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INTRODUÇÃO
As histórias classificadas como contos de fadas constituem parte importante no
imaginário universal, seja por seus enredos simples ou a abordagem de temáticas comuns à
humanidade – amor, superação, vingança – inseridas em uma realidade ficcional fantástica
e envolvente.
Essas histórias eram escritas, muitas das vezes, para o público adulto, como foi o
caso das Histoires ou Contes du temps passé (1697), de Charles Perrault, nas quais a leitura
dos contos – tidos como gênero literário inferior naquele contexto do século XVII –
justificava-se pelas reflexões morais, embutidas por Perrault ao fim das histórias
(BENEDETTI, 2012).
Tais contos maravilhosos foram, e continuam sendo, apropriados e
representados por diversas modalidades artísticas além da literatura, seja a pintura, a
gravura, o teatro, o balé ou, mais recentemente, o cinema.
Walt Disney foi um dos profissionais que fizeram maior sucesso, ao longo do
século XX, adaptando contos de fadas à linguagem cinematográfica. Seu filme para
Branca de Neve e os Sete Anões (1937) foi a primeira animação a ser
produzida no formato
de longa-metragem e inaugurou uma série de filmes que viriam a consagrar-se como os
“Clássicos da Disney”. Durante os anos seguintes, os estúdios levam aos cinemas outros
filmes de sucesso, tal qual Pinocchio (1940); Dumbo (1941) e Bambi (1942). Adaptando ao
cinema várias narrativas escritas que antes eram do domínio dos adultos, Walt Disney
estabelece as bases para um cinema que agradou diferentes audiências, sendo, contudo,
mais direcionado ao público infanto-juvenil, com a promessa de um mundo perfeito
forjado através da fantasia (GABLER, 2009: 12).
Ora, o cinema de Walt Disney, assim como aquele produzido por qualquer outro
estúdio, é confeccionado dentro de um contexto histórico específico e de acordo com
determinadas posturas estético-ideológicas assumidas pelos profissionais envolvidos na
feitura dos filmes. As animações em longa-metragem da Disney podem ser inseridas na
lógica do sistema de estúdio do cinema norte-americano, consolidado depois de 1914, e
caracterizado pela produção de narrativas clássicas. Esse modelo, conforme Xavier (2012),
consiste na construção de uma narrativa pautada na continuidade temporal e lógica,
geradora de uma “montagem transparente”, de modo a aproximar-se de uma representação
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naturalista. Esse sistema reuniu três elementos para produzir o efeito naturalista: a
decupagem clássica (responsável por produzir o ilusionismo e a identificação do
espectador); a interpretação dos atores baseada nas filmagens em estúdios e cenários
construídos (com a reprodução fiel do comportamento humano e das aparências imediatas
do mundo físico); a escolha por histórias localizadas em gêneros estratificados – como o de
conto de fadas, por exemplo. Além de prezar o controle total da realidade criada pelas
imagens, o sistema naturalista intenta tornar invisíveis os meios pelos quais essa realidade
é produzida (XAVIER, 2012: 27-45). O sistema naturalista acaba por conferir um peso de
realidade aos mais diversos tipos de universos projetados na tela. Sobre as histórias
fantásticas elaboradas a partir desse sistema narrativo clássico, Xavier (2012:42) afirma
que seu poder de atração consiste justamente na precisão com que o irreal “torna-se real”,
ou seja, é naturalizado.
Segundo Laura Mulvey
(2008: 437-453), a ilusão dada pelo cinema clássico ao
espectador – de um rápido espionar num mundo privado –, acaba por jogar com as
fantasias vouyeristas dos observadores. Apropriando-se da teoria psicanalítica enquanto um
instrumento político capaz de demonstrar o modo pelo qual o inconsciente da sociedade
patriarcal estruturou a forma do cinema, essa autora acredita que essa forma de fazer
cinema, advinda de uma cultura patriarcal, utiliza-se de um processo de espetacularização
da mulher, pelo qual o homem é o principal responsável pelo desenrolar da narrativa,
articulando o olhar e executando as ações que deflagrarão o acontecimentos importantes,
enquanto a mulher torna-se figura passiva, disponível essencialmente como objeto para ser
olhado. Em Cinderela e em A Bela Adormecida, é possível perceber que as jovens
mulheres que intitulam os filmes e supostamente deveriam ser as protagonistas de suas
histórias, acabam por realizar poucas ações importantes nas narrativas, precisando da
intercessão de outros personagens, mágicos ou não, para a definição de seus desfechos nas
narrativas.
Durante a década de 1950, Disney estabelece a tradição das animações de contos de
fadas centradas nas figuras femininas, com o lançamento de Cinderela (1950) e A Bela
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