Figura 3
Publicação do jornal The Disneyland News, 1956.
A nona edição do The Disneyland News – publicação oficial da Disneyland – traz
como reportagem de capa um texto cuja pauta é a popularidade da Disneyland entre as
celebridades, enfatizando-se que o parque, já bem estabelecido entre o público geral da
região Sudeste da Califórnia, vinha recebendo também a visita de figuras do
entretenimento e celebridades dos filmes e da televisão. Ainda segundo a reportagem, esses
famosos, assim como outras centenas de visitantes, buscavam na Disneyland relaxamento
e diversão. Há uma imagem ilustrativa, na qual se vê o comediante Red Skelton dando um
passeio no Casey Jr Circus Train, atração popular na Fantasyland. Skelton aparece
sorridente na foto, como que a representar toda a alegria que o parque temático poderia
proporcionar aos frequentadores. Na legenda da foto de Skelton, lê-se que ele é apenas
38
uma das várias celebridades que frequentam o parque quase que diariamente. Nesse
sentido, é possível dizer que essa foto, junto ao texto da reportagem, apresentam as
celebridades que frequentam a Disneyland – a exemplo de Skelton – como o tipo de
clientela padrão do parque.
Essa interpretação acerca do tipo de público – renomado – que se intentava atrair ao
parque, é observável em outras fontes do período, como na entrevista de Walt Disney para
o jornalista Pete Martin, no verão de 1956.
14
Quando perguntado sobre a Disneyland e
sobre os diferenciais do parque frente aos concorrentes, Disney ressalta claramente que seu
empreendimento foi construído a partir de um modelo de classe alta para atrair uma
clientela de classe alta. Apesar disso, Disney afirma que a entrada para seu parque temático
não poderia ser considerada cara, em comparação com as atrações e serviços oferecidos
pelos parques concorrentes.
Nessa mesma entrevista, é interessante notar que, para além do público-alvo
almejado por Walt Disney em seu parque, Disney também define o tipo de comportamento
que seria aceitável na Disneyland. O empresário destaca que não venderia nenhum produto
comestível que pudesse sujar facilmente seu parque (como chicletes e amendoins com
casca) ou bebidas alcoólicas, pois trariam uma atmosfera de arruaça para o ambiente e não
seriam necessárias, visto que o local ofereceria todo a diversão e relaxamento buscados no
álcool. Disney demonstra uma preocupação intensa com a imagem da Disneyland,
enfatizando a limpeza de seu parque ao longo da entrevista, rebatendo os rumores de que
os bilhetes de acesso ao locam seriam caros e, até mesmo, cuidando para que os
frequentadores aparentassem, em consonância com o parque, uma imagem de solidez: “It's
run in a high manner and I have a high class clientele. The people who go to the park are
from all walks of life but they look like solid Americans, That's pretty hight class.”
15
(Disney; 1956).
Importante perceber a maneira com a qual Disney rebate as críticas quanto à
entrada de seu parque ser cara: enfatizando que o bilhete dá acesso a todas as atrações por
quantas vezes o frequentador desejar, dando-lhe ampla liberdade de ir e vir dentro de seu
parque e de consumir os produtos que quiser. Nesse ponto, Disney se ausenta da
14
Disponível em:
http://disneybooks.blogspot.com.br/2012/07/walt-disney-talks-early-disneyland-by.html
.
Ver Anexos.
15
Em tradução nossa: “O parque é administrado com muita classe e eu tenho uma clientela de classe alta.
As pessoas que vão ao parque vêm de diferentes contextos, mas eles se parecem com americanos sólidos.
Isso é bastante classudo.”
39
responsabilidade pelos altos gastos que alguns frequentadores faziam na Disneyland,
comprando roupas ou brinquedos. Para ele, o ato de comprar também significaria uma
liberdade: “I'm not insisting people buy things but I want to give them the opportunity”
(DISNEY, 1956)
16
Nesse sentido, é possível perceber que, apesar de muitas pessoas
perceberem o apelo consumista da Disneyland como uma forma de coerção, Walt Disney
utiliza-se do ideal de liberdade individual capitalista para legitimar o consumo excessivo
em seu parque.
É preciso ainda problematizar o conceito de liberdade expressa na Disneyland. Ela
oferecia liberdade de circulação e de consumo aos visitantes mas, ao mesmo tempo, era
uma liberdade ordenada e controlada. Gabler (2009: 564) destaca que, diferentemente de
outros parques temáticos do período, caracterizados pelo barulho, o caos, a subversão, –
como os desenhos da Warner Bros do final dos anos de 1940 –, a Disneyland apresentava
um modelo oposto, em que o perfeccionismo constituía a base de sua existência,
distanciando-a de tudo o que era humano e real. Inclusive sua arquitetura seguia esse ideal,
com curvas e círculos harmônicos e receptivos.
Nesse sentido, é interessante notar os simbolismos presentes no parque, o qual
representava não apenas o ideal da perfeição e da fantasia, como guiava os visitantes por
uma experiência que coincidisse com a trajetória de Walt Disney e dos Estados Unidos
como um todo. Walt Disney chegou a afirmar à colunista Hedda Hopper que “há uma
temática americana por detrás de todo o parque” (apud GABLER, 2009: 565) Tal
afirmação é compreensível se se observa as partes que compunham a Disneyland –Terra da
Fantasia, Terra da Aventura, Terra da Fronteira e Terra do Amanhã –, as quais, em
conjunto, transportavam o público tanto ao passado idealizado do desbravamento e da
colônia quanto projetavam um mundo do futuro.
Walt Disney também teve papel-chave na execução da chamada Política de Boa
Vizinhança – tópico bem abordado por Tota (2000) –, tendo realizado um tour pela
América Latina com financiamento do Departamento de Estado dos EUA, o que resultou
na criação de seu famoso filme Saludo Amigos (1943), o qual ajudou na manutenção de um
clima pacífico e amigável nas relações entre EUA e América Latina, dando lucro aos
Estados Unidos e difundindo a solidariedade continental (TOTA, 2000: 72). Além disso,
16
Em tradução nossa: “Eu não estou insistindo para que as pessoas comprem coisas [no parque], mas eu
quero lhes dar essa oportunidade.”
40
Disney participou ativamente da organização militante Motion Picture Alliance for the
Preservation of American Ideal, a qual imbuída de patriotismo, tinha como objetivo manter
o cinema como catalisador dos ideais e estilo de vida americanos. A partir destes
elementos, é possível observar que Walt Disney posicionava-se estreitamente em
conformidade não só com os interesses do governo americano como também dos
poderosos da indústria cinematográfica.
Este aspecto da integração de Walt Disney com diferentes grupos importantes
dentro dos EUA é ressaltado também por Robert Sklar (1978), o qual acredita que Disney e
suas produções, surgidas num momento de quebra de antigos mitos culturais dos EUA –
com a Depressão, a crença no trabalho e perseverança como meios para o sucesso
encontrava-se abalada – teriam conseguido angariar a aclamação de públicos importantes
do cinema (o que compra entrada, os críticos e seus próprios colegas de Hollywood),
devido à relação harmoniosa que suas obras mantinham com as mudanças de gostos e de
estados de espírito do público da época.
Para Sklar, houve mudança importante nos trabalhos de Disney: se as primeiras
animações de Mickey e da Sinfonia Tola eram baseadas num mundo de total fantasia,
libertos da carga do tempo e de responsabilidades, numa espécie de desordem hilariante
característica dos primeiros anos de Depressão, a partir de 1932 os desenhos passaram a
pautar-se muito mais numa representação idealizada do mundo, segundo a qual é preciso
obedecer a regras e aprender as morais das histórias (como ocorre nos contos, por
exemplo). Além disso, Sklar aponta que nesse período a série emocional dos personagens e
enredos passou a expandir-se e, no caso das animações de Disney, essa mudança pôde ser
percebida a partir da maior antropomorfização dos personagens e da crescente
aproximação das histórias com o modelo de melodrama convencional – com narrativas
simples, heróis e vilões marcados e estilo grandiloqüente (AUMONT; MARIE, 2003: 184-
185). Ora, esse modelo de animação mais complexa emocionalmente e com alto teor moral
pode ser muito facilmente encontrado em Cinderela e A Bela Adormecida, filmes nos quais
há a presença marcada de heroínas, vilões e finais felizes que são alcançados por meio do
comportamento moral correto.
Nesse sentido, pode-se situar a imagem feminina idealizada, conforme representada
na publicidade e nos filmes, também um produto a ser consumido, seja enquanto
entretenimento, seja enquanto um modelo de comportamento desejável, a ser perseguido,
41
valorizado e adotado. E as animações Disney participaram enfaticamente desse mercado de
valores e de bens culturais.
Compartilhe com seus amigos: |