participar desse evento.
– Mamãe, você mesma me ensinou a não mentir.
– Mas isso não é uma mentira.
– É sim, mamãe. Eu nem me lembro do rosto do meu pai. Não tenho
nenhuma foto com ele. Não o vejo desde que era bem pequeno.
Débora deixa o que está fazendo e se aproxima de Allan, secando as
mãos em um pano de prato. Ajoelhando-se perto do menino, sussurra
docemente palavras carinhosas muito próximas ao seu filho.
– Meu amor, seu pai nunca quis saber de você. Você, embora tenha seu
pai vivo, é órfão de pai. Infelizmente, João Carlos só esteve um momento em
minha vida e não quer saber de você. Eu mesma já liguei para ele diversas
vezes e tentei pedir que viesse ver você, mas ele não atende ao telefone. E
quando atende, sempre inventa uma desculpa. Eu até mandei recado pela
Regina, irmã dele, e sua tia, mas ele disse que era para eu e você nos
esquecermos dele. Quando lhe proponho que diga essas coisas na escola é
porque não quero ver você sofrendo. Mas você tem razão, diga a verdade.
Diga que você tem pai sim, mas que ele não quer saber de você. Você ainda
é uma criança. O tempo é o melhor remédio para todas as dores,
principalmente para a dor da separação, filho.
– É por isso que eu te amo todos os dias, mamãe – diz Allan abraçando
Débora.
– Por quê? – pergunta ela.
– Porque você é doce como uma uva e quente como o sol do verão.
– De onde você tirou isso, garoto?
– Estamos estudando poema lá na escola. Eu até fiz um para você. Na
verdade, eu tinha feito um para o papai, mas como você mesma diz, é melhor
esquecer essa história.
– Me mostre então seu poema. Declame-o para mim.
– Não posso, mamãe. É surpresa.
– Sério?
– Sim, ainda não posso declamar o poema que fiz para você e para o meu
pai. Vou transformá-lo em versos só para você – diz Allan, emocionado.
– Te amo, filho! – diz Débora.
– Eu também, mamãe.
– Agora, me deixe terminar o jantar. Está com fome?
– Morrendo...
– Vá tomar seu banho, que o jantar já vai ser servido.
– Está bem, mamãe.
Allan dirige-se ao banheiro para tomar seu banho. Débora sente um
aperto no peito, algo estranho. Ela se apoia na pia e passa o pano no rosto.
Sente algo muito estranho. Uma dor lhe sai de dentro, rasgando-lhe a alma.
Um pensamento invade seu ser, uma sensação ruim. “Algo vai acontecer ao
Allan”, pensa ela.
– Allan! – grita ela.
– Sim, mãe!
– Venha logo jantar.
– Já vou, mamãe. Acabei de entrar no banho. Espere aí! Já estou
terminando.
Débora sente uma enorme vontade de abraçar seu filho. Sem que
perceba, espíritos de luz estão à sua volta. Uma jovem menina se aproxima
de Débora e lhe impõe as mãos, dando-lhe um passe fluídico que lhe acalma
o ser.
Outro espírito assiste a tudo bloqueando a porta de entrada da cozinha. O
ambiente se enche de luz e Débora finalmente se acalma.
Aproximando-se de Débora, a menina anjo lhe diz palavras de conforto
ao ouvido. Débora ouve sua voz íntima lhe dizendo para se acalmar.
– Pare de pensar coisas negativas, Débora! Isso é coisa de sua cabeça.
Deus cuida de todos os Seus filhos – ouve ela a sua voz intuída pelo anjo de
luz.
– É isso. Isso é coisa da minha cabeça. Mas essa sensação ruim que às
vezes sinto... Meu Deus, cuide bem do meu filho para que nada de mal lhe
aconteça! – diz Débora, se acalmando.
Logo Débora senta-se na cadeira da pequena mesa da cozinha que
acabara de arrumar, enquanto seus pensamentos são intuídos pelos espíritos
amigos.
– Vem logo, menino, a comida já está servida e vai esfriar.
– Tô indo, mãe – diz Allan, chegando ao ambiente.
– Vem cá, me deixa dar um chamego nesse moleque cheiroso – diz
Débora, puxando Allan pelo braço e lhe agarrando.
– Mãe, me deixa comer!
– Não, primeiro quero sentir seu cheiro.
– Meu cheiro é de sabonete.
– Eu quero assim mesmo, meu amor.
– Às vezes você é grudenta, mãe – diz Allan.
– Mães são grudentas, meu amor. E filhos têm um cheiro especial que só
as mães conhecem.
– Agora me deixa comer, estou morrendo de fome – diz Allan.
– Senta aqui ao meu lado – diz Débora, puxando uma cadeira.
Allan senta-se ao lado da mãe, que se põe a colocar seu prato de comida.
Eles comem feijão, arroz, batatas fritas e bife, comida predileta de Allan.
– Está boa a comida?
– Não existe comida melhor no mundo! – diz Allan.
– Que bom que você gosta da minha comida!
– Eu amo a sua comida, mamãe.
– Assim que acabar de comer, coloque uma camisa, o tempo parece que
vai virar. E não se esqueça de escovar os dentes.
– É... Está estranho, não é, mãe?
– Sim, acho que vamos ter um temporal.
– Mãe, deixa eu contar uma coisa: você se lembra de que lhe falei que
estamos organizando um evento na escola?
– Sim, dos versos...
– Na verdade, estamos estudando muito, e além dos poetas brasileiros,
também estamos estudando nossa música, artes em geral, história natural e
antropologia. A professora nos deu a ideia de fazermos um passeio até o
museu da Quinta da Boa Vista. Na verdade, é para passarmos o dia lá nos
divertindo e aprendendo. Eu posso ir?
– Claro, filho! Claro que sim. Quando será?
– No próximo mês.
– Tem que pagar alguma coisa?
– Não, mãe. Ela conseguiu com uma instituição de caridade o transporte
e o lanche para toda a nossa turma.
– Olha que bom, ainda tem muita gente boa neste mundo, né filho?
– Sim, é o pessoal de uma instituição que ajuda muita gente.
– Que bom, filho! Finalmente você vai conhecer um lugar muito legal.
– Você conhece o museu, mamãe?
– Sim, estive lá uma única vez, e é realmente muito legal.
– Ah, entendi – diz Allan.
– Então, quando acabar de comer, vou pegar a autorização que está na
minha mochila para você assinar – diz Allan, abocanhando um pedaço de
bife.
– Tá bom, filho.
– Outra coisa, mamãe...
– Sim.
– ... meu aniversário está se aproximando, você sabe, né?
– Sim, meu amor, no mês que vem você faz quinze anos. Tá ficando um
rapazinho.
– Pensei em convidar alguns amigos para comermos uma pizza aqui em
casa, o que você acha?
– Sem problemas, você só não pode convidar muita gente; nosso barraco
é pequeno, você sabe, né?
– Sim, mãe. Serão só alguns amigos da minha sala de aula.
– Fique à vontade, só me avise quantos são para que eu possa me
organizar.
– Está bem, mamãe. Te amo!
– Eu também, filho. Agora termine de jantar e vá escovar os dentes.
– Pode deixar, “dona Débora” – diz Allan, sorrindo.
A
O encontro
llan acorda mais cedo, e após tomar seu banho, senta-se à beira
da cama para conversar com Débora que ainda está deitada.
– Bom dia, mamãe!
– Você já está arrumado?
– Sim, hoje é o dia do passeio no museu, lembra?
– Sim, claro que sim. Poxa, quase esqueci.
– Temos que chegar um pouco mais cedo para não perder o ônibus.
– Eu já fiz seu café e preparei um sanduíche que coloquei em sua
mochila, tem vinte reais em sua carteira; se você sentir fome, compre alguma
coisa lá.
– Pode deixar, mamãe.
– Outra coisa: a que horas vocês vão voltar?
– Chegaremos à tarde, acredito que lá pelas três horas.
– Você sabe que eu não vou estar em casa, né?
– Sim, mãe, fique tranquila; eu vou ficar aqui na vila com meus amigos.
– Está bem. Sabe que não pode ir para o lado de lá, né? – diz Débora,
apontando para o outro lado da comunidade que infelizmente é dominada por
traficantes de drogas.
– Sei sim, mamãe, não vou para o lado de lá. Pode deixar!
– Então vá e aproveite para aprender bastante coisa, depois me conta
como foi.
– Tchau, mãe. Te amo!
Após tomar seu café e comer um pedaço de pão, Allan deixa sua casa e
segue para a escola; logo se encontra com seus amigos e professores e todos
seguem felizes para o passeio escolar.
Após algumas horas no trânsito finalmente eles chegam ao museu e
começam o passeio.
João Carlos e seu amigo Neto estão realizando obras de manutenção no
lugar. Neto logo percebe a comitiva de crianças e professores se
aproximando do local em que estão e comenta:
– Olha lá, João, são crianças da comunidade em que você morava.
– É, são mesmo! São da escola lá da comunidade.
– Quem sabe seu filho não está no meio dessa turma!
– Mesmo que esteja, nunca vi a cara desse garoto. Nem sei como ele
possa estar agora. Faz uns oito anos que não vejo o menino.
– Eu tinha me esquecido desse detalhe – diz Neto.
– São crianças bonitas, olhe aquela menina ali, de cabelos negros.
– Sim, são bonitos e estão todos bem vestidos, nem parece que moram
em lugar tão pobre.
Allan e Vinícius se aproximam de João Carlos e Neto, seu auxiliar, na
empreitada.
– Moço, onde fica o museu? – pergunta Allan a seu pai.
– Fica naquela direção, está vendo aquele prédio lá embaixo? – diz
João, apontando com o indicador.
– Sim, senhor.
– É lá o museu.
– Obrigado, senhor – diz Allan, se afastando.
Algo acontece dentro do peito de João, ele sente uma angústia nunca
antes sentida. Neto percebe que o amigo não está bem e se aproxima para
ampará-lo.
– O que houve, homem?
– Não sei, não estou me sentindo bem – diz João amparando-se no
amigo.
Allan olha para trás e vê que João está se sentindo mal. Imediatamente
ele volta e corre em direção a João querendo auxiliá-lo.
Neto e Allan amparam João, que se sente mal.
– Menino, corre lá no posto médico e peça ajuda, por favor!
– Onde é que fica isso, senhor? – pergunta Allan.
– Naquela direção – diz Neto, mostrando o caminho a Allan que
imediatamente corre para pedir ajuda.
Logo Allan e uma ambulância chegam ao lugar onde João está deitado,
rodeado de curiosos.
Allan se aproxima enquanto os primeiros socorros são prestados.
João é colocado em uma maca para ser transferido para um hospital.
Allan se aproxima para olhar o mais novo amigo.
– Menino, obrigado por você ter me ajudado – diz João, meio
inconsciente.
– De nada, senhor.
– Qual é seu nome, meu rapaz?
– Me chamo Allan.
Imediatamente João desmaia com a emoção de ouvir o nome do menino.
Ele pensa que Allan pode ser o seu filho.
Imediatamente os enfermeiros colocam João na ambulância, que sai
rapidamente levando para o hospital o paciente João.
– Ei, menino! – diz Neto.
– Sim – diz Allan se aproximando.
– Qual é mesmo seu nome?
– Allan, senhor.
– Me perdoe perguntar, mas quem são seus pais?
– Minha mãe se chama Débora.
– E seu pai?
– Meu pai se chama João Carlos, mas eu não o conheço, ele me deixou
quando eu ainda era bem pequeno.
Neto fica gelado e sem ação. Pensa que não tem o direito de revelar o
ocorrido e se cala.
– Parabéns por você ter ajudado o meu amigo!
– O que houve com ele, senhor?
– Eu não sei – diz Neto.
– Ele não vai morrer não, né?
– Não, acho que foi só um mal-estar, apenas isso.
– Que bom, me dá licença, senhor! Agora tenho que me encontrar com os
professores.
– Vai rapaz, e mais uma vez obrigado.
– De nada, senhor.
Neto é amigo de João há muitos anos; eles trabalham na mesma empresa.
Embora distante, sempre que pode e tem oportunidade João pergunta por
Débora e Allan. Quis o destino que eles se encontrassem novamente, agora
em situação bem diferente. Neto fica impressionado com os acontecimentos
e pede licença ao supervisor da obra para ir até o hospital saber notícias do
amigo.
Após terminar o passeio todos se dirigem de volta à comunidade em que
moram. Allan chega à sua casa, e após tomar banho fica brincando com os
amigos nas ruas próximas. Logo Débora o encontra e ambos se dirigem para
o descanso do dia.
– Oi, filho!
– Oi, mãe!
– Como foi o passeio?
– Foi legal, muito legal. Conheci e aprendi coisas incríveis. Sabe,
mamãe, agora eu quero visitar outros museus e conhecer um pouco mais de
nossa história. Lá, não tinha muitos poetas, mas vou descobrir onde eles
ficam, e se você puder, me leva, né mãe?
– Sim. Descubra, que eu levo você, filho. Mas me conte, você gostou
mesmo da Quinta da Boa Vista?
– Amei, mamãe, amei!
– Que bom, meu filho! Que bom que você gostou!
– Mãe, você sabia que as pessoas passam o dia lá na Quinta da Boa
Vista?
– Sim, meu filho! Eu mesma já fui lá uma vez, como lhe disse!
– Com quem você foi?
– A única vez foi com seu pai, quando ainda éramos namorados.
– Eu gostei muito de lá.
– Que bom, filho! Você lanchou?
– Sim, comi o sanduíche que você me fez. Mas a escola também levou
lanche para todos nós.
– Ah, que bom! Então você não está com fome.
– Agora estou, sim.
– Vamos para casa, que vou preparar um lanche.
– Vamos, mamãe.
Após alguns metros...
– Mãe.
– Sim.
– Aconteceu uma coisa muito estranha hoje lá no passeio.
– O que houve?
– Um homem passou mal e eu ajudei a socorrê-lo.
– É, meu filho, que legal!
– Sim, eu pedi uma informação a ele, daí quando eu ia me afastando ele
começou a passar mal e pediu a minha ajuda.
– E o que você fez?
– Chamei os bombeiros, que vieram com uma ambulância e socorreram-
no.
– Muito bem, Allan! Parabéns!
– Mas eu achei uma coisa muito estranha com aquele moço.
– O que você achou estranho?
– Sei lá, algo que não sei explicar.
– Como assim, Allan? Tente me explicar.
– O rosto dele.
– O que você viu no rosto dele?
– Me pareceu familiar, sei lá. Parece que eu o conheço de algum lugar.
– Quem sabe você não conhece mesmo, né? Afinal, vivemos em uma
comunidade onde há milhares de moradores.
– É, pode ser isso, pode ser que ele seja morador daqui ou que eu já o
tenha visto em algum lugar.
– Deve ser isso, meu amor.
– Mas o estranho é que não consigo esquecer o rosto dele. Isso é que está
me deixando encucado.
– Ele lhe fez alguma coisa?
– Não, mãe, claro que não! Ele simplesmente passou mal na minha frente
e me pediu ajuda, foi só isso.
– Você deve ter ficado impressionado com a situação, logo isso passa.
– É... isso passa – diz Allan.
– Agora vamos, você deve estar morrendo de fome.
– Estou mesmo.
A luz divina
– Bom dia, Allan! – diz Débora acordando o menino.
– Puxa, mãe, estou tão cansado hoje! Eu posso faltar à aula?
– Claro que não, seu preguiçoso. Levanta logo. Eu já estou pronta e
esperando você.
Allan se levanta contrariado e troca de roupa para seguir junto com sua
mãe para a escola.
– Você já está pronto, Allan?
– Sim, mamãe, só me falta escovar os dentes.
– Deixa-me dizer-lhe uma coisa – diz Débora, aproximando-se da porta
do banheiro onde Allan põe cuidadosamente a pasta na escova.
– Hã! – balbucia o menino.
– Hoje vou chegar um pouco mais tarde em casa. Vou trabalhar na casa
da dona Vera durante todo o dia, e à noite ela me pediu para servir seus
convidados; é que haverá uma reunião no centro espírita a que ela pertence.
Ela vai inaugurar um espaço na rua dela. É uma reunião de espiritismo, não
sei a que horas vai acabar, mas ela me prometeu uma carona até aqui perto
de casa. Disse que tem uma amiga que pode me dar a carona. Quando você
chegar da escola não quero que fique na rua. Venha para casa. A janta já está
pronta dentro da geladeira. É só esquentar e comer.
– Tá bom, mãe. Fique tranquila.
– Você ouviu bem o que eu lhe disse? Não quero você na rua, ouviu?
– Ouvi, mamãe, ouvi. É por causa dos tiros?
– É claro né, Allan! Todos os dias agora a polícia sobe o morro metendo
bala nesses desocupados que nada têm a perder.
– É, mamãe, infelizmente a coisa está cada dia pior aqui. Eu sonho me
tornar engenheiro, ganhar muito dinheiro e tirar você daqui.
– Deus vai me permitir juntar um pouco mais de dinheiro e logo sairemos
daqui, meu filho. E quanto a ser engenheiro, saiba que para isso você tem
que estudar bastante.
– Mamãe, esses marginais não mexem com a gente.
– O problema não são os moradores daqui, o problema é quando a
polícia vem aqui.
– Mãe, é só a gente não ficar de bobeira que tudo vai ficar bem. Agora
vamos, que eu já estou atrasado para a escola.
– Vamos! – diz Débora.
Após deixar Allan na porta da escola, Débora pega o ônibus que a deixa
próximo à casa de Vera.
– Bom dia, dona Vera!
– Bom dia, Débora! E por favor, não me chame de dona. Eu já lhe pedi
isso várias vezes.
(Risos)
– Desculpe-me, senhora.
– Também não me chame de senhora. Chame-me de Vera, é o suficiente.
– Tá bom, Vera.
– Olha, Débora, limpe a casa e organize-se para hoje à noite. Como eu já
havia conversado com você, preciso servir os convidados na inauguração da
casa espírita. E conto com você para me auxiliar.
– Pode deixar. Pode contar comigo. Eu já deixei tudo organizado com o
Allan em casa.
– E como está ele?
– A cada dia mais lindo.
– Realmente, seu filho é lindo – diz Vera. – Você trouxe o avental que
pedi?
– Sim.
– Eu vou ao mercado comprar algumas bebidas e legumes, mais tarde
conversaremos sobre seu pagamento.
– Sim, sem problemas, Vera.
– Até logo, Débora!
– Pode deixar que quando você chegar vai estar tudo organizado e bem
limpinho.
– Quando eu chegar nós vamos lá na casa espírita fazer a limpeza e
preparar tudo para o encontro de hoje à noite.
– Está bem, Vera, vou ficar esperando por você.
O dia passa rapidamente e Vera recebe os convidados especiais na
inauguração da pequena, mas confortável casa espírita, a única do bairro
nobre na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Débora, arrumada com um lindo avental azul-claro, serve os convidados
antes da palestra inicial.
Todos estão alegres e felizes com o acontecimento. Débora se sente
acolhida e feliz no ambiente de harmonia e amor. Dentro de si ela se sente
surpresa, pois consegue ver que tudo o que lhe haviam falado sobre
espiritismo cai por água abaixo, quando percebe a gentileza e o amor com
que todos a tratam. Ela se sente feliz.
O palestrante convidado acaba de chegar. Homem renomado e um dos
divulgadores mais importantes da doutrina dos espíritos, recebe o carinho e
as homenagens de todos os presentes. Humildemente, o senhor de
aproximadamente setenta anos toma Débora pelas mãos e agradece a
gentileza quando ela lhe serve um pequeno sanduíche natural feito por Vera e
ela durante o dia.
Todos estão emocionados com a ilustre presença.
O médium palestrante se põe de pé e convida todos a se sentarem para
que possa proferir algumas palavras.
Débora, então, pega e pequena bandeja que serve aos convidados e
começa a se retirar em direção à cozinha, quando é questionada pelo
convidado especial, que fala ao microfone:
– Senhorita, onde é que você pensa que vai?
– Vou para a cozinha, senhor – diz ela, humildemente.
– Então hoje faremos a primeira palestra espírita na cozinha de um
centro espírita – diz o humilde palestrante.
Todos riem.
Débora fica encabulada e com muita vergonha, afinal ela é o centro das
atenções.
Humildemente, mais uma vez, o jovem senhor se encaminha em direção a
ela e a convida a sentar-se ao seu lado.
– Senhor, eu lhe agradeço o convite, mas não sou espírita – diz Débora.
– Jesus não pregava nos templos e tampouco só para cristãos. A palavra
de Deus só é útil quando se coloca ao dispor dos mais humildes. Se a
senhorita não se importa, gostaria que fosse minha convidada desta noite –
disse o palestrante.
Vera olha seriamente para Débora como se lhe advertisse para não
recusar o convite.
Todos se calam e sentam-se para ouvir o ensinamento do grande orador.
Envergonhada, Débora senta-se ao lado do palestrante depois de ter
entregue a bandeja que estava em suas mãos a Vera, que rapidamente a
encaminhou para a cozinha, auxiliada por Magali que assistia a tudo muito
impressionada.
O nobre convidado começa a falar:
– Jesus pregava aonde suas palavras podiam alcançar aqueles mais
necessitados de conforto e ensinamentos em seus corações. É entre os mais
humildes que encontramos o verdadeiro amor. É entre os mais necessitados
de luz que devemos pregar. Em uma casa como esta, se não for permitido
pregar para você, menina, não terá sentido ter sido criada. Pois aonde há
trevas é que devemos espalhar a luz. Aonde há ignorantes é que devemos
evangelizar. Nós, espíritas, somos semeeiros. Aquilo que espalhamos se
reverte em luz em nosso caminhar. Se me permites, sente-se aqui ao meu
lado, pois tenho algumas coisas para lhe ensinar.
Imediatamente Vera se aproxima e, tomando as mãos de Débora, a
conduz a sentar-se ao lado do ilustre médium e palestrante.
Acanhada e sem muito jeito, Débora aceita o convite e senta-se ao lado
do orador que começa sua palestra.
– Boa noite a todos! Encarnados e desencarnados!
Todos já se encontram sentados e em silêncio.
– Todos nós estamos aqui neste plano espiritual por algum motivo. Como
todos sabem, não há acasos nas coisas de Deus. Participamos de encontros e
desencontros, de chegadas e partidas. Um filho, um pai, um irmão, uma irmã,
um familiar, está ligado a nós por algum motivo. Todos nós estamos ligados
uns aos outros por algum motivo. O seu problema não está na casa do
vizinho, muito embora os vizinhos façam parte de sua evolução. Seu
problema está dentro do seu lar. É lá que estão os ajustes. É lá que tens que
superar as diferenças e divergências diárias. Somos todos guiados e
orientados por espíritos amigos, quando de boas ações e bons pensamentos
desfrutamos. Tudo o que desejas será seu se assim lhe for de merecimento e
permitido. Quando teus pensamentos estão em perfeita harmonia, assim
também estará a tua vida. És reflexo de tuas ações e atitudes. O universo está
e estará sempre conspirando para a tua felicidade. Quando desarmonizas a
tua mente logo tudo se reflete em tua vida. É assim que evoluímos. É por
meio das conquistas que trabalhamos o nosso ego e por meio das perdas que
aprendemos a sermos mais humildes. A humildade é o atalho para a
felicidade plena. Ele quer que seja assim. Ele desejou que tudo seja assim, e
assim será por toda a eternidade.
Somos sabedores das dores que causamos em nós mesmos quando
atentamos contra as coisas de Deus. Se tu tens uma vida, essa vida lhe foi
concedida pelo amor divino, e contra ela tu não podes atentar. Se tens saúde,
agradeças; se perdes um ente querido, saiba que não há perdas para um Deus
de amor. A vida é eterna, temos que acreditar que quem vos criou não vos
criou para morrer, se assim o fosse ele não poderia ser chamado Deus.
O que há são separações momentâneas, temporárias. Separações
necessárias ao equilíbrio de todos. A dor da distância, a saudade, nos
amadurece e nos faz refletir as coisas de Deus. Existe sim a continuidade.
Tudo se recria, tudo se reinventa, tudo é eterno, nada se perde. No mundo
espiritual existem cidades, vilas, casas, bairros, teatros, cinemas, enfim, tudo
o que for necessário para tua continuidade evolutiva; creia, isto é
verdadeiro. Muitos me perguntam: então por que ninguém voltou para
contar? Olha, se todos tivessem a certeza de que a vida continua, na primeira
dificuldade todos meteriam uma bala na cabeça, nas primeiras dificuldades
cometeriam suicídio. Imagine perder um filho, perder um pai, uma mãe, um
irmão. Imagine se todos aqui presentes tivessem a certeza da eternidade; no
primeiro momento de saudade, logo meteriam uma bala na cabeça, ou se
jogariam de um prédio. A dúvida é o elemento mantenedor da vida. A
incerteza é necessária à preservação da vida. Todos nós temos dentro do
peito uma enorme dúvida, mas todos nós também temos uma enorme certeza;
não devemos atentar contra a própria vida. E é isso que nos mantém
evoluindo, pois a dor é um dos instrumentos da evolução.
Quando deixarmos nosso corpo físico, continuaremos como somos em
nossa essência. Aquilo que construímos diariamente ao suor de nossas dores
jamais se perderá. Tudo o que aprendes te será útil na vida eterna. As coisas
boas ficam gravadas em nosso ser, as ruins são esquecidas e apagadas, pois
que não servem para nada na erraticidade.
Existem, como disse, cidades, lugares em outras dimensões, em outras
galáxias, em outros mundos que chamamos de mundos paralelos ou
dimensões paralelas. Acredite, existe isto sim. Logo, todos nos
encontraremos nas vidas que se seguem para o objetivo maior. A evolução
plena.
Todos assistem à palestra sem piscar. Débora assiste a tudo muito
assustada. As palavras daquele senhor parecem penetrar-lhe a alma, e ela
fica quieta, sentada e reflexiva. Ela se lembra da dor que às vezes sente. Ela
se lembra dos pensamentos negativos relacionados ao seu filho.
Vários mentores espirituais chegam ao ambiente, que se torna ainda mais
sereno e calmo.
Alguns espíritos são trazidos por amigos da espiritualidade para
assistirem à palestra e recuperarem o tempo perdido nas encarnações
anteriores. Alguns chegam assustados, outros são familiares dos que estão
naquele exato momento assistindo à palestra. A emoção toma conto do lugar.
Algumas pessoas começam a chorar sem saber por quê.
Logo, aqueles parentes que são trazidos são levados até as fileiras e lhes
soa permitido abraçar seus familiares.
Mães abraçam filhos. Filhos abraçam mães. Irmãos abraçam irmãs.
Todos estão extremamente emocionados.
O palestrante percebe a chegada de espíritos de luz e se emociona. Mas
se mantém focado na palestra proferida com amor.
Lucas, um dos espíritos iluminados que chegam ao centro espírita, traz
consigo uma mãe que veio abraçar sua filha enquanto todos prestam atenção
à palestra.
Noeli se aproxima de sua filha, ajoelha-se e abraça carinhosamente
Lucimar, que percebe algo diferente em seu coração e começa, junto com
Noeli, a chorar.
Logo Lucas, aproximando-se de ambas, estende suas mãos, irradiando
feixes de luz para abrandar os corações saudosos e em dor.
– Não chores, Noeli – diz o iluminado Lucas.
– A saudade que tenho em especial desta filha é muito grande. Oh, meu
Deus, permita que minha amada filha continue a frequentar este lugar de luz e
que esta luz entre em seu ser, tornando-a um espírito iluminado.
– Que assim seja! – diz Lucas.
– Irmão Lucas, ore por minha filha.
– Olha, Noeli, sua filha foi trazida aqui hoje, porque suas preces foram
ouvidas. E ainda por cima, lhe foi permitido este encontro. A justiça divina
está presente a todo o momento em nossas vidas. Na vida terrena ela está
ainda mais presente, pois quando encarnados, nós somos cobertos pelo véu
das incertezas. Isso é o que nos faz seguir em frente. Sua filha recebe hoje
uma linda e generosa oportunidade, vamos nos manter em oração para que
ela seja forte em seu propósito religioso e que nunca desista de auxiliar a
seu semelhante, e finalmente que ela consiga vencer as vaidades e os
desafios que toda fé necessita para se fortalecer.
– Que assim seja, meu querido Lucas. Eu tenho muito a agradecer aos
nossos amigos superiores que me permitiram estar neste encontro de luz.
O palestrante pede a todos que se levantem para proferirem, juntos, uma
prece.
Os espíritos de luz se aproximam do convidado e estendem-lhe as mãos.
Todos ficam de pé. A prece começa:
Senhor Deus, estamos aqui hoje reunidos em Seu nome.
Venho Lhe pedir que emoldure as paredes deste humilde templo com
luzes de misericórdia e amor. Peço-Lhe que permitas aos espíritos de luz que
tomem este lugar para si, e que aqui seja estabelecida uma seara do bem
onde a vaidade, o orgulho e a intolerância jamais consigam adentrar o
pensamento e as atitudes dos membros e representantes desta que é uma casa
de amor.
Lembro-me de Seus ensinamentos que nos foram trazidos por nosso
amado irmão Jesus. Lembro a todos aqueles que assumem a
responsabilidade de serem representantes da caridade que nosso querido
irmão se valeu da pobreza e da simplicidade para atingir milhões de almas.
As portas desta casa hoje se abrem para que a luz que está neste
momento dentro dela irradie-se, atingindo almas aflitas, corações
angustiados e todos aqueles que necessitam de compreensão, luz, paz e amor.
Hoje eu declaro, em nome de Jesus, inaugurada mais uma seara de amor
e caridade. Jesus, eu lhe peço que esses irmãos de luz que se encontram
presentes continuem a reger e iluminar as mentes que darão continuidade a
esta que é, sem dúvida, uma casa de amor.
Meus irmãos e minhas irmãs, a responsabilidade depositada sobre
vossos ombros hoje é tamanha. Não se brinca com espíritos, muito menos se
brinca com sentimentos. Muitos são aqueles que, despreparados, tentam
estabelecer casas espíritas cheias de amor, mas sem o conteúdo mais
importante para o sucesso da caridade.
Uma casa espírita precisa de três coisas para atender aos propósitos de
Deus.
A primeira é a sinceridade; a segunda, a transformação moral de seus
representantes e frequentadores; e a terceira é a mais importante de todas, o
amor.
Sem amor nada somos, sem amor nada conquistamos, sem amor não
vamos a lugar nenhum. Sem amor somos potes vazios, somos ostras sem
cascas, somos corpos vazios.
O amor é o objetivo maior desta encarnação, viemos aqui para aprender
a amar; viemos aqui, porque o amor é o único sentimento que nos aproximará
de nosso Pai.
Que Deus abençoe esta casa! Que Deus lhes permita a caridade.
Termino minhas palavras com o maior de todos os ensinamentos que nos
foi trazido pelo nosso querido mestre Jesus, o ensinamento de todo
trabalhador espírita.
Quando, em Mateus 11:28-30 Jesus nos diz
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos
aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso
e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu
jugo é suave, e meu fardo é leve”,
Ele quer nos dizer para deixarmos sempre a porta da casa espírita aberta
para que aqueles que estão cansados e sobrecarregados possam encontrar o
alívio de que tanto necessitam para suas vidas. Ele nos pede para tomarmos
Sua palavra e explicá-la de forma clara e objetiva, sem dogmas, alegorias e
rituais desnecessários à evangelização de todos e por fim, Ele nos pede que
sejamos humildes, pois é pela humildade que encontraremos o repouso de
nossa luta, a paz de nossa alma e a compreensão da verdadeira luz da
verdade.
Todos aplaudem ao orador, emocionados. Débora sente novamente um
aperto no peito. Aquele que ela está acostumada a sentir quando está perto
de Allan. Isso a deixa incomodada.
O orador se aproxima de Débora e lhe abraça dizendo:
– Não se turbe o vosso coração, credes que há muitas moradas na casa
do Pai. Você vai passar por uma prova muito grande, não desista. Siga
sempre com Jesus em seu coração. A vida não termina com esta vida.
Débora, emocionada e chorando, abraça o querido palestrante.
É uma mistura de sentimentos. Saudade dos pais, saudade do filho e o
medo de que algo de ruim lhe aconteça.
Vera se aproxima e abraça Débora, carinhosamente.
Todos se abraçam, e oficialmente aquela casa espírita é inaugurada.
Após o coquetel, todos voltam felizes para suas casas.
Débora é levada por Julia, vice-presidente da mais nova casa espírita. E
finalmente chega em casa.
Antes de dormir, Débora fica refletindo sobre as palavras daquele velho
e sábio senhor.
“Que homem sábio!”, pensa ela.
D
A vida que segue
ébora se dirige ao quarto de Allan e já o encontra acordado. Ela
estranha o menino estar reflexivo.
– Bom dia, meu amor!
– Bom dia, mamãe!
– Já trocou de roupa tão cedo? Por que está com essa cara?
– Hoje, quero chegar cedo à escola, tenho que realizar uma tarefa com
meus colegas. E ela é muito importante para mim.
– Do que se trata?
– Temos que fazer um trabalho de história para entregar ainda hoje.
– Que bom, filho! Vou me trocar e deixo você na escola.
– Tá bom, mamãe.
– Sábado será seu aniversário, você quer fazer alguma coisa em
especial?
– Vou a uma pizzaria com meus colegas, combinamos lanchar lá e depois
voltaremos para casa, vamos assistir a um filme aqui. A Michele vai trazer o
aparelho de DVD e os filmes.
– Qual é o presente que você quer? Afinal, são quinze anos, e eu quero
lhe dar o melhor presente do mundo, embora, como você sabe, nós não temos
muito dinheiro.
– Ah, mamãe, não precisa se preocupar com isso. Guarde seu dinheiro
para no Natal, poderemos ir visitar o vovô e a vovó, estou com muita
saudade deles e da minha tia.
– É isso que você prefere?
– Sim, mãe. É isso que eu gostaria de ganhar de presente de aniversário.
– Está bom, meu filho, então ficamos combinados assim: eu vou guardar
nosso dinheiro para passarmos o Natal com seus avós.
– Ótimo então, mamãe. Obrigado!
– Te amo, Allan. Mas vou comprar uma roupa nova para você usar no
sábado.
– Tá bom, mamãe. Eu também te amo. Agora tenho que ir, já estou me
atrasado.
– Espere-me, vamos juntos – diz Débora, pegando sua bolsa e fechando a
janela da pequena casa.
Após deixar Allan na porta da escola, Débora segue para mais um dia de
trabalho em sua rotina de diarista. Depois de se despedir de Allan e entrar
no ônibus, Débora sente aquele aperto no peito; algo parece não estar bem
dentro dela. Ela então se lembra das palavras do palestrante da casa espírita
que dizia não existir acasos nas coisas de Deus. Mas essa angústia, o que
será? Como explicar essa dor que invade seu peito? De onde vem essa
angústia?
A paisagem se perde em seu olhar, e Débora fica triste. Algo não está
bem.
Logo ela chega à casa de Vera.
– Bom dia, Vera!
– Bom dia, Débora, como vai?
– Eu estou bem e a senhora?
– Estou ótima, mas combinamos de não me chamar de senhora, lembra-
se?
– Sim, perdoe-me – diz Débora.
– Como está o Allan?
– Está bem e feliz. No próximo sábado ele vai fazer quinze anos. Está
ficando um rapazinho.
– Parabéns! Você realmente é uma pessoa que muito me surpreende.
Criou sozinha o seu filho, que é um belo rapaz.
– Obrigada, Vera. Obrigada!
– Como ele está na escola?
– É um dos melhores alunos. Ele tira excelentes notas em todas as
matérias.
– Que bom, e o que ele sonha fazer? Que faculdade?
– Ele gosta muito de coisas relacionadas a obras. Parece com o pai.
– E o pai dele tem procurado vocês?
– Nunca mais vi aquele homem. Nem sequer quer saber do menino.
– Um dia as coisas se encaixam. É assim mesmo.
– Eu já nem ligo mais. Ele é que de vez em quando pergunta pelo pai.
Dia desses ao fazer um passeio da escola, acho que ele encontrou o pai dele.
– Eles se falaram?
– Nada. O Allan nem sequer conhece a cara do pai.
– Então por que você acha que era o pai dele?
– Algo dentro de mim me disse que eles se encontraram. Coisa de mãe,
você sabe.
– Sim, nós, mães, temos essa coisa de pressentimento – diz Vera.
– Vou confessar uma coisa a você: hoje mesmo, quando eu estava vindo
para cá, senti uma angústia que vem me acompanhando já faz algum tempo.
Sabe, uma coisa estranha dentro de mim.
– Nós, espíritas, explicamos isso como mediunidade. O médium tem o
poder de pressentir os acontecimentos; na verdade, isso é um tipo dentre
vários tipos de mediunidade. Podemos pressentir as coisas, sejam elas boas
ou ruins.
– Deus me livre, Vera, ser isso aí!
– Não estou dizendo que você é médium, mesmo porque eu não tenho o
dom de saber quem é ou não médium.
– Ainda bem – diz Débora.
– Mas você deveria fazer um tratamento espiritual. Isso pode ser alguma
companhia indesejável que está lhe atormentando.
– Não, eu não sinto nada demais, só essa angústia. E normalmente ela
acontece quando o Allan sai de perto de mim. Estranho isso.
– Realmente é muito estranho.
– O papo está bom, mas tenho muito trabalho pela frente. Com licença,
Vera.
– Vai, sim. Depois do almoço vamos até a casa espírita. Você pode me
ajudar a limpar lá hoje?
– Sim, claro. Depois que eu terminar a faxina, podemos ir para lá – diz
Débora.
– Combinado. Quando você terminar nós iremos.
– Até.
– Até, Débora.
Vera torna a procurar por Débora, insistindo para elas irem limpar a casa
espírita.
– Débora, terminou? – pergunta Vera.
– Sim, peraí, só falta pendurar os panos de chão que acabei de lavar.
– Vou esperar você na garagem.
– Estou indo.
Débora e Vera se dirigem ao centro espírita.
– Venha, Débora, vamos dar uma ajeitada no salão para o encontro de
hoje.
– Sim, onde está o material de limpeza?
– Está lá dentro, espere aqui que eu vou buscar para você.
– Está bom.
Vera vai até o almoxarifado pegar o material necessário à limpeza do
lugar.
Débora senta-se em uma das cadeiras e fica com o olhar perdido em seus
pensamentos.
Lembra-se de que ainda tem que passar em algum lugar para comprar a
roupa nova de Allan. Fica insegura e de novo a angústia toma conta de seu
peito. Seus olhos ficam marejados. Sente uma enorme vontade de chorar.
Vera se aproxima e percebe que a amiga e funcionária não está bem.
– O que houve, Débora?
– Não sei. É aquela angústia de novo. É uma dor inexplicável, uma coisa
que eu não sei explicar.
– Diga-me, o que sente? – diz Vera puxando uma cadeira e sentando-se
ao lado da amiga.
– Não sei explicar bem, é uma angústia. Uma vontade de chorar imensa.
Parece que uma parte de mim está para ser arrancada.
– Meu Deus! – diz Vera, assustada.
Débora começa a chorar.
– Chore, minha amiga, chore. Isso vai lhe fazer bem.
Carinhosamente, Vera se aproxima ainda mais e a abraça.
Débora chora compulsivamente, chegando a assustar a amiga.
– Vou pegar um copo com água para você – diz Vera se levantando.
Rapidamente ela retorna ao ambiente trazendo em suas mãos um copo
com água bem geladinha.
– Tome, fique calma!
– Não sei explicar o que acontece comigo, Vera – diz Débora tentando se
controlar. – Eu não tenho nenhum motivo para estar assim...
– Deve ser coisa de sua cabeça, a ausência de seus pais, amigos, do seu
marido, essas coisas.
– Não é nada disso, é uma angústia que não consigo explicar. É uma
coisa que vem de dentro do meu peito.
– Beba a água e acalme-se. Se quiser, você não precisa me ajudar na
limpeza. Vá para casa.
– Eu ainda tenho que comprar uma roupinha para o Allan usar no sábado.
Eu prometi isso a ele.
– Faça isso, vá agora mesmo a algum shopping e compre a roupa para
seu filho. Vá distrair sua cabeça. Peraí, que eu vou pegar sua diária na
minha bolsa e já volto.
– Está bom! – diz Débora enxugando as lágrimas.
Vera pega dentro de sua bolsa o dinheiro da diária e mais alguns
trocados que oferece à amiga como presente de aniversário para o Allan.
– Obrigada, Vera, perdoe-me estar assim. Realmente é uma coisa que eu
não sei explicar.
– Fique tranquila. Agora vá comprar o presente do menino e depois vá
para casa.
– Está bem, obrigada – diz Débora levantando-se e dirigindo-se à porta
de saída do centro espírita.
– Vá com Deus, amiga, e dê um beijão no menino.
– Obrigada!
Envergonhada, Débora sai rapidamente do lugar. Seu peito está aliviado.
Ela corre para pegar o metrô e vai ao shopping perto de sua casa comprar o
presente de Allan.
Logo chega à sua casa e esconde a roupa nova, afinal ele deve usar o
presente no dia de seu aniversário. É assim que ela o educa.
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