“...havia em Portugal uma consciência teórica e prática juspolítica
que se inseria numa tradição cultural escolástica, caracteristicamente
ibérica, onde se salientava a teoria da origem ‘popular’ do poder
régio.[...], esta teoria não chocava propriamente com as tendências
centralizadoras do Estado e com um certo realismo e empirismo
político característico do mundo moderno que desabrochava, que
também em Portugal se ia verificando dentro da sua própria
dinâmica”.
25
Neste sentido, enfatiza-se que “absolutismo não significa necessariamente despotismo ou
arbitrariedade”.
26
A limitação, porém, no caso do rei D. João V, se dava justamente pelo fato do
monarca ser vigário de Deus, que, mesmo em um grau mais fraco, desempenhava uma função de
promoção do bem comum e realização da justiça. Nessa medida, o poder do soberano limitava-se
pela moral e pelo próprio direito divino, assim como pelo direito natural e das gentes.
27
Em realidade, o que se poder afirmar, pelas contradições aqui expostas, é que D. João V
enfrentou, ao longo do seu governo, uma série de obstáculos que não puderam cercear em definitivo
o exercício e o fortalecimento do poder real. Por ter sido um sistema de governo desorganizado,
agindo conforme as circunstâncias, as dificuldades foram maiores. Contudo, na continuidade desse
processo, o aparelho de Estado irá se fortalecer, chegando a atingir um rompimento político-
ideológico em relação aos governos anteriores, quando no reinado de D. José I. O que não invalida as
tentativas de manter e conservar o poder centralizado, acontecidas desde a Restauração.
Dessa forma, o Estado português enquadrava-se dentro dos parâmetros conceituais do
Estado Absoluto sui generis, por possuir uma estrutura administrativa diferenciada, em que os
diversos órgãos criados pelos monarcas atuavam efetivamente na feitura e execução das ordens da
Coroa, mas, onde a divinização dos monarcas não se sustentava, em função do caráter popular destes.
Uma das características fundamentais do feudalismo, é que “ele não criou, no sentido
moderno, um Estado”.
28
No sistema feudal, os poderes políticos foram corporificados, caracterizando
23
SERRÃO, op. cit., p. 236.
24
Diz esse autor que “tal concepção de monarquia radicava-se na Idade Média – é uma república christiana, organizada na base da
família e da propriedade; é uma monarquia em que o rei, através de um pacto feito com o povo, reconhece e respeita as liberdades, dos
municípios, das corporações, das famílias; é uma monarquia em que o poder régio, apesar de autoritário, é limitado pelas liberdades
existentes, não se afirmando no absoluto e no arbitrário, mas só interfere para estabelecer a ordem e a justiça; é uma monarquia em que
apesar de existir uma centralização política há também uma descentralização administrativa”. Op. Cit., p. 30
25
Idem, p. 189.
26
ALMEIDA, op. cit., p.194.
27
ALMEIDA, op. cit., p.194.
28
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Porto Alegre: Globo, 1979, vol.1, p. 18. Para este autor, o que acontece no feudalismo é
a corporificação de um conjunto de poderes políticos, separados de acordo com o objeto de domínio, sem que as diversas funções,
privativas sejam levadas em consideração.
o Estado corporativo. O contrário aparece no Estado Absolutista. O Estado que se formou em
Portugal passou a assentar-se em uma característica patrimonialista, onde os servidores desse Estado,
integrados estruturalmente, eram vinculados ao poder centralizado. Foi a partir do incremento do
comércio que o Estado patrimonial tomou corpo. O rei, ao centralizar o poder, criou uma estrutura
que foi conservada em conjunção com a economia e a administração.
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