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2 CAPÍTULO 1: ESCOLA SEM PARTIDO – MOVIMENTO
E PROGRAMA
2.1 O Movimento Escola sem Partido
O mito
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de fundação do Movimento Escola Sem Partido (MESP) remonta ao não
tão longínquo ano de 2003. Segundo o fundador do movimento, o procurador do Estado
de São
Paulo Miguel Nagib, em setembro deste ano uma de suas filhas
chegou da escola
contando que seu professor de História teria comparado Che Guevara a São Francisco
de Assis. A comparação teria sido feita por ambos terem aberto mão de tudo por uma
ideologia. O primeiro pela ideologia política e o segundo pela ideologia religiosa.
Segundo o procurador, “as pessoas que querem fazer a cabeça das crianças associam as
duas coisas e acabam dizendo que Che Guevara é um santo” (BEDINELLI, 2016a). O
procurador, que é católico, conta ainda que esta não teria sido a primeira vez que o
professor teria dito em sala de aula algo que ele julgava como “doutrinação”.
Ele teria, então, escrito uma carta aberta ao professor, impresso 300 cópias e
distribuído no estacionamento da escola da filha. Mas, segundo o próprio Nagib, a
recepção não teria sido das melhores. “Foi um
bafafá e a direção me chamou, falou que
não era nada daquilo que tinha acontecido. Recebi mensagens de estudantes me
xingando. Fizeram passeata em apoio ao professor e nenhum pai me ligou”
(BEDINELLI, 2016a). Esse episódio teria motivado Nagib a criar, no ano seguinte, o
Movimento Escola Sem Partido. O procurador é sempre convidado a falar em
programas de debate
8
, concede entrevistas
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a todos os meios de comunicação, é
convidado para apresentar e defender o Projeto Escola Sem Partido em audiências
7
Entendemos esta explicação sobre o surgimento do movimento como um mito fundador por esta história
ser sempre contada já com uma interpretação sobre o fato ocorrido que direciona as ações
futuras do
movimento. Luis Felipe Miguel também utiliza a palavra mito para se referir a este episódio.
8
Cf. ESCOLA SEM PARTIDO.
Entre Aspas. Globo News, exibido em 26 jul. 2016. Disponível em:
<
https://www.youtube.com/watch?v=kqTkGIlyofY
>. Acesso em: 18 out. 2016.
COMO TRATAR AS DIFERENÇAS SEXUAIS NAS ESCOLAS?
Entre Aspas. Globo News, exibido
em 9 jun. 2016. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=iNSC1rNOz74
>. Acesso em: 18
out. 2016.
9
ENTREVISTA COM MIGUEL NAGIB.
The Noite. SBT, exibido em 9 ago. 2016. Disponível em:
<
https://www.youtube.com/watch?v=wkBBW91jVEA
>. Acesso em: 18 out. 2016.
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públicas
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. Em todas as entrevistas, repete exatamente os mesmos argumentos que
podem ser observados no trecho da entrevista concedida ao jornal El País transcrita
abaixo:
Para Nagib, as falas em sala de aula têm um peso grande, porque os
professores são geralmente figuras queridas, vistas como ídolos pelos
estudantes e porque os alunos são obrigados a ouvi-lo, ‘não podem sair para
tomar um cafezinho quando o professor começa a falar sobre essas coisas’. É
justamente por isso, diz, que a lei que seu movimento criou não pode ser
acusada de censura, como fazem os opositores, na opinião dele. ‘Não é
cerceamento à liberdade de expressão porque o professor não tem direito à
liberdade de expressão na sala de aula’, diz ele. ‘Se o professor tivesse, ele
sequer seria obrigado a apresentar o conteúdo. A prova que ele não tem
liberdade de expressão é que ele tem uma grade curricular obrigatória por lei.
Liberdade de expressão é a que a gente exerce no Facebook
®
. Ele não pode
agir em sala de aula como ele age no Facebook
®
’, afirma. ‘A segunda prova
disso é a seguinte: ele pode [na sala de aula] impor aos seus alunos seus
pontos de vista. Se exerce a liberdade de expressão em locais onde as pessoas
não são obrigadas a escutar o outro. Na TV se pode mudar de canal. De um
pregador na praça, se pode desviar. Mas o aluno está ali na condição de
audiência cativa’, conclui. (BEDINELLI, 2016a)
Segundo o site oficial (ESCOLA SEM PARTIDO, 2014-2017) do movimento,
este “é uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de
contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino
básico ao superior. ” Ainda segundo o site, “a pretexto de transmitir aos alunos uma
‘visão crítica’ da realidade, um exército organizado de militantes travestidos de
professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de
aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo”. É bastante difícil encontrar
informações sobre o movimento. Como destaca Miguel, não há indicação de seus
integrantes e os únicos porta-vozes públicos são Miguel Nagib, “coordenador”, e
Bráulio Porto, “vice-presidente” – uma hierarquia no mínimo confusa”. (MIGUEL,
2016, p. 595)
Apesar do discurso do movimento tentar criar para si uma imagem de defensor
da escola contra o que chama de “contaminação político-ideológica”, o criador do
movimento, Miguel Nagib, tem profundos vínculos com o
think-tank
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