ela pede seu
lanche e senta-se à única mesa que fica próxima à porta de saída da cantina.
Logo ela é surpreendida com a presença de Pedro.
– Olha quem está aqui! Não morre tão cedo!
– Oi, Josi! – diz Pedro se aproximando.
– Sente-se aqui, que tenho uma coisa para lhe contar.
– Sério? Mas hoje é minha folga, só passei aqui para pegar minha
jaqueta que estava no meu armário. Já olhou lá fora? O mundo vai acabar em
água.
– É, está chovendo muito mesmo, mas sente-se aqui, quero lhe contar
uma coisa.
– Rapidinho, por favor! – diz Pedro sentando-se à mesa.
– Sabe aquela menina que saiu do coma, a Débora?
– Sim, claro que sei.
– Eu não devia lhe contar, vai parecer fofoca, mas não é.
– O que houve?
– A Débora está muito interessada em você.
– Quem lhe disse isso?
– Ela, ora!
– Como assim?
– Ela aproveitou que eu estava cuidando dela e começou a me fazer
perguntas sobre você.
– Perguntar não quer dizer que está interessada.
– Meu amigo, uma mulher conhece perfeitamente outra mulher. Nós,
mulheres, entendemos bem dessas coisas.
– Bobagem, Josi!
– E você, gostou dela?
– Para ser sincero sim, achei Débora uma mulher muito interessante.
– Que bom! Então corre, porque acho que ela vai ter alta amanhã.
– Mas ela ainda está muito debilitada.
– O caso dela agora é fisioterápico.
– Sabe que sou fisioterapeuta também, não é? – diz Pedro.
– Taí uma boa oportunidade para você se aproximar ainda mais dela.
Ofereça seus serviços.
– Ela já deve ter alguém para assisti-la.
– Tenta, homem, tenta! Não custa nada falar. Se você quiser eu mesma
falo.
– Amanhã falo com ela. Pode deixar. Por acaso, posso ir agora?
– Pode sim, amigo. Boa sorte, meu amigo!
– Obrigado – diz Pedro beijando a face de Josi e saindo.
Pedro sai de perto de Josi, mas seus pensamentos estão mesmo é em
Débora. Ele não sabe explicar, mas algo mexe muito com seus sentimentos
quando o assunto é Débora.
P
Quando a vida te escolhe
edro chega ao quarto de Débora, acompanhado do doutor
Leônidas.
– Bom dia, Débora!
– Bom dia, doutor!
– Como se sente hoje?
– Bem, muito bem; tirando a fraqueza das pernas estou bem!
– Pois hoje é o seu grande dia, vou lhe dar alta.
– Está bem, doutor.
– Você vai precisar de um fisioterapeuta. Conhece algum?
– Não, senhor.
O coração de Pedro dispara. Ele toma coragem e diz:
– Ela já tem um sim, doutor, ela já tem um fisioterapeuta.
– Como assim – diz Débora.
– Tem ou não tem um fisioterapeuta, senhora Débora? – insiste
o médico.
– Eu não tenho não, doutor.
– Eu vou cuidar de você, Débora – diz Pedro.
– Por acaso você é fisioterapeuta?
– Sim, doutor Leônidas, sou formado e exerço a fisioterapia em minhas
folgas aqui do hospital.
– Olha que boa notícia, Débora; você vai continuar sendo assistida pelo
Pedro.
– Mas eu não tenho condições de pagar por esse tratamento.
– Eu não estou lhe cobrando nada, Débora – diz Pedro.
– Mas...
– Deixe de bobagens, menina! Se ele está se oferecendo para cuidar de
você, aceite e pronto – diz o médico.
– Sim, Débora, aceite e pronto – diz Pedro.
– Está bem então – diz Débora sentindo uma alegria no coração.
– Vou lhe dar alta logo depois do almoço, assim avise a seus familiares
para virem buscá-la.
– Eu não tenho família aqui, doutor.
– Tem sim, Débora, tomei a liberdade de ligar para a sua mãe e ela está
chegando ainda hoje. Assim que ela chegar você pode ir para casa – diz
Pedro.
– Obrigada, doutor. Mas como vocês conseguiram o telefone da minha
mãe?
– Sua mãe ficou um bom tempo ao seu lado enquanto você estava no CTI
desacordada. Acontece que ela teve que voltar para sua cidade natal para
resolver um pequeno problema com a sua irmã mais nova. Mas segundo ela
me falou, elas já estão no ônibus a caminho do hospital. Logo, logo estarão
aqui – diz Pedro.
– Obrigada por me ajudar, Pedro – diz Débora.
– De nada. Agora vou providenciar sua alta e assim que sua mãe chegar
eu lhe aviso e levamos você para casa.
– Obrigada, doutor Leônidas, pela paciência e ajuda que me deram.
– De nada, Débora. Agora vê se toma juízo e não atente mais contra a sua
vida.
– Sabe, doutor, enquanto eu estava em coma tive uns sonhos esquisitos,
porém muito reais.
– Que tipo de sonho?
– Sonhei que estava viajando em um trem sem trilhos. Engraçado, esse
trem não fazia barulho e me levava a diversas cidades, onde eu procurava
pelo meu filho.
– Olha que legal! – diz Pedro.
– Mas o que aconteceu em seu sonho? – pergunta Leônidas.
– Não me lembro de muitas coisas. Mas uma menina linda de cabelos
ruivos era quem me auxiliava na viagem, ela e o namorado dela. E ainda
tinha um índio que seguia sempre na frente nos protegendo.
– Esses sonhos são normais quando o paciente fica muito tempo em coma
– diz o médico.
– Mas o que mais me impressiona é que eram sonhos muito reais.
– Você já ouviu falar de espiritismo? – pergunta o médico.
– Sim, uma vez fui a um centro espírita.
– Então, quando você estiver melhor, procure uma boa casa espírita e
tente saber as respostas para esses sonhos. Aproveite e tente saber notícias
de seu filho também.
– Como assim, doutor?
– Existem determinadas casas espíritas que realizam um trabalho muito
bonito, chamado cartas consoladoras.
– Nossa, o que será isso?! – diz Débora.
– São mensagens que os que foram na nossa frente escrevem para
consolar nossos corações. Eles falam sobre a vida após a morte.
– O senhor é espírita, doutor? – pergunta Pedro.
– Sim, com muito orgulho, sou espírita.
– E onde fica o centro espírita que o senhor frequenta?
– Fica perto de minha casa. Se quiser visitar é só me avisar que lhe
passo o endereço.
– Quem sabe um dia, não é, doutor – diz Pedro.
– Pois eu gostaria de saber o endereço, doutor, quem sabe o Allan não
escreve uma cartinha para mim?
– Vou deixar o endereço e o telefone junto com a receita dos remédios
que você ainda vai precisar tomar. E não se esqueça que daqui quinze dias
terá que voltar aqui para eu poder examiná-la. Agora espere por seus
familiares e você já pode ir para casa. Combine com o Pedro a fisioterapia.
E se precisar de mais alguma coisa, o meu telefone particular vai estar
também na receitinha que deixarei para você.
– Obrigada, doutor. Você é um anjo que apareceu em mina vida. Como
aquela menina ruiva.
– De nada, Débora. Só quero lembrar-lhe uma coisa.
– Sim, doutor, pode falar.
– Nunca mais faça o que você fez. Tentar contra a própria vida contraria
muito o nosso Pai.
– Pode deixar, doutor. Prometi ao Allan que eu o encontraria onde quer
que ele estivesse. Mas vou esperar. Quando eu morrer, procuro pelo meu
filho na eternidade.
– Isso, faça isso. Ore muito a Deus e aos bons espíritos para que você
possa encontrar-se com seu filho na eternidade.
Pedro ouve tudo calado.
– Mais uma vez, obrigada por tudo, doutor.
– Cuide-se – diz Leônidas se afastando.
Nina e Felipe chegam novamente ao quarto e o ambiente logo se enche
de luz.
– Olha, Nina, como ela está bem.
– Sim, ela está ótima; agora é só se cuidar e tudo vai se cumprir.
– Tudo o que, Nina? O que você está sabendo que eu não sei?
– Vamos acompanhar de perto agora tudo o que vai acontecer – diz Nina
olhando fixamente para Felipe.
– Ai meu Deus, lá vem encrenca! – diz Felipe, preocupado.
Nina sorri.
Pedro aproxima-se de Débora para arrumar sua cama. E Débora puxa
conversa.
– Então, além de enfermeiro, você é fisioterapeuta?
– Sim, sou enfermeiro e fisioterapeuta.
– Olha, vou logo avisando: não tenho condições de pagar por seus
serviços.
– E quem é que está lhe cobrando alguma coisa aqui?
– Eu não sei se devo aceitar sua ajuda.
– Desde o dia em que entrei no CTI e vi você, algo muito forte aconteceu
dentro de mim – diz Pedro olhando fixamente para Débora.
– Como assim?
– Não sei lhe explicar, Débora, mas parece que eu já a conhecia de
algum lugar; estranhamente uma enorme onda de calor aqueceu o meu
coração.
– Você está me cantando, é isso?
– Se você acha que é uma cantada, encare como uma cantada. Eu
simplesmente estou abrindo meu coração para você. Coisa que não faço
normalmente.
– Lindas as suas palavras, Pedro. Mas estou no leito de um hospital e
preciso colocar o meu juízo em dia – diz Débora.
– Perdoe-me, Débora.
– Não, não me peça perdão. Não é isso. É que ainda estou confusa.
– Sem problemas. Vou cuidar da papelada da sua alta. Daqui a pouco eu
volto para lhe preparar a saída.
– Perdoe-me, Pedro, por favor!
– Sem problemas, eu já disse. Vou à enfermaria resolver algumas coisas.
Assim que sua mãe chegar, libero você para sair.
– Obrigada, Pedro.
– De nada – diz o rapaz se afastando.
Débora demora a perceber que Pedro está totalmente apaixonado por
ela. Seus pensamentos agora refletem o amor que está presente entre os dois.
Ela fica feliz e resolve ajeitar os cabelos. Pede emprestado à paciente ao
lado seu batom e se prepara para deixar o hospital.
Em seu peito há um misto de alegria e amor. Afinal, a vida recomeça
quando ela sai daquele hospital. Mas a saudade de Allan ainda é latente em
seu coração.
Pedro volta ao quarto com um envelope branco nas mãos.
– Débora!
– Sim.
– Vejo que já está arrumada.
– Você não disse que eu tenho que ir embora?
– Infelizmente, sim – diz Pedro.
– Brincadeira de mau gosto, Pedro.
– Não é verdade, vou sentir falta da minha paciente predileta – diz o
rapaz.
– Você não disse que vai ser o meu fisioterapeuta?
– Sim, eu sou seu fisioterapeuta. E aqui está a receita dos remédios que
você ainda precisa tomar. Você me aceita como seu fisioterapeuta?
– Sim, claro que sim! – diz Débora com um sorriso no rosto.
– Nossa, que bom!
– Pois bem, continuaremos a nos ver então. Obrigada! – diz Débora
pegando o envelope.
– Ainda bem que você aceitou os meus serviços. Eu já estava ficando
desesperado.
Os olhares se encontram, encantados com o amor.
– Podemos ir?
– Sim, sua mãe e sua irmã estão lá fora esperando por você.
– Elas vieram?
– Sim.
– Nossa, que saudade de minha mãe e minha irmã! Meu pai não veio?
– Eu não sei lhe informar. Sua mãe foi quem me procurou para avisar que
já estavam esperando por você. Pude ver que ela estava acompanhada de sua
irmã que conheci agora.
– Não vejo a hora de abraçar minha mãe.
– Vamos, elas estão na portaria esperando.
– Vamos sim. Tchau, meninas, melhoras para vocês – diz Débora se
despedindo das demais pacientes da enfermaria.
– Débora, sente-se aqui – diz Pedro indicando-lhe uma cadeira de rodas.
– Obrigada, Pedro.
Ao chegarem à porta de saída, Marilza e Solange esperam ansiosas por
Débora que alegre e feliz abraça carinhosamente sua mãe e sua irmã.
– Mãe! – diz Débora abraçando sua mãe. – Perdoe-me!
– Minha filha, Deus é muito maior que nossas dores – diz Marilza
abraçando a filha.
– Solange, você já está uma mocinha. Olha como está grande!
– Sim, uma mocinha, mas sem nenhum juízo – diz Marilza.
– O que houve, mamãe?
– Depois eu conto. Agora vamos para casa. Eu já deixei tudo preparado
para o seu retorno.
– Obrigada, mamãe, você não precisava ter se preocupado.
– Venha, Solange – diz Marilza.
– Esperem... Pedro, Pedro.
Pedro se vira e olha para Débora.
– Toma – diz ela mostrando um pequeno pedaço de papel preso entre os
dedos da mão esquerda.
Pedro se aproxima e pega o papel.
– Me liga. Olha, obrigada por tudo.
Pedro sorri e olha para Débora com ternura.
– Venham, meninas, vamos embora – diz Débora.
Um táxi já esperava e logo elas chegam à humilde casa.
Débora para no portão e senta-se na calçada. Ela não tem forças para
seguir em frente. Marilza senta-se ao lado da filha.
– Tenha coragem, meu amor. Nós também demoramos a aceitar a partida
do Allan. Não está sendo fácil para ninguém de nossa família. Seu pai só
chora a perda do neto, ele não se conforma.
– Mãe, quando eu estava em coma no hospital, conheci uma menina em
meus sonhos, e me lembro de suas palavras. Só não me recordo o nome dela.
E ela me dizia que tudo tem um propósito em nossa vida. Perco as forças ao
encarar minhas realidades, porque elas estão mortas dentro de mim. Mas a fé
e a certeza de que nada termina me trazem a coragem de que necessito para
seguir em frente.
– Isso, minha filha, isso mesmo. Pense desta forma.
– Minha querida mãezinha, eu já passei por muita coisa ruim quando
decidi deixar sua casa na pequena cidade em que vivíamos e vim encarar a
vida na cidade grande. Aqui é lobo comendo lobo. As pessoas são frias e
insensíveis. Principalmente com as pessoas que vivem em comunidades
carentes como essa em que vivo. Mas tenho dignidade. E isso me faz
diferente dentre muitos daqueles que esbanjam dinheiro, mas que não têm
caráter. Só parei aqui porque foi aqui uma das últimas vezes em que sentei
com o Allan e ficamos juntinhos nos amando. Posso ainda sentir seu cheiro.
Lágrimas escorrem no rosto de Débora. Delicadamente Marilza enxuga
as lágrimas da filha com os dois polegares.
– Não chore, minha filha, não chore!
– Não são lágrimas de dor, mamãe. São lágrimas da ausência que esse
menino me traz, são lágrimas de um vazio aqui dentro do meu peito que sei,
jamais será preenchido. Eu e o Allan éramos cúmplices de uma vida. Agora
fica esse vazio.
– Deus vai lhe dar as repostas, minha filha, confie.
– Eu sei, eu sei. Vamos, vamos entrar em casa – diz Débora se
levantando.
Fraca, chorando e muito triste, Débora entra em casa e repara que os
móveis foram trocados de lugar. O armário onde estavam as roupas de Allan
foi substituído por outro de cor branca. Débora não pergunta nada sobre as
coisas de Allan. Ela se deita na cama e pede para ficar sozinha. Luana, sua
amiga e vizinha que se dirigia ao quarto, é abordada por Marilza que pede a
ela que volte depois, no que é prontamente atendida. Alguns vizinhos
curiosos ficam em frente à casa de Débora conversando. Marilza fecha a
porta e atende ao pedido da filha, que deseja ficar sozinha.
Solange vai até a cozinha e senta-se à mesa de jantar. Sua mãe senta-se
na outra extremidade da mesa.
– Ela me parece bem, não é, mãe?
– Sim. Sua irmã sempre foi uma mulher determinada. Espero que ela se
recupere logo para que eu possa conversar com ela sobre você.
– Você tem certeza que o melhor para mim é isso?
– Sim. Não tenho dúvida de que o melhor para você é que fique morando
aqui até que tudo termine. Além de que, ela vai precisar de companhia e seu
pai nada ficará sabendo da lambança que você fez.
– Então eu vou ficar aqui com ela pelo resto da minha vida.
– Isso quem vai decidir é Débora. Com a morte do Allan ela realmente
vai precisar de companhia. Mas quem decide quanto tempo você vai ficar
aqui é ela.
– Conversa logo com ela, mamãe.
– Tenha calma, Solange, vou preparar o jantar. E depois da janta eu
converso com ela.
– Está bem, mamãe.
– Vou pegar as batatas para você descascar, enquanto preparo o arroz e o
feijão. Sua irmã precisa se alimentar muito bem.
– Está bem – diz Solange.
Débora deita-se e dorme.
Após algumas horas ela é acordada por Marilza.
– Filha, filha, acorda!
– Oi mãe!
– Levante-se, venha jantar. Preparei uma comidinha especial para você.
Débora se levanta.
– Vou sim, só me deixa lavar o rosto.
– Estarei esperando por você na mesa de jantar.
– Eu vou, mãe.
Todos se sentam e começam a comer.
– Como está sua fraqueza? – pergunta Solange.
– Estou melhor – diz Débora.
– Débora, tenho um assunto muito importante para tratar com você.
– O que houve, mamãe?
– Sua irmã arrumou um baita problema para todos lá em casa.
– O que você aprontou, Solange?
– Ela está grávida – diz Marilza.
– Como assim, grávida?
– Sua irmã se envolveu com um rapaz lá na fazenda do senhor Nelson e
olha aí o resultado.
– Menina, por que você não se cuidou? – pergunta Débora.
– Porque ela nunca teve juízo. Veja só, uma menina com dezesseis anos e
grávida. Se seu pai sabe disso ele me mata – diz Marilza.
– Meu Deus! Com quantos meses você está de gravidez?
– Três meses. Acabou de fazer – diz Marilza.
– Nem tem barriga ainda.
– Ainda bem. Se seu pai descobre isso...
– E o que você precisa que eu faça, mamãe? – diz Débora.
– Vou dizer ao seu pai que você está muito debilitada e que estou com
medo de deixar você sozinha e você cometer suicídio. Vou dizer a ele que a
Solange vai ficar morando aqui com você por um tempo até que você se
recupere. E então ela poderá voltar para casa. Daí você arruma alguém para
ficar com essa criança. Isso tem que ser bem feito, ninguém pode saber que
Solange teve um filho. Entendeu?
– Entendi, mamãe, mas é seu neto ou, sei lá, sua neta que vai nascer – diz
Débora.
– Netos são aqueles que nascem de casamentos. É assim que nós fomos
criados lá no interior. Eu já perdi você para a vida. Seu pai não vai se
conformar em perder Solange. Você sabe como ele é agarrado com a sua
irmã. Se ele souber disso estamos ferradas.
– Está bem, mamãe, eu não vou discutir com você mais uma vez. Deixe a
Solange comigo. Eu cuido dela e depois, se for o caso, cuido do bebê.
– Não, eu não quero que você cuide dessa criança. Ela é fruto de um
pecado que sua irmã fez questão de cometer. Isso é uma desonra para a nossa
família lá em nossa cidade. Essa criança não pode aparecer nunca.
– Está bem, mamãe, está bem. Fique tranquila, Solange, vou arrumar
alguém para adotar seu bebê. Tenho uma amiga que vai me ajudar. Mas eu
poderia ficar com ele?
– Eu não quero essa criança na família, Débora, você entendeu?
– Ok, mamãe, sem problemas – diz Débora. – E você, Solange, o que
acha disso tudo?
– Cometi esse erro. Mamãe tem razão, essa criança não pode aparecer.
– Mas é seu filho.
– É sim, é meu filho, mas não vou estragar minha juventude com uma
criança. Eu ainda sou muito nova. Tenho muita coisa pela frente.
– Ok. Se é isso que vocês decidiram, quem sou eu para questionar? – diz
Débora, irritada.
– Você pode fazer isso por nós?
– Posso sim, mamãe, vou ajudar você e Solange, embora eu ache que
isso está muito errado.
– É o que decidimos. E lembre-se: seu pai não pode saber de nada.
– Sem problemas, mamãe, sem problemas.
– Outra coisa: assim que essa criança nascer, e você a der para alguém,
não diga que Solange é a mãe. E vá lá em casa para visitar seu pai.
– Pode deixar, mamãe, pode deixar – diz Débora, contrariada. – Agora
se me permitem, vou deitar, estou com aquela fraqueza nas pernas.
– Venha, filha, venha deitar – diz Marilza, auxiliando Débora a andar.
Após um mês Marilza viaja de volta para casa e deixa Solange sob os
cuidados de Débora.
D
O destino
ébora está na cozinha preparando o café da manhã, quando seu
telefone celular toca.
– Alô!
– Alô, quem está falando?
– Seu fisioterapeuta.
– Oi, Pedro!
– Você não vai fazer a fisioterapia?
– Me desculpe não ter ligado, mas me sinto envergonhada.
– Deixe de bobagens, Débora. Olha, estou perto da sua casa; posso dar
uma passadinha aí para começar seu tratamento?
– Como assim, perto da minha casa?
– Eu dei uma carona para sua mãe quando você estava no hospital, por
isso sei onde você mora.
– Meu Deus! Você sabe onde moro?
– Sim. Posso passar aí?
– Pode.
– Então, põe água no fogo para o café, que já estou chegando.
– O café já está pronto, seu bobo.
– Oba! Até já.
– Beijos.
– Para você também.
Solange se aproxima e pergunta:
– Quem era ao telefone, maninha?
– O Pedro. Ele vai passar aqui para começar meu tratamento
fisioterápico.
– Ele é um gato, não é?
– Menina, você mal acabou de arrumar um problema, já quer arrumar
outro?
– Tô brincando. Mas olha, é um partidão para você.
– Olha o respeito, Solange, olha o respeito!
– Não está mais aqui quem falou...
– Pegue a toalha e me ajude a arrumar a mesa.
– Está bem.
Após vinte minutos...
– Bom dia, meninas!
– Bom dia, Pedro – diz Solange, animada.
– Bom dia, Débora.
– Bom dia, Pedro.
– Como está a minha paciente?
– Estou melhorando a cada dia.
– Vamos começar seu tratamento e logo você estará apta a voltar à sua
vida normal.
– Perdoe-me por não ter ligado. É que me senti envergonhada.
– Deixa de bobagens. Vamos tomar o café e começar logo esse
tratamento. Afinal, tenho plantão ainda hoje e alguns clientes para atender.
– Venha, entre, sente-se – diz Débora mostrando uma cadeira na mesa de
jantar.
Pedro senta-se, toma um café e realiza o primeiro atendimento
fisioterápico em Débora na cama de casal dela.
Após algum tempo...
– Pronto, terminei!
– Obrigada, Pedro.
– Você se sente melhor agora?
– Sim, essa perna ainda estava meio bamba; agora posso senti-la melhor.
– Acredito que com mais algumas massagens e drenagens, você poderá
retomar sua vida normal.
– Não tenho palavras para lhe agradecer, Pedro.
– Posso lhe pedir uma coisa – diz o rapaz aproximando-se de Débora.
Envergonhada, ela diz:
– Claro que sim.
Pedro acaricia o rosto de Débora e aproxima seus lábios aos dela.
Sem resistir, Débora cede a um beijo apaixonado.
Seus corpos se encontram em um caloroso abraço.
– Sempre sonhei com isso – diz Pedro.
– Perdoe-me – diz Débora.
– Nunca havia sentido nada do que sinto agora dentro de mim. Parece
que há uma chama acesa querendo destruir meu coração – diz Pedro,
apaixonado.
– Não sei por que, mas quando acordei do coma, meu coração procurava
por algo que agora sei que encontrei.
– Não fale muito, beije-me – diz o jovem apaixonado.
Solange, ao perceber o clima de amor que envolveu todo o ambiente, sai
para dar uma volta na rua.
Após seis meses Débora aceita o pedido de casamento de Pedro e eles
decidem morar juntos. Débora então sai da comunidade e vai morar no
apartamento alugado de Pedro na zona oeste da cidade.
Solange está perto de ter seu bebê, quando o assunto de novo volta à
mesa de jantar da família.
– Solange, amanhã quando sairmos da consulta com o seu médico, vamos
até a casa de Vera, aquela amiga minha que lhe falei. Eu já liguei para ela
para tratarmos do assunto do seu filho. Ela me pediu que fôssemos até o
centro espírita conversar com a psicóloga que atende gratuitamente lá.
– Você falou com ela que temos que dar o bebê para alguém?
– Sim, falei.
– Vocês estão certos que vão fazer isso? – diz Pedro.
– Foi o que a mamãe nos pediu para fazer, Pedro – diz Débora.
– Olha, não tenho nada com isso, mas sinceramente acho uma estupidez
sem tamanho. A Débora está tentando engravidar há uns três meses. E você
querendo dar essa criança?
– Foi o que a minha mãe determinou, Pedro – diz Solange.
– Falando nisso, você já pegou o resultado de seu espermograma, Pedro?
– diz Débora.
– Vou pegar hoje, amor.
– Meu Deus, espero que esteja tudo bem.
– Vai estar, amor, pode confiar – diz Pedro.
– Pedro, já cansei de falar sobre isso com a Solange. Poderíamos ficar
com essa criança, mas conhecendo a dona Marilza como conheço, minha
vida se transformaria em um inferno sem precedentes. Mamãe é daquelas
mães tradicionais. Eu mesma, quando decidi sair de casa para tentar minha
vida, sofri horrores com ela e papai que só melhoraram quando levei o Allan
para eles conhecerem. O meu amado filho conquistou o coração de papai,
daí dona Marilza ficou mais calma. O melhor a fazer mesmo é doar essa
criança. A Vera me falou que eles têm pessoas ricas loucas para terem um
filho e que isso é fácil para ela resolver. Além de tudo, o pai dessa criança
pode querer cobrar sua presença e isso será a ruína de nossa família.
– Vocês já sabem a minha opinião, não é? Não toco mais neste assunto –
diz Pedro, irritado.
– Vamos fazer assim: eu vou com a Solange até a consulta dela, depois
passo no centro espírita. À tarde podemos nos encontrar para lanchar no
Compartilhe com seus amigos: |