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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA
HIRAM SOUZA FERNANDES
Dissertação de Mestrado
A RELAÇÃO ENTRE AS IDENTIDADES TERRITORIAIS E A “NOVA
URBANIDADE”: O CASO DAS MANIFESTAÇÕES IDENTITÁRIAS
DOS GRUPOS DE MOTOCICLISTAS EM SALVADOR, BAHIA.
Salvador
2012
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HIRAM SOUZA FERNANDES
Dissertação de Mestrado
A RELAÇÃO ENTRE AS IDENTIDADES TERRITORIAIS E A “NOVA
URBANIDADE”: O CASO DAS MANIFESTAÇÕES IDENTITÁRIAS DOS GRUPOS
DE MOTOCICLISTAS EM SALVADOR, BAHIA.
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação
em Geografia do Instituto de Geociências, da
Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos
para obtenção do título de Mestre em Geografia.
Área de concentração: Análise do Espaço Geográfico.
Orientador: Prof. Dr. Wendel Henrique
Salvador
2012
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__________________________________________________
F363 Fernandes, Hiram Souza.
A relação entre as identidades territoriais e a “nova
urbanidade”: o caso das manifestações identitárias dos grupos de
motociclistas em Salvador, Bahia / Hiram Souza Fernandes. -
Salvador, 2012.
106 f. : il.
Orientador: Prof. Dr. Wendel Henrique.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-
Graduação em Geografia,
Universidade Federal da Bahia, Instituto
de Geociências, 2013.
1. Territorialidade humana – Salvador (BA). 2.
Motociclistas. 3. Identidade. 4. Especo e tempo. I. Henrique,
Wendel. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de
Geociências. III. Título.
CDU: 911.3(813.8)
__________________________________________________
Elaborada pela Biblioteca do Instituto de Geociências da UFBA.
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TERMO DE APROVAÇÃO
HIRAM SOUZA FERNANDES
A RELAÇÃO ENTRE AS IDENTIDADES TERRITORIAIS E A “NOVA
URBANIDADE”: O CASO DAS MANIFESTAÇÕES IDENTITÁRIAS DOS GRUPOS
DE MOTOCICLISTAS EM SALVADOR, BAHIA.
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de
Geociências da Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:
_____________________________________
PROF. DR. WENDEL HENRIQUE
ORIENTADOR / IGEO-POSGEO / UFBA
_____________________________________
PROF. DR. ALESSANDRO DOZENA
EXAMINADOR EXTERNO / PPGe / UFRN
_____________________________________
PROF. DR. ANGELO SZANIECKI PERRET SERPA
EXAMINADOR INTERNO / IGEO-POSGEO / UFBA
Salvador, BA
Junho de 2012
5
AGRADECIMENTOS
No processo de realização de uma pesquisa em nível de Mestrado várias são
as pessoas e instituições que apoiam e auxiliam o pesquisador e que sem as quais o
trabalho do mestrando poderia se tornar muito mais complexo, ou mesmo impossível
de ser concluído. Uma dissertação de Mestrado requer dedicação e muita disciplina,
que, por vezes, não são compatíveis com os problemas que enfrentamos em nossas
vidas pessoais ou profissionais. Por isso, se não fossem as pessoas ou órgãos que
irei mencionar aqui, eu não sei se o meu trabalho poderia ser concluído.
Em primeiro lugar eu gostaria de agradecer à minha família. Em especial à
minha mãe, Cássia. A minha mãe é o meu alicerce, o meu pilar. Uma mãe com “M”
maiúsculo, que se desdobra para ser também um pai, uma avó, uma amiga. Mãe
que nunca poupou esforços para me apoiar emocionalmente ou financeiramente, e
que mais do que ninguém sonha com o meu sucesso e a minha felicidade em vida.
Gostaria de agradecer imensamente aos meus queridos e amados irmãos: Lúcia,
Júlio e Vânia. Cada um no seu jeito, cada um com suas manias, cada um com a sua
maneira de se relacionar comigo. Mas sei que cada um deles me ama tanto quanto
eu também os amo e se importa com o meu sucesso e a minha realização pessoal,
tanto quanto eu me importo com a deles.
Sou muito grato ao meu orientador, Prof. Dr. Wendel Henrique, pela amizade,
pela parceria que se estende desde a graduação, mas, principalmente, pela
paciência que dispensou em meus momentos de dúvida, fraqueza e a sabedoria
com que soube me conduzir até a conclusão desta etapa. É com prazer que
agradeço, também, aos membros da banca examinadora de minha dissertação; o
Prof. Dr. Angelo Serpa, ao qual reservo imensa admiração por todos os momentos
em que tivemos a possibilidade de trocar ideias, debatermos, bem como nos
momentos em que tive o prazer de ser seu aluno; e o Prof. Dr. Alessandro Dozena,
que apesar de não termos tido a possibilidade de nos conhecer pessoalmente,
também se mostrou muito solícito, ajudando e contribuindo para o processo de
escrita deste trabalho.
É com especial atenção que agradeço ao CNPq (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico), pela bolsa de Mestrado concedida
durante 24 meses e ao Programa de Pós-Graduação em Geografia (Mestrado e
Doutorado) da Universidade Federal da Bahia. Aos professores Ms. Clímaco Dias,
Dr. Cristóvão de Brito, Dr. Diego Maia e Dra. Catherine Prost pelas colaborações e
pela amizade.
Agradeço aos meus grandes amigos. Elissandro Santana e Célio Santos do
MGEO-UFBA, e Leonardo Barros do curso de graduação em Geografia da UFBA,
pela amizade e pelo apoio com os mapas. À Adriana Bittencourt, Shanti Marengo,
Matteus de Oliveira, Rodrigo Cortes, Livia Celestino, Jorge Valois e todo os colegas
do grupo de pesquisa CiTePlan. Além destes, gostaria de lembrar de todos os
amigos do grupo “Micadão”, por trazerem alegria aos meus dias de estresse, de
Mariana de Oliveira e Irlande de Oliveira, por toda a amizade e carinho. Yuri Tadeu
pelos anos de companheirismo e todos os demais amigos de Cuiabá-MT, Salvador-
BA e Maringá-PR. Vocês sabem exatamente quem são e a importância que
possuem na minha vida. Por isso, deixo aqui, mais uma vez, o meu muito obrigado.
Por fim, mas não menos importante, agradeço aos motociclistas que contribuíram
com informações, sem as quais este trabalho não teria se realizado.
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FERNANDES, Hiram Souza. A relação entre as Identidades Territoriais e a “nova
urbanidade”: O caso das manifestações identitárias dos grupos de motociclistas em
Salvador, Bahia. 106 f. il. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Geociências,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.
RESUMO
A dissertação de mestrado aqui apresentada refere-se à pesquisa que buscou
compreender as relações que se engendram entre as identidades territoriais, no
plano do cotidiano urbano, e a “nova urbanidade”, na cidade de Salvador, Bahia.
Para este trabalho, que consiste em um estudo de caso, o recorte de análise está
vinculado aos grupos de motociclistas organizados em Moto Clubes (M.C.s). A
escolha pelos agregados identitários de motociclistas deveu-se ao interesse pessoal
do pesquisador pelas manifestações culturais que apresentam ideais de cultura
diferentes em relação à cultura hegemônica “imposta” pelas diversas esferas do
poder, como, por exemplo, as do poder midiático e da indústria do carnaval em
Salvador. Além disso, a escolha revela manifestações de um agregado identitário
que possui características extremamente distintas, baseando-se em Haesbaert
(2007), no que diz respeito ao continuum que este autor apresenta, caracterizando
as identidades desde a “multiterritorialidade” à “reclusão territorial”. Esta, por sua
vez, reforça a segregação e o fechamento das manifestações identitárias. A
segregação é entendida a partir de Correa (1989), como sendo caracterizada pela
individualidade física e cultural, resultante do processo de competição impessoal que
gera espaços de dominação dos diferentes grupos sociais levando-as a uma
“reclusão territorial”, como no caso de determinados grupos de motociclistas. Por
outro lado, a “multiterritorialidade” é caracterizada pelas “identidades híbridas” que
são altamente influenciadas pelo aumento da mobilidade das populações, o que é
notadamente uma característica de alguns outros grupos de motociclistas que são
mais abertos aos intercâmbios culturais e a uma flexibilidade na materialização do
território. Tendo em vista essa diferenciação dos agregados identitários com base no
continuum proposto por Haesbaert (2007), tive a possibilidade de observar e
compreender as distintas manifestações de diferentes grupos de motociclistas
através das experiências do espaço vivido. Tal fato contribui para a compreensão e
o enriquecimento das reflexões sobre a constituição das territorialidades tendo como
referência as identidades territoriais. A compreensão sobre a formação de
territorialidades urbanas em Salvador parte ainda das discussões sobre a “nova
urbanidade”, proposta por Carlos (1997), a qual se materializa no espaço e se
realiza no cotidiano da grande cidade, possibilitando que o surgimento / crescimento
/ desaparecimento das manifestações identitárias na cidade contemporânea parta
das ideias de segregação social urbana e da tendência cada vez mais marcante do
isolamento dos indivíduos, pela competição e pela individualidade, mesmo existindo
um movimento dialético, no sentido de complementaridade, que através de uma
convivência solidária possibilita o desenvolvimento de agregados identitários
diversos.
Palavras-chave: identidade, território, Moto Clubes (M.C.s), nova urbanidade.
7
FERNANDES, Hiram Souza. The relationship between the territorial identities and
the “new urbanity”. The case of the expressions of identity from groups of
motorcyclists in Salvador, Bahia, Brazil.106 f. il. Master Dissertation – Instituto de
Geociências, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.
ABSTRACT
The Master Dissertation presented here refers to the research that aims to
understand the relationships between the territorial identities, in terms of everyday
urban life, and the "new urbanity" in the city of Salvador, Bahia, Brazil. For this work,
which consists in a case report, the clipping of analysis is linked to the groups of
motorcyclists that are associated in Motorcycle Clubs (M.C.s). The choice of
motorcyclist's clusters of identity was made due to the personal interest of the
researcher by cultural manifestations that express ideals of culture that are different if
compared to the hegemonic culture imposed by various spheres of power, such as
the media power and the industry of carnival power, in Salvador. Moreover, the
choice reveals manifestations of an aggregate of identity that has diverse
characteristics, based on Haesbaert (2007), with respect to the continuum that this
author presents characterizing the identities since the "multiterritoriality" to "territorial
seclusion". This, in turn, reinforces segregation and the closing of the manifestations
of identity. Segregation here is understood by Correa (1989), as characterized by
physical and cultural individuality, resulting from the competition process that creates
impersonal spaces of domination of different social groups leading them to a
"territorial seclusion" as in the case of certain groups of motorcyclists. On the other
hand, the "multiterritoriality" is characterized by "hybrid identities" that are highly
influenced by the increased mobility of populations, which is mainly a feature of some
other groups of motorcycle riders who are more open to cultural exchange and
flexibility in the materialization of the territory. In view of this differentiation of
aggregates of identity since the continuum proposed by Haesbaert (2007), I had the
opportunity to observe and understand the different manifestations of different groups
of riders from the experiences of lived space. This fact contributes to the
understanding and enrichment of the reflections of the constitution of territorialities
since territorial identities. The understanding of the creation of the urban
territorialities in Salvador also begins since the discussions on "new urbanity",
proposed by Carlos (1997). The "new urbanity" materializes itself in space and takes
place in everyday life in the big cities, enabling that the emergence / growth /
disappearance of the manifestations of identity in contemporary city leads from the
ideas of urban social segregation and the increasingly striking trend of the isolation of
individuals, by competition and individuality. This happens even if there is a
dialectical movement in the sense of complementarity, which via a joint of possible
coexistence leads the development of several groups of identity.
Keywords: identity, territory, Motorcycle Clubs (M.C.s), new urbanity.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES E QUADRO
Figura 1
Cartograma de localização dos países com filiais do “Vermelho”
M.C.
59
Figura 2
Integrantes do HOG de Campinas-SP em passeio à cidade de
Curitiba-PR.
71
Figura 3
Integrantes do HOG de Campinas-SP em passeio à cidade de
Curitiba-PR.
72
Figura 4
Localização do Bairro do Rio Vermelho
75
Figura 5
Transeuntes, frequentadores e motociclistas no “Largo da
Mariquita”, Salvador, Bahia.
76
Figura 6
Transeuntes, ambulantes e motociclistas no “Largo da Mariquita”,
Salvador, Bahia.
77
Figura 7
Motociclistas do “Cometas Gam M.C.” e “irmãos” de outros M.C.s
em ação de entrega de cestas básicas e mantimentos na Escola
Lar Mundo da Criança em Lauro de Freitas, Bahia.
90
Figura 8
Crianças da Escola Lar Mundo da Criança em Lauro de Freitas,
Bahia, atendidas pela ação de solidariedade promovida pelo
“Cometas Gam M.C.” e outros M.C.s parceiros.
91
Figura 9
Mapa de localização dos pontos de encontro que constituem as
territorialidades dos M.C.s de Salvador.
98
Quadro
Comparativo dos grupos de motociclistas abordados na
pesquisa.
97
9
SUMÁRIO
1. Introdução ............................................................................................................ 10
1.1 Contextualização, Justificativa e Objetivos. ..................................................... 10
1.2 Metodologia ..................................................................................................... 17
2. Identidades e Identidade Territorial: contextualização teórica ....................... 21
2.1 Identidade + Território = Identidade Territorial? ............................................... 21
2.2 Contextualização dos agregados identitários abordados na pesquisa ............ 24
3. A “nova urbanidade” e a formação das identidades ....................................... 29
3.1 Entendendo o cotidiano ................................................................................... 29
3.2 O que é a “nova urbanidade”? ......................................................................... 34
3.2.1. A “lógica do automóvel” ............................................................................... 41
3.2.2. A “lógica da motocicleta” .............................................................................. 44
3.2.3. Os “enclaves fortificados” ............................................................................ 46
3.3 Marcas da “nova urbanidade” em Salvador ..................................................... 49
3.4 A relação dialética entre a “nova urbanidade” e a formação das identidades .. 52
4. Identidades Territoriais. Como atuam os grupos de motociclistas em
Salvador? ................................................................................................................. 56
4.1 O agregado identitário dos motociclistas em Salvador. Anseios, perspectivas,
estratégias de ocupação do espaço e o relacionamento com a cidade. ................ 57
4.1.1 Sobre o “Vermelho” M.C.. ............................................................................. 58
4.1.2 Sobre o H.O.G. (Harley Owners Group) ....................................................... 67
4.1.3 Os Moto Clubes de Salvador reconhecidos pela AMO-BA ........................... 74
4.1.3.1. O “Harleyros M.C.” .......................................................................................... 77
4.1.3.2. O “Falcões Raça Liberta M.C.” ..................................................................... 81
4.1.3.3. O “Cometas Gam M.C.” e o “Alma Cigana M.C.” ....................................... 88
5. Considerações Finais ......................................................................................... 99
Referências Bibliográficas ................................................................................... 103
10
1. Introdução
1.1 Contextualização, Justificativa e Objetivos.
As Harley são diferentes das outras motos. A Harley é um dos poucos
exemplos no mundo que a marca vale mais do que a própria empresa.
Quem compra uma Harley não compra só uma moto, compra também um
estilo de vida, um símbolo. Uma identidade, sabe? (Anthrax, entrevista
realizada pelo “chat” da rede social virtual “Facebook”, no dia 20/03/2012).
Esta afirmação, feita por um dos entrevistados do trabalho, sintetiza de
maneira ímpar o pensamento que motivou o interesse pela pesquisa aqui
apresentada. Uma dissertação de mestrado que busca aprofundar o estudo sobre a
manifestação identitária dos grupos de motociclistas, suas convicções, desejos,
anseios, e, principalmente, a maneira como o grupo, enquanto identidade territorial
que se materializa no cotidiano, se relaciona com o espaço urbano da cidade de
Salvador.
Os estudos e pesquisas sobre as identidades e manifestações culturais no
Brasil vêm recebendo destaque cada vez maior no campo das Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas, incluindo a Geografia. Isso se dá em virtude das especificidades e
da importância que tal tema adquire no Brasil, principalmente, a partir da década de
1990, com a criação do NEPEC (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e
Cultura) em 1993, no Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, mas também pela criação do NEER (Núcleo de Estudos em Espaços e
Representações) em 2004, no Departamento de Geografia da Universidade Federal
do Paraná, que, apesar de mais recente, tem se mostrado um importante grupo nas
discussões de temas através da abordagem cultural da Geografia Humana. As
pesquisas e discussões desenvolvidas no âmbito desses grupos, bem como em
congressos e seminários, caracterizam-se por ser a base para a compreensão dos
estudos que evidenciem as relações entre espaço e cultura, incluídos aí, os que
abordam os conceitos como a identidade territorial e a territorialidade. As
manifestações culturais que são expressas pelos chamados agregados identitários,
apresentam-se mais diversificadas na atualidade e também como algo que
caracteriza o cotidiano atual dominado pelo mundo urbano. Estas diversidades
adquiriram, primeiramente, visibilidade nos espaços das grandes metrópoles
mundiais, pois é nestes espaços que se concentra a maior parte das populações
11
que se congregam em grupos através da acessibilidade à informação, técnicas e do
conhecimento.
Para Carlos (1997), o cotidiano reproduzido através das relações entre as
pessoas na metrópole e os novos comportamentos apresentados por seus
habitantes produz o que a autora achou conveniente chamar de “nova urbanidade”.
No entanto, a autora, além de considerar que essa “nova urbanidade” representa
comportamentos mais individualistas e individualizados, acredita que existe ainda,
como um comportamento residual, a possibilidade do encontro com “outro”, com o
“diferente” e com os “iguais”, que permite a formação das identidades que atuam na
produção do espaço. Para a autora, “o homem está alienado de si mesmo,
manipulado, preso a um consumo programado que separa o homem do outro,
encerrado em seu universo pessoal”. (CARLOS, 1997, p. 207).
Cabe aqui, deixar claro que compreendo o cotidiano, principalmente, a partir
das considerações de Lefebvre (1978) que o define como:
A substância do homem, a matéria humana, o que permite viver, resíduo e
totalidade ao mesmo tempo, seus desejos, suas capacidades, suas
possibilidades, suas relações essenciais com os bens e com os outros
humanos, seus ritmos, através dos quais é possível passar de uma
atividade delimitada a outra totalmente diferente, seu tempo e seu espaço,
ou seus espaços e seus conflitos...
1
(LEFEBVRE, 1978, p. 88). [nossa
tradução]
E também a partir das colaborações de Santos (1997) que considera:
O cotidiano é essa quinta dimensão do espaço e por isso deve ser objeto de
interesse dos geógrafos, a quem cabe forjar os instrumentos
correspondentes de análise. [...] Na verdade, o tempo e o espaço não se
tornaram vazios ou fantasmagóricos como pensou A. Giddens, mas, ao
contrário, por meio do lugar e do cotidiano, o tempo e o espaço, que contêm
a variedade das coisas e das ações, também incluem a multiplicidade
infinita de perspectivas. Basta não considerar o espaço como simples
materialidade, isto é, o domínio da necessidade, mas como teatro
obrigatório da ação, isto é, o domínio da liberdade (SANTOS, 1997, p. 38-
39).
Posto isso, é interessante explorarmos as relações dialéticas, onde exista a
contradição, entre o espaço e o cotidiano. Compreender, portanto, como as ações
no espaço interferem no cotidiano e como o cotidiano atua nessas ações.
1
La substancia del hombre, la materia humana, lo que le permite vivir, residuo y totalidad a un tiempo, sus deseos, sus
capacidades, sus posibilidades, sus relaciones esenciales con los bienes y los otros humanos, sus ritmos, a través de los
cuales le es posible pasar de una actividad delimitada a otra totalmente distinta, du tiempo y su espacio o sus espacios, sus
conflictos. (LEFEBVRE, 1978, p. 88).
12
Acredito que as modernas relações cotidianas nas metrópoles, explicadas por
Carlos (1997), levam a uma homogeneização e individualização, cada vez maior, de
seus habitantes, mas, é cada vez maior, também, a necessidade da presença com
os iguais, gerada pela própria escassez de vida coletiva e pela insegurança,
características essas, oriundas da “nova urbanidade”.
No entanto, como destaca Bezerra (2007), num mundo global, onde a
modernização gerou uma tendência à homogeneidade, torna-se um “triunfo
essencial” essa diferenciação através da identidade cultural. Por isso, a autora
reforça que a homogeneização global na contemporaneidade gera uma “fascinação
pela diferença” e pela “mercantilização da alteridade”.
Apresentadas essas discussões no plano geral, cabe destacar que o recorte
particular deste trabalho é a cidade de Salvador onde foi verificada, no espaço intra-
urbano da metrópole baiana, a atuação dos agregados identitários dos motociclistas
que abordo nesta pesquisa. No entanto, é importante mencionar que, inicialmente, a
proposta era a de abordar também o agregado identitário dos emos e realizar um
estudo comparativo entre estes e os grupos de motociclistas. Esses grupos que
surgiram como interesses iniciais para a abordagem na pesquisa apresentavam-se
bastante distintos entre si, mas também possuíam características em comum, como
o fato de representarem manifestações identitárias de cultura alternativa ao grupo
hegemônico do Rock e, além disso, se constituírem enquanto minoria no contexto da
sociedade soteropolitana. Porém, como será explicitado logo a seguir, não foi
possível prosseguir na pesquisa com o grupo dos emos.
Embora seja possível identificar que o cenário musical da capital baiana
esteja diretamente ligado à indústria do carnaval e a grande massificação através do
Axé Music, é possível afirmar, também, dentre os apreciadores do estilo musical
Rock, que existe um cenário específico do estilo em Salvador, de reconhecimento,
inclusive, no cenário nacional.
O Rock soteropolitano ganha força nas décadas de 1970 e 1980 com os
nomes de Raul Seixas, e logo após da banda “Camisa de Vênus”, que nos dias de
hoje é considerada, como um consenso entre os admiradores do estilo, uma grande
influência de diversas bandas do Punk Rock. Nos anos 1990 vemos surgir outros
nomes, também com respaldo no cenário nacional, tais como “The Dead Billies”, “Dr.
Cascadura” e “Pitty”. Na atualidade são várias as bandas baianas com destaque na
mídia especializada nacional, principalmente através do canal de televisão “MTv”.
13
Nomes como “Cascadura”, “Retrofoguetes”, “Vivendo do Ócio” e “Maglore” figuram,
inclusive, em festivais e premiações realizados pela emissora no eixo Rio-São
Paulo. Na capital baiana, as bandas, em geral, se dividem de acordo com os seus
subgêneros do universo do Rock, como, por exemplo, o Heavy Metal, o Punk Rock,
o Hardcore e o Indie Rock. Bandas e produtores realizam shows e festivais em
determinadas casas noturnas da cidade, na maioria das vezes, de maneira
independente, mas em alguns casos, com apoios e suporte do poder público através
das leis de incentivo à cultura. Considero que, principalmente o grupo dos
motociclistas, é alternativo dentro desse grupo hegemônico do Rock em Salvador,
pois apesar de serem apreciadores do estilo, não estão inseridos de maneira incisiva
dentro desse circuito de festivais, shows e bandas, como quem produz música e
eventos, mas se apresentam apenas como uma parte do público da cena.
O agregado identitário que analiso nesse trabalho é o daqueles que se
organizam através de Moto Clubes (M.C.s) para reverenciar estilos de vida ligados
às motocicletas, constituindo dessa maneira, a manifestação de identidade do
motociclista. Não podemos deixar de considerar a motocicleta como uma
mercadoria, que através dela se envolve um conjunto simbólico de representação de
“liberdade” e “transgressão” envoltas em uma aura de “contracultura” que acaba por
reproduzir o modo de produção capitalista. Os M.C.s, segundo Thompsom (2004),
surgiram nos Estados Unidos, na década de 1940, formados, majoritariamente, por
indivíduos do sexo masculino, com idade e condições financeiras suficientes para
adquirirem as motocicletas e empenharem-se em viagens pelas estradas do país.
Por outro lado, o grupo de jovens caracterizados como emos, se unia para
reverenciar estilos de vida produzidos pelos meios de comunicação na
contemporaneidade. Esses jovens possuíam como elo comum os comportamentos
específicos da pós-modernidade, ditados por estereótipos, moda, consumo e o gosto
por músicas do estilo “Emocore”, que abordam letras com temas como: amores não
correspondidos, infelicidade e o suicídio. O termo “emo” deriva do prefixo da palavra
em inglês “emotional” e também do seu correspondente em português “emocional”,
para se referir à importância dada às emoções e sentimentos ligados ao amor na
temática lírico-poética.
O termo emo é de difícil conceituação, o que talvez possa ratificar o caráter
híbrido que envolve esse grupo. Segundo Greenwald (2003), o termo emo pode
significar diferentes coisas para diferentes pessoas, existindo, na verdade, uma
14
massiva subestimação. Apesar da dificuldade em se “rotular”, quando se pensa no
termo, a maioria das pessoas tem, previamente construída na mente, uma definição,
que em grande parte é pejorativa. Greenwald (2003) afirma que o termo emo “tem
sido uma fonte de orgulho, um alvo de escárnio, um sinal de confusão, e uma marca
dos tempos.” (GREENWALD, 2003, p. 1). Para se ter uma ideia, em uma breve
busca na internet, foram encontrados 281.000.000 resultados para o termo emo no
site google.com e cerca de 3.930.000 de vídeos no site youtube.com.
Mas afinal de contas, quem são os jovens emos? Greenwald (2003, p. 55)
esclarece que
[...] eles não são punks tradicionais, não são jovens indie rock frustrados ou
universitários graduados desiludidos. Eles não usam óculos para parecerem
legais e eles não usam camisetas retrô para impressionar. [...] Eles são
filhos dos subúrbios, de fora das grandes cidades e à margem das vias
principais. Um caminho alternativo ao caminho batido. Jovens que surgem a
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