Figura 10:
Tremaine se dá conta que Cinderela era a moça encantadora do baile e tranca a menina no
quarto. Cinderela, 1950.
A caracterização de Tremaine e suas filhas com relação a Cinderela se dá por meio
de opostos: Cinderela é gentil, graciosa, tem voz suave, canta bem e é discreta; Tremaine é
mandona, arrogante, usa unhas vermelhas e muita maquiagem, suas filhas são desajeitadas,
desafinadas e espalhafatosas. Importante
comentar também a diferença de cores usadas
para representar as personagen
s nas imagens no filme: Tremaine é quase uma "sombra",
as cores no seu quadro são cinzentas e frias, a pele está sombria. Isso também acontece
com a imagem dela refletida no espelho. Cinderela, ao contrário, é representada com cores
claras e mais luminosas.
Interessante notar que a maldade de Tremaine não se encerra em sua própria
personagem, nem se estende apenas a suas filhas, mas também a seu gato de estimação
que, não por acaso, chama-se Lúcifer. Nesse sentido, a madrasta é cercada por toda uma
atmosfera de malevolência, que reforça seus aspectos negativos e encaminha a narrativa ao
desfecho de Tremaine e suas filhas que, ao contrário do conto escrito, não se arrependem e
são abandonadas por Cinderela.
Figura 11:
O gato Lúcifer e as desajeitadas filhas de Tremaine. Cinderela, 1950.
Esse final apresentado no filme, converge com uma ampla gama de filmes live-
action do período, nos quais as personagens femininas que fugissem ao padrão socialmente
aceito do que seria uma mulher respeitável eram duramente punidas, seja pela morte ou
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pela solteirice. Foi por meio desse recurso que mulheres com personalidades fortes ou que
davam mais atenção a outras áreas da vida além do âmbito doméstico e familiar foram
retratadas como megeras em filmes de drama romântico ou como bruxas em filmes de
terror. Este foi o caso de atrizes como Joan Crawford e Bette Davis e pode ajudar a
explicar o contexto no qual Tremaine e Malévola ganharam contornos intensamente
perversos, aliados às suas realidades familiares sem a presença de um homem, suas
personalidades autoritárias e suas vozes graves.
Podemos dizer que essas vilãs quebram com a ideia de homem/ativo e
mulher/passiva na narrativa, ao mesmo tempo em que são as únicas que se posicionam
contra a união entre a mocinha boa e o príncipe – e são duramente punidas por causa disso.
Os filmes que seguiam esse modelo melodramático acabavam por deixar como
ensinamento que garotas bem-comportadas viveriam felizes e se casariam, e que as más
sofreriam punições da vida. Como abordado no capítulo 1 desta pesquisa, as morais
originalmente redigidas por Charles Perrault para sua versão de Cinderela (1697),
enfatizavam principalmente a importância de bons padrinhos para se obter prosperidade na
vida, já na versão fílmica, repara-se que a moral da história está ligada muito mais à
relação entre bom comportamento e a consequente felicidade (aí sinônimo de matrimônio).
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