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3 CAPÍTULO 2: Estado, religião e educação no Brasil
Procuramos, ao longo do primeiro capítulo, enquanto apresentamos os projetos
de lei relacionados ao Escola Sem Partido e à proibição do debate de gênero na
educação especificamente, já indicar as relações entre seus propositores e setores mais
conservadores das religiões cristãs. Como vimos, boa parte dos projetos são de autoria
de parlamentares fortemente atrelados a essas religiões ou às suas bancadas - a Frente
Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional e a Frente Parlamentar Mista Católica
Apostólica Romana. Além disso, o discurso destes projetos baseia-se tanto na defesa de
uma moral judaico-cristã quanto no modelo de família mononuclear defendido por esta
mesma tradição.
Os dados coletados e as análises construídas ao longo da pesquisa nos levaram a
concordar com Cunha a respeito da contínua interferência das religiões hegemônicas
(católica e evangélicas) nas políticas públicas para educação no Brasil. Acreditamos
também que a disputa por hegemonia no campo das políticas públicas para educação
entre grupos mais progressistas, alinhados com as diretrizes dos órgãos internacionais
como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a ONU, e grupos mais
conservadores, próximos ao discurso produzido por grupos religiosos tradicionalistas,
não esteja ocorrendo apenas no Brasil, como exemplificamos com o caso da Colômbia.
Neste sentido, o MESP seria fruto da combinação entre dois elementos: o peso da
tradição da influência católica na educação brasileira e a adesão a uma nova onda
conservadora, também de influência religiosa, abarcando católicos e evangélicos, que
tem em sua linguagem e nos meios empregados para divulgá-la características mais
modernas.
Em texto recente, Cunha apresenta
a tese de que
[...] o currículo da Educação Básica, particularmente das escolas públicas, é
objeto de ação modeladora que visa frear os processos de secularização da
cultura e de laicidade do Estado, mediante dois movimentos, um de
contenção, outro de imposição. Ambos os movimentos configuram um
projeto de educação reacionária, entendida aqui como a que se opõe às
mudanças sociais em curso e se esforça para restabelecer situações
ultrapassadas. (CUNHA, 2016, p. 2)
Segundo esse autor, o movimento de contenção seria um movimento social e
parlamentar e teria como sua principal arma os projetos do tipo Escola Sem Partido. Já
os projetos de imposição seriam parlamentares e governamentais que propõem a
inclusão das disciplinas de Moral e Cívica e de Ensino Religioso no currículo escolar.
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Acreditamos que esta tese consegue de fato abarcar boa parte do fenômeno conservador
que observamos na educação nos últimos anos, uma vez que oferece uma perspectiva de
interpretação mais abrangente, se compreendemos a luta contra a laicidade e a
secularização para além da ação de segmentos religiosos, mas também empreendida por
setores conservadores de maneira mais ampla e que, muitas vezes, se beneficiam ou até
mesmo se apropriam do discurso religioso.
A partir das afirmações acima, explicitamos que, neste capítulo, buscamos traçar
um breve histórico do envolvimento de católicos
e evangélicos com as políticas públicas
para educação no Brasil, examinando sempre os pontos de afinidade entre a tradição
católica ou cristã e o discurso do MESP. Destacamos também a relação entre a “guerra
cultural católica” e sua apropriação pelos segmentos mais conservadores da sociedade
brasileira e a ofensiva contra a questão de gênero, identificada por estes grupos como
“ideologia de gênero”.
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