VARGAS, Getúlio
*dep. fed. RS 1923-1926-; min. Faz. 1926-1927; pres. RS 1928-1930; rev. 1930; pres.
Rep. 1930-1945; const. 1946; sen. RS 1946-1949; pres. Rep. 1951-1954.
Getúlio Dornelles Vargas nasceu em São Borja (RS) no dia 19 de abril de 1882,
filho de Manuel do Nascimento Vargas e de Cândida Dornelles Vargas. Ainda jovem,
alterou o ano de nascimento para 1883, fato somente descoberto durante a
comemoração de seu centenário. Em dezembro de 1902, ao realizar exames
preparatórios para o curso de direito, Vargas declarou — provavelmente pela primeira
vez — uma idade diferente da real. Mais tarde, ao ingressar na Faculdade de Direito de
Porto Alegre, em março de 1904, alterou o ano de nascimento para 1883, apresentando
uma certidão militar comprovadamente rasurada. Desde então, constou em registros e
documentos oficiais, artigos e livros sobre sua pessoa, o ano de 1883 como o de seu
nascimento.
Vargas era descendente de uma família politicamente proeminente em São
Borja, região de fronteira com a Argentina, palco de rumorosas lutas no século XIX.
Seu avô paterno, Evaristo José Vargas, lutou como soldado voluntário da República de
Piratini durante a Guerra dos Farrapos. Foi casado com Luísa Maria Teresa Vargas, com
quem teve 14 filhos. Os avós maternos, Serafim Dornelles e Umbelina Dornelles,
pertenciam a uma família tradicional, descendente de imigrantes portugueses dos
Açores. Serafim Dornelles foi major de milícias, próspero comerciante e também um
dos mais ricos estancieiros de São Borja.
O pai de Getúlio, Manuel do Nascimento Vargas, combateu na Guerra do
Paraguai, distinguindo-se como herói militar. Começou a guerra como simples cabo
para encerrá-la como tenente-coronel. Uma vez desligado do Exército, estabeleceu-se
como fazendeiro em São Borja e em 1872 casou-se com Cândida Dornelles, com quem
teve cinco filhos: Viriato, Protásio, Getúlio, Espártaco e Benjamim. No final do
Império, tornou-se o chefe político local do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR).
Em 1893, já na República, combateu os federalistas que se insurgiram contra o governo
de Júlio de Castilhos no Rio Grande do Sul, desencadeando a chamada Revolução
Federalista. Bateu-se contra as tropas de Dinarte Dornelles, tio materno de Getúlio e
líder federalista no município, o que contribuiu para que se introduzisse e permanecesse
viva dentro da família Vargas a acirrada e histórica contradição entre “chimangos”
(republicanos) e “maragatos” (federalistas). A guerra civil terminou em 1895 com a
vitória dos republicanos e o PRR tornou-se o partido dominante no estado, sob a direção
de Júlio de Castilhos e seu sucessor Antônio Augusto Borges de Medeiros. Manuel
Vargas recebeu uma promoção a coronel de Floriano Peixoto e outra a general-de-
brigada, concedida por Prudente de Morais. Em 1907 foi intendente — cargo
correspondente ao do atual prefeito — de São Borja, o mesmo acontecendo mais tarde
com seus filhos Viriato e Protásio.
Getúlio Vargas fez os estudos primários na sua cidade natal. Em 1897, seguiu
para a Escola de Ouro Preto (MG), onde já se encontravam seus irmãos mais velhos,
matriculando-se no curso de humanidades. No ano seguinte, porém, os três regressaram
a São Borja devido a um conflito entre estudantes gaúchos e paulistas que resultou na
morte de um rapaz de São Paulo. Viriato chegou a ser pronunciado pelo promotor
público, fato que mais tarde viria comprometer os Vargas na política gaúcha.
Em 1898, decidiu seguir carreira militar, solicitando matrícula na Escola
Preparatória e de Tática de Rio Pardo (RS), primeiro passo no caminho do oficialato.
Getúlio teve de esperar um ano por falta de vaga, segundo Barros Vidal. Com o objetivo
de facilitar sua matrícula na escola de Rio Pardo, alistou-se em fevereiro de 1899 no 6º
Batalhão de Infantaria, sediado em São Borja. Foi rapidamente promovido a segundo-
sargento. Em março de 1900, matriculou-se afinal na Escola Preparatória e de Tática de
Rio Pardo. Em maio de 1902, porém desligou-se da escola, em solidariedade a alguns
colegas que haviam sido expulsos por um incidente disciplinar. Voltou à tropa, dessa
vez no 25º Batalhão de Infantaria, sediado em Porto Alegre. Predisposto a abandonar a
carreira das armas, matriculou-se na Escola Brasileira com o intuito de completar o
curso secundário, já decidido a estudar direito. No começo de 1903, quando se
preparava para deixar o Exército, surgiu uma ameaça de conflito armado entre o Brasil e
a Bolívia, em decorrência da disputa pelo território do Acre. Apresentando-se à sua
unidade, partiu em fevereiro para Corumbá (MS), no então estado de Mato Grosso. A
Questão do Acre, porém, foi resolvida pela diplomacia do barão do Rio Branco e não
pelas armas, como esperava Vargas.
Em dezembro de 1903, após dar baixa do Exército, Getúlio ingressou na
Faculdade de Direito de Porto Alegre como aluno ouvinte. Em março de 1904,
matriculou-se no segundo ano da faculdade, após prestar exames das cadeiras que
constituíam o primeiro ano do curso de direito. Na faculdade, revelou-se discípulo fiel
do castilhismo, integrando-se à mocidade estudantil republicana. O positivismo —
ideologia oficial do PRR — teve porém uma influência limitada em sua formação
intelectual. Quando estudante, Getúlio interessou-se mais por Herbert Spencer e Charles
Darwin do que por Auguste Comte. Cultivou também o gosto pela literatura. Admirador
de Émile Zola, publicou um artigo na revista estudantil Panthum enaltecendo sua
posição frente ao caso Dreyfuss e suas tendências progressistas.
Vargas começou a trilhar o caminho da política gaúcha em 1906, ao ser
escolhido orador dos estudantes na homenagem prestada ao presidente eleito Afonso
Pena, quando de sua visita a Porto Alegre. Em 1907, ingressou efetivamente na política
partidária republicana, juntamente com toda uma geração de estudantes gaúchos que se
notabilizaria na política nacional e que seria chamada por Joseph Love de a “geração de
1907”. Nesse ano, o Partido Federalista desencadeou uma grande campanha para
suplantar o domínio do PRR, lançando a candidatura de Fernando Abbot, um
republicano dissidente, às eleições de novembro para o governo do estado. Borges de
Medeiros, que terminava seu segundo mandato no Executivo gaúcho, decidiu não
concorrer à reeleição, indicando a candidatura de Carlos Barbosa Gonçalves.
Com seus colegas de faculdade João Neves da Fontoura, Firmino Paim Filho,
Maurício Cardoso e numerosos estudantes, Vargas fundou o Bloco Acadêmico
Castilhista em apoio à candidatura republicana. O bloco contou também entre seus
membros com dois cadetes da Escola de Guerra de Porto Alegre que viriam a
desempenhar um papel importante na vida de Vargas: Eurico Gaspar Dutra e Pedro
Aurélio de Góis Monteiro. Com o apoio do senador José Gomes Pinheiro Machado, o
bloco lançou o jornal O Debate, dirigido por Paim Filho e do qual Vargas tornou-se
secretário de redação. Eleito sem dificuldade em novembro, Carlos Barbosa iria
governar o Rio Grande do Sul de 1908 a 1913, no intervalo entre dois longos períodos
de governo de Borges de Medeiros.
Em dezembro de 1907, Vargas formou-se em ciências jurídicas e sociais e mais
uma vez foi escolhido o orador da turma. Sua participação na campanha de Carlos
Barbosa impressionara favoravelmente a Borges, que, como chefe do PRR, dispunha de
enorme poder pessoal e detinha a decisão final sobre todas as coisas, das questões mais
importantes às mais secundárias. Assim, em janeiro de 1908, Vargas foi nomeado
segundo promotor público do Tribunal de Porto Alegre. Alguns meses mais tarde, seu
nome foi incluído na lista dos candidatos do PRR à Assembléia dos Representantes,
como era denominada oficialmente assembléia gaúcha. Vargas passou o cargo de
promotor a João Neves e voltou a São Borja, onde constituiu uma banca de advocacia e
estendeu os contatos com os correligionários de seu pai, garantindo apoio eleitoral à sua
candidatura.
O deputado Getúlio Vargas
Em março de 1909, Vargas foi eleito à Assembléia dos Representantes na
legenda do PRR. A Assembléia gaúcha era uma instituição com funções bastante
limitadas, devido à extrema concentração de poderes do Executivo estadual. Pela
Constituição rio-grandense, o presidente do estado detinha uma autoridade legal
equivalente a um poder ditatorial. A Assembléia reunia-se durante três meses por ano
com o fim exclusivo de votar o orçamento e examinar as contas do governo. Getúlio iria
aproveitar os longos períodos de recesso parlamentar para dedicar-se às suas atividades
de advogado em São Borja.
Em março de 1911, casou-se com Darci Lima Sarmanho, filha de Antônio
Sarmanho, estancieiro e diretor de banco em São Borja. Dessa união nasceriam os filhos
Lutero, Jandira, Alzira, Manuel Antônio e Getúlio.
Em 1913, foi novamente eleito deputado estadual, mas renunciou ao mandato
em protesto contra a intervenção de Borges de Medeiros nas eleições de Cachoeira,
atual Cachoeira do Sul. Nesse município, a lista de candidatos do PRR havia sido
modificada por João Neves e Odon Cavalcanti. Os deputados eleitos foram preteridos
por Borges e obrigados a renunciar aos seus mandatos.
Interrompida a carreira parlamentar, Getúlio voltou a São Borja e à sua banca de
advocacia. Durante três anos, permaneceram estremecidas suas relações com Borges de
Medeiros, que chegou a incentivar a disputa pelo poder entre os Vargas e outros grupos
republicanos de São Borja. O grupo liderado por Benjamim Torres e Rafael Escobar
passou a hostilizar Viriato Vargas, na época intendente local. Getúlio não se envolveu
diretamente na crise, mas procurou defender o irmão das acusações ainda ligadas ao
incidente de Ouro Preto. Com o assassinato de Benjamim Torres em março de 1915, as
suspeitas recaíram sobre Viriato, que se refugiou na Argentina até ser absolvido.
Entrementes, Borges recuou e manteve o general Manuel Vargas na chefia local do
PRR.
No final de 1916, Borges de Medeiros buscou reconciliar-se com Getúlio,
oferecendo-lhe a chefia de polícia de Porto Alegre. Getúlio recusou o cargo, mas
posteriormente aceitou sua inclusão na lista de candidatos à Assembléia. Eleito em
1917, recuperou rapidamente o tempo perdido fora da política. Prestigiado por Borges
de Medeiros, começou a desempenhar na Assembléia as funções de líder do PRR,
embora sem diploma expresso. Como explicou João Neves, “líder majoritário não
havia. A tradição castilhista desconhecia a figura do líder. Talvez porque o Partido
Republicano até ali ocupara unanimemente todas as cadeiras. Líder dava a idéia de
divisão, de luta, de fracionamento”.
Na Assembléia, Getúlio tomou algumas iniciativas isoladas e pessoais para
congregar as forças políticas gaúchas. Em outubro de 1917, ao manifestar o apoio do
governo do estado à declaração de guerra do Brasil contra a Alemanha, conclamou os
deputados do PRR e do Partido Federalista a superarem suas divergências e “ante o
sentimento de perigo comum unirem-se sob a mesma bandeira”. Quando o armistício
foi assinado em novembro de 1918, defendeu a concórdia entre os povos, após
denunciar a “arrogância” do Império alemão e o “militarismo prussiano”. O discurso foi
aplaudido não só por seus correligionários, mas também pelos deputados federalistas.
Entretanto, em sua opinião, a guerra européia trouxera uma lição nova,
comprovando “a inépcia” dos parlamentos “para a solução dos mais graves problemas
que agitam a vida nacional dos países onde vigora”. Ao protesto de que não se deveria
confundir a presença do governo na vida nacional com essa presença na emergência de
guerra, redargüiu: “Tanto não é assim que, após a terminação da guerra, os poderes
públicos continuaram a intervir na atividade privada, mantendo os serviços com o
intuito de restringir a ganância dos particulares.”
Sua reeleição para a Assembléia em 1921 foi assegurada com tranqüilidade,
porém com a situação política nacional tumultuada pela disputa em torno da sucessão
do presidente da República Epitácio Pessoa. Borges de Medeiros levantou-se contra a
candidatura de Artur Bernardes, articulada por Minas Gerais e São Paulo, denunciando
o arranjo político como uma forma de garantir recursos para o esquema de valorização
do café, quando o país necessitava de finanças equilibradas. Getúlio, acompanhando a
posição do PRR, participou da campanha da Reação Republicana, movimento em favor
da candidatura de Nilo Peçanha articulado pelo Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco
e estado do Rio.
Apesar de acirrada disputa, Artur Bernardes venceu as eleições em março de
1922. Sua vitória comprovava o poderio eleitoral da aliança entre Minas e São Paulo, os
dois estados de maior expressão socioeconômica do país, detentores do controle da vida
política nacional desde o princípio do século. Essa aliança, resultado lógico dos
interesses econômicos comuns aos dois estados cafeeiros, tinha por corolário um
esquema de revezamento na presidência da República, conhecido como a “política do
café com leite”.
Entretanto, a eleição de Bernardes foi contestada pela oposição civil e,
principalmente, por jovens oficiais do Exército, que se tornariam conhecidos como os
“tenentes”. A crise culminou com a Revolta de 5 de Julho de 1922, que foi
imediatamente sufocada pelo governo, mas marcou o início das revoltas tenentistas da
década de 1920. A rebelião contou com a adesão das guarnições de Campo Grande, de
Niterói, então capital do estado do Rio de Janeiro, e do Rio de Janeiro, então Distrito
Federal, e nesta última cidade, especialmente a guarnição do forte de Copacabana, que
caiu na manhã do dia 6, no episódio que ficou conhecido como Os 18 do Forte. Diante
do levante, seguindo a nova orientação do PRR, expressa no manifesto Pela ordem de
Borges de Medeiros, Getúlio defendeu a dissolução da Reação Republicana e prestou
solidariedade a Epitácio Pessoa e Artur Bernardes.
Em outubro de 1922 Vargas foi indicado e eleito à Câmara Federal para
completar o mandato vago por morte do deputado gaúcho Rafael Cabeda. Entretanto,
devido à proximidade das eleições governamentais no Rio Grande do Sul, adiou sua
partida para o Rio. Pela primeira vez, desde 1907, ocorreu uma situação competitiva na
sucessão gaúcha. Borges de Medeiros, candidato ao quinto mandato de cinco anos,
defrontou-se com a oposição dos federalistas, dos republicanos dissidentes e dos
democráticos, unidos em torno da candidatura de Joaquim Francisco de Assis Brasil. O
pleito realizou-se em 25 de novembro de 1922 em meio a rumores de um levante contra
Borges e acusações de fraude de ambos os lados. Vargas foi designado presidente da
Comissão de Constituição e Poderes da Assembléia, encarregada de apurar os votos e
proclamar o candidato vencedor.
Em 17 de janeiro de 1923, a comissão proclamou a vitória de Borges, por 106
mil votos contra 32 mil. Segundo uma versão que circulou na época, a comissão
chegara anteriormente à conclusão de que Borges perdera a disputa, não conseguindo a
maioria de 3/4 dos votos, exigidos pela Constituição estadual para sua reeleição. Diante
do impasse, Vargas e seus dois colegas da comissão teriam ido à presença de Borges
para expor a situação. Ao recebê-los, Borges teria declarado efusivamente: “Sei que
vêm cumprimentar-me, porque estou reeleito.” Sem jeito de contrariar o chefe, a
comissão se teria retirado sem dizer a que vinha, reformulando em seguida seus
cálculos.
Em 25 de janeiro de 1923, Assis Brasil e antigos caudilhos federalistas
insurgiram-se com o objetivo de depor Borges, desencadeando violenta guerra civil no
estado. Nomeado tenente-coronel por decreto de Borges, Vargas partiu para São Borja,
assumindo o comando do 7º Corpo Provisório, tropa irregular composta de civis
recrutados. Mas não chegou a participar dos combates, pois, ameaçado de perder sua
cadeira na Câmara Federal, interrompeu a luta e foi para o Rio de Janeiro assumir mais
uma missão delegada pelo PRR.
Na Câmara, Getúlio trabalhou para evitar a intervenção federal em seu estado,
buscando contornar as dificuldades geradas pelo apoio anteriormente dado por Borges à
Reação Republicana. Desenvolveu também um esforço de aproximação com os
representantes gaúchos de oposição, ampliou suas relações com os parlamentares de
outros estados, sobretudo de São Paulo, e estabeleceu vínculos com o poder central que
beneficiaram a imagem do Rio Grande do Sul junto aos centros decisórios da política
nacional. A guerra civil no Rio Grande do Sul terminou em dezembro de 1923 por um
acordo de paz assinado sob a égide do governo federal em Pedras Altas, estância de
Assis Brasil. O Pacto de Pedras Altas vedou nova reeleição de Borges, mas garantiu o
mandato que exercia no Executivo estadual.
Reeleito deputado federal em 1924, Vargas assumiu a liderança da bancada
republicana gaúcha na Câmara. Nessa condição, apoiou as medidas de exceção
propostas por Bernardes, às voltas com generalizado e persistente descontentamento da
opinião pública e intermitentes rebeliões tenentistas. Entre outros movimentos armados,
Bernardes enfrentou a Revolta de 1924 em São Paulo, chefiada pelo general Isidoro
Dias Lopes, e a Coluna Prestes, contingente rebelde liderado pelo capitão Luís Carlos
Prestes e o major Miguel Costa que percorreu o interior do país de abril de 1925 até
fevereiro de 1927, dando combate às tropas legais.
Em 1925, Vargas participou da comissão encarregada de estudar a reforma da
Constituição de 1891. A revisão constitucional foi proposta por Bernardes, visando a
ampliar o poder do governo central perante os estados. Vargas concordou com as
modificações pedidas, condenando o “anti-revisionismo sistemático”. Na ocasião,
manifestou-se também contra o ensino religioso nas escolas. Em maio de 1926, passou a
integrar a Comissão de Finanças da Câmara, na qual permaneceria até o final de seu
mandato, em novembro.
Apesar da tensão causada pelas rebeliões tenentistas e pelo estado de sítio em
vigor, a sucessão de Bernardes foi das mais tranqüilas da República Velha. Sem
qualquer oposição, Washington Luís e Fernando de Melo Viana, até então presidentes
respectivamente de São Paulo e Minas Gerais, foram eleitos presidente e vice-presidente
da República em março de 1926.
Ministro da Fazenda
Em 15 de novembro de 1926, Washington Luís assumiu a presidência,
empossando Vargas no Ministério da Fazenda. Essa escolha tinha o claro propósito de
reconciliar o Rio Grande do Sul com a aliança Minas-São Paulo. Além disso, o
programa de estabilização financeira anunciado por Washington Luís era bem visto por
Borges de Medeiros, que expressara repetidas vezes seu interesse na estabilidade dos
preços internos. Vargas manifestou-se a princípio contra sua indicação, alegando, em
carta a Borges, que não possuía qualificação suficiente em finanças, mas acabou sendo
convencido pelo presidente gaúcho a aceitar a designação.
A passagem de Vargas pelo Ministério da Fazenda duraria pouco mais de um
ano, correspondendo à época de êxitos da política econômico-financeira de Washington
Luís. Vargas tratou basicamente de implementar a reforma monetária, aprovada pelo
Congresso ainda em dezembro de 1926. A reforma instituiu o retorno do padrão-ouro e
criou um novo fundo de estabilização cambial chamado Caixa de Estabilização, à qual
caberia emitir papel-moeda contra reserva de 1% de ouro. Passaram a existir dois meios
circulantes no país, um conversível e outro não, e a taxa de câmbio foi fixada acima dos
índices de mercado com objetivo de favorecer as exportações e proteger a indústria
nacional.
Em agosto de 1927, Borges de Medeiros indicou as candidaturas de Vargas e
João Neves da Fontoura respectivamente à presidência e à vice-presidência do Rio
Grande do Sul. Embora impossibilitado pelo Pacto de Pedras Altas de concorrer a nova
eleição, Borges havia conservado a chefia do PRR, o que lhe garantia a escolha de seu
substituto. Por outro lado, tanto Vargas como João Neves tinham uma concepção da
política, se não menos autoritária que Borges, ao menos mais liberal em relação às
oposições gaúchas. O “liberalismo” de Vargas era considerado excepcional mesmo
dentro do PRR, sobretudo por seus membros mais antigos, dedicados seguidores do
castilhismo. Como naquele momento, segundo Alexandre Barbosa Lima Sobrinho em
seu clássico livro sobre a Revolução de 1930, “urgia encontrar para o governo gaúcho,
depois de lutas tão ásperas, um homem conciliador que os partidos e as facções
recebessem com a mesma boa vontade”, Vargas era o candidato ideal.
Em outubro de 1927, uma convenção do PRR aprovou por aclamação a chapa
Vargas- João Neves. A Aliança Libertadora, de oposição, fundada em 1924 por
federalistas e dissidentes republicanos, não apresentou candidato, mas colocou grandes
esperanças na chapa republicana, vendo em sua vitória a possibilidade de um governo
mais liberal. Vargas foi eleito em novembro seguinte, sem que fosse preciso participar
da campanha em seu estado. Em dezembro, exonerou-se do Ministério da Fazenda e em
discurso pronunciado ainda no Rio de Janeiro insinuou que as divergências no Rio
Grande do Sul deveriam ser abandonadas no interesse da paz com os libertadores.
Presidente do Rio Grande do Sul
Em 25 de janeiro de 1928, Getúlio assumiu a presidência do Rio Grande do Sul.
Sua primeira preocupação foi estabelecer um modus vivendi com Borges a fim de
assegurar a independência político-administrativa de seu governo. Vargas iria governar
com certa autonomia, apesar da influência preponderante de Borges nos assuntos de
política partidária. O primeiro passo nesse sentido foi a nomeação dos secretários de
estado a partir de sua própria escolha, sem levar em conta as indicações feitas por
Borges. Para a Secretaria do Interior e Justiça foi nomeado Osvaldo Aranha, o mais
jovem representante da nova geração de republicanos gaúchos, famoso por sua
combatividade durante a guerra civil de 1923. Firmino Paim Filho, amigo de Vargas
desde os tempos da faculdade, recebeu o cargo de secretário da Fazenda. João
Fernandes Moreira ocupou a Secretaria de Obras Públicas e Florêncio de Abreu, seu
concunhado, a chefia de polícia.
Vargas reorientou a ação econômica e política do governo gaúcho, conseguindo
resultados amplamente positivos. No plano econômico, tomou uma série de medidas de
amparo à lavoura e à pecuária, atendendo sobretudo às reivindicações dos produtores de
charque e arroz. Ainda em 1928, fundou o Banco do Rio Grande do Sul para estender o
crédito fácil aos interesses agrícolas e pecuaristas, afetados por violentas flutuações nos
preços e na produção desde o final da Primeira Guerra Mundial. Em novembro desse
mesmo ano conseguiu a aprovação no Congresso da Lei de Desnacionalização do
Charque, que considerava estrangeiro todo charque brasileiro que transitasse por
território uruguaio na demanda de portos nacionais. A medida visava a coibir o
contrabando de charque uruguaio que entrava no Brasil, disfarçado como produto
gaúcho ou mato-grossense. Vargas obteve também importantes concessões econômicas
do governo federal para diminuir os custos do frete no Rio Grande do Sul. Nesse caso,
incluíram-se o auxílio para a expansão do sistema ferroviário rio-grandense e a
transferência dos portos de Pelotas e Torres para o controle do estado. Seu governo
também subsidiou o nascente comércio exportador de charque e arroz, diminuindo as
tarifas ferroviárias para os dois produtos.
Outra forma de atuação de Vargas foi o estímulo à organização dos sindicatos de
produtores. O êxito do sindicato dos arrozeiros, criado em 1926 com o objetivo de
controlar a oferta e manter os preços altos, propiciou um surto geral de
“associatividade” no estado no final da década de 1920. Ao término de seu primeiro ano
de governo, Vargas expôs o seu pensamento a respeito: “Ao Estado cabe estimular o
surgimento dessa mentalidade associativa, valorizada com sua autoridade, exercendo
sobre ela um certo controle para lhe evitar os excessos. (...) Organizados para a defesa
dos interesses comuns, [os sindicatos] têm uma dupla vantagem: para os associados a
união torna-os mais fortes, para o governo, o trato direto com os dirigentes de classe
facilita, pelo entendimento com poucos, a satisfação do interesse de muitos.”
No plano político, Vargas buscou também um acordo com a oposição,
conseguindo pôr termo a quase 30 anos de violentas lutas interpartidárias no estado. A
oposição, reorganizada em março de 1928 em torno do Partido Libertador (PL),
sucessor da Aliança Libertadora, obteve garantias políticas jamais concedidas por
Borges de Medeiros. Vargas incluiu na administração estadual membros do PL e tomou
medidas para assegurar eleições honestas. Em março de 1929, por exemplo, mandou
recontar os votos numa eleição municipal que o PL considerava fraudulenta, permitindo
à oposição conquistar uma nova cadeira na Assembléia dos Representantes. O PRR não
opôs restrições a esses esforços conciliadores, apesar de todo o peso da tradição
castilhista. Assim, nesse mesmo ano de 1929, Vargas teve condições de unificar a
política do Rio Grande do Sul e empreender a primeira tentativa direta de um político
gaúcho para chegar à presidência da República.
A Aliança Liberal
A candidatura de Vargas às eleições presidenciais de 1930 nasceu do acordo
entre o Rio Grande do Sul e Minas Gerais, marcando o rompimento dos dois estados
com o governo federal. Foi o presidente de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada,
quem iniciou as articulações para uma candidatura de oposição. Antônio Carlos
esperava ser o próximo presidente, tendo em conta o esquema de revezamento entre
Minas e São Paulo no governo federal. Com efeito, a eleição de um candidato de São
Paulo em 1926 implicara um acordo tácito pelo qual Minas voltaria ao poder em 1930.
No quadriênio Washington Luís surgiram porém divergências na “política café com
leite”, a propósito do programa de estabilização financeira e da “valorização do café”.
Isto não seria grave não fossem pretensões dos grupos políticos de São Paulo em manter
o controle direto do governo federal. No decorrer de 1928, tornou-se claro o interesse de
Washington Luís em apoiar a candidatura de Júlio Prestes, antigo líder do Partido
Republicano Paulista (PRP) e seu sucessor no governo paulista.
Antônio Carlos buscou o apoio do Rio Grande do Sul a fim de se opor a esses
planos. Como observou Bóris Fausto, “para lançar o Rio Grande do Sul em uma
contenda que representaria uma ruptura na acomodação com o governo federal era
necessário oferecer ao estado a própria presidência”. Do lado gaúcho, João Neves
tornou-se o grande articulador dessa solução. Em dezembro de 1928 ele acenou com a
possibilidade de uma candidatura gaúcha, ao ser sondado pelo deputado mineiro
Afrânio de Melo Franco.
Washington Luís pressentiu a cisão com os mineiros e procurou comprometer o
Rio Grande do Sul com seus planos. Ainda em 1928, informou a Vargas, por intermédio
do deputado gaúcho José Antônio Flores da Cunha, que se dispunha a considerar um
candidato gaúcho, se porventura Minas bloqueasse o nome de Júlio Prestes. Dessa
forma, o Rio Grande, terceiro estado em importância eleitoral e tradicionalmente um
contendor de segundo plano, tornava-se a peça-chave do jogo sucessório.
Em janeiro de 1929, Vargas soube por autorização expressa de Antônio Carlos
que Minas estava definitivamente deliberada a recusar o nome de Júlio Prestes e a
apoiar uma candidatura gaúcha ao Catete. Getúlio respondeu em termos evasivos: não
repeliu a idéia, mas lembrou os vínculos de cooperação entre seu governo e a
administração federal. Ao que tudo indicava, Minas se atiraria isolada a uma luta, sem
grandes possibilidades de êxito. Quando muito, conseguiria reunir à sua volta os
pequenos partidos de oposição que haviam surgido na década de 1920: a dissidência
republicana paulista, que deu origem ao Partido Democrático (PD), e a carioca, que em
1928 se uniu aos paulistas e aos libertadores gaúchos no Partido Democrático Nacional.
De janeiro a maio de 1929, os entendimentos entre Minas e o Rio Grande
permaneceram em suspenso. Enquanto isso, Washington Luís insistia em que o debate
sucessório fosse iniciado apenas em setembro, isto é, seis meses antes das eleições
marcadas para março de 1930. Em maio, porém, a questão sucessória foi levantada no
Congresso Nacional. Vargas escreveu então uma carta confidencial ao presidente,
declarando-se à margem das manobras sucessórias e prometendo-lhe o apoio do PRR
“no momento preciso”.
Em junho, João Neves encontrou-se no Rio com o secretário do Interior de
Minas, Francisco Campos, incumbido por Antônio Carlos de obter uma resolução
definitiva do Rio Grande do Sul. João Neves apressou-se em aceitar o acordo proposto
por Minas, sem consultar previamente Vargas ou Borges de Medeiros. As conversações
resultaram na assinatura de um pacto secreto de aliança entre Minas e o Rio Grande do
Sul, firmado em 17 de junho por João Neves, Francisco Campos e o deputado José
Bonifácio Ribeiro de Andrada, irmão de Antônio Carlos. Conhecido como o Pacto do
Hotel Glória, o acordo prescrevia o veto ao nome de Júlio Prestes e a apresentação de
um candidato gaúcho à sucessão presidencial, nomeadamente Vargas ou Borges de
Medeiros. Ficou também consignado que o acordo só entraria em vigor após a
homologação de Borges. Depois de muita hesitação, Borges e Vargas aceitaram os
termos do acordo.
Em 11 de julho, Vargas escreveu a Washington Luís, comunicando sua
candidatura, mas deixando claro que não oporia obstáculo a uma solução diferente caso
o nome de Júlio Prestes fosse posto de lado. O presidente não se abriu a qualquer
espécie de entendimento. Comunicou aos demais governadores de estado a candidatura
de Júlio Prestes, recebendo o apoio de todos, com exceção de João Pessoa, da Paraíba,
que aceitara concorrer à vice-presidência na chapa oposicionista. O convite a João
Pessoa fora feito à última hora, depois da recusa da Bahia, Pernambuco e Rio de
Janeiro, estados de maior importância eleitoral que a Paraíba.
Em 30 de julho, a comissão executiva do Partido Republicano Mineiro (PRM)
aprovou por unanimidade as candidaturas de Vargas e João Pessoa à presidência e vice-
presidência da República, respectivamente. No dia seguinte, o PL deu apoio aos seus
nomes, integrando-se ao PRR na Frente Única Gaúcha (FUG). O próximo passo foi a
criação no início de agosto da Aliança Liberal, coligação oposicionista de âmbito
nacional, tendo como presidente o mineiro Afonso Pena Júnior e vice-presidente o
gaúcho Ildefonso Simões Lopes.
A Aliança Liberal congregou a ampla maioria dos representantes políticos do
Rio Grande ao Sul, Minas e Paraíba, à qual veio juntar-se o PD de São Paulo e o PD do
Distrito Federal. A campanha foi marcada por um série de recuos e tentativas de
conciliação com o governo federal, empreendidas sobretudo por Vargas. Em meados de
agosto, Vargas propôs a seus aliados a formação de uma nova chapa de oposição,
composta de candidatos de Pernambuco e do Ceará, a fim de ampliar a frente
antipaulista. Ante a recusa dos presidentes dos dois estados, Vargas sugeriu novamente
a apresentação de um terceiro candidato. Mas Washington Luís manteve-se
intransigente em relação à candidatura Júlio Prestes.
Em 12 de setembro, uma convenção de delegados dos partidos dominantes de 17
estados, liderados por São Paulo, homologou as candidaturas de Júlio Prestes para a
presidência e de Vital Soares, governador da Bahia, para a vice-presidência da
República. Oito dias depois, a Aliança Liberal, em convenção realizada no Rio, aprovou
a chapa Vargas-João Pessoa e sua plataforma eleitoral, redigida pelo gaúcho Lindolfo
Collor. O programa, segundo Bóris Fausto, “refletia as aspirações das classes
dominantes regionais não-associadas ao núcleo cafeeiro e tinha por objetivo sensibilizar
a classe média”. Na parte econômica, “defendia a necessidade de se incentivar a
produção nacional em geral e não apenas o café, combatia o esquema de valorização do
café e por isso mesmo não discordava nesse ponto da política de Washington Luís”.
Insinuava a necessidade de industrialização, mantendo porém velha distinção entre
indústrias naturais e artificiais. Preconizava medidas de proteção aos trabalhadores,
como a extensão do direito à aposentadoria, a aplicação da Lei de Férias e a
regulamentação do trabalho do menor e da mulher. Mas a grande arma e denominador
comum da Aliança Liberal, para Bóris Fausto, era “a defesa da representação popular,
através do voto secreto e da designação de magistrados para a presidência das mesas
eleitorais”. Outra proposta de grande efeito na campanha foi a anistia ampla a todos os
presos políticos processados e perseguidos desde 5 de julho de 1922.
A partir das convenções de setembro, ficou perfeitamente definida a situação de
inferioridade da Aliança Liberal na disputa sucessória. Vargas enfrentaria a máquina
oficial em 17 estados e, tendo-se em conta os padrões de controle eleitoral da República
Velha, suas chances de vitória eram extremamente pequenas.
Minas era o principal reduto eleitoral da Aliança Liberal e Antônio Carlos
comprometera-se em manter a coesão do PRM. Em outubro, contudo, o partido sofreu
uma grave cisão. O vice-presidente da República Fernando de Melo Viana rompeu com
a direção do PRM ao ser preterido na sucessão de Antônio Carlos no governo do estado.
A crise resultou na formação da Concentração Conservadora, movimento que promoveu
em Minas as candidaturas de Júlio Prestes à presidência da República e de Melo Viana à
presidência do estado.
Em conseqüência da cisão em Minas, Vargas esboçou uma nova tentativa de
recuo. Propôs a seus aliados retirar-se da disputa em troca de concessões reabilitadoras
na plataforma de Júlio Prestes. Firmino Paim Filho foi encarregado de consultar
Washington Luís e os principais dirigentes da Aliança Liberal. Washington Luís
recusou-se a abandonar o nome de Júlio Prestes, o que, ao lado da inflexibilidade de
Antônio Carlos, levou à manutenção da candidatura Vargas.
Em fins de 1929, a corrente mais radical da Aliança Liberal, formada por seus
políticos mais jovens, como João Neves, Osvaldo Aranha e Virgílio de Melo Franco
(filho de Afrânio de Melo Franco), passou a admitir a hipótese de desencadear um
movimento armado, no caso da derrota nas urnas. Como primeiro passo, buscou-se a
colaboração dos “tenentes”, tendo-se em conta seu passado revolucionário, sua
experiência militar e seu prestígio no interior do Exército. Essa aproximação já estava
em curso desde o início da campanha sucessória, mas os contatos se desenvolviam com
grande dificuldade, devido a desconfianças recíprocas. Na Aliança Liberal, estavam
alguns dos principais adversários dos “tenentes”, notadamente Artur Bernardes,
Epitácio Pessoa e João Pessoa, o qual, como promotor militar, fora acusador de muitos
militares rebeldes. Por outro lado, para os velhos dirigentes oligárquicos da Aliança, os
“tenentes” personificavam a ameaça de derrubada do regime e, conseqüentemente, de
suas próprias bases de sustentação política.
Vários oficiais revolucionários, como Juarez Távora, João Alberto Lins de
Barros e Antônio de Siqueira Campos, aderiram aos poucos à idéia de colaborar com a
Aliança Liberal, apesar da posição em contrário de Luís Carlos Prestes, o chefe supremo
do movimento tenentista. Prestes encontrava-se a meio caminho em seu processo de
adesão ao Partido Comunista Brasileiro, então Partido Comunista do Brasil (PCB), e
começava portanto a abraçar uma nova concepção da revolução brasileira. Em
setembro, Prestes entrou secretamente em contato com Vargas para declarar que
somente o apoiaria se a via revolucionária fosse adotada. No íntimo, Prestes tinha a
impressão de apresentar uma condição impossível de ser cumprida. Em 13 de setembro
Vargas transmitiu a João Neves sua opinião a respeito das declarações de Prestes
“Penso que não nos é lícito lançarmos o país numa revolução, sacrificarmos milhares de
vidas, arruinar e empobrecer o Estado, só para combater um homem que atualmente nos
desafia que é o presidente da República.”
Nos últimos meses de 1929, Aranha, João Neves e Virgílio de Melo Franco
estabeleceram contato direto com Siqueira Campos, Juarez Távora e João Alberto, que
retornaram clandestinamente do exílio, e ainda com outros oficiais revolucionários, que,
por já terem cumprido pena, estavam em liberdade, como Eduardo Gomes e Osvaldo
Cordeiro de Farias. Por insistência de seus companheiros, Prestes viajou
clandestinamente a Porto Alegre para conversar com Osvaldo Aranha e Vargas.
A história dos encontros entre Vargas e Luís Carlos Prestes permanece obscura
em vários pontos, como por exemplo em relação às datas. Segundo Hélio Silva, Carone
e outros autores, os encontros ocorreram em novembro de 1929 e fevereiro de 1930.
Prestes, em depoimento publicado em 1982, mencionou duas datas diferentes: setembro
de 1929 e janeiro de 1930. Resta ainda saber por que o ex-comandante da Coluna
Prestes recebeu uma substancial quantia de dinheiro, após ter recusado a chefia militar
da revolução.
A primeira fase da conspiração não implicou ainda a preparação efetiva para a
luta armada, mesmo porque os principais dirigentes da Aliança Liberal não pensavam
em romper os limites do sistema. A frase atribuída a João Pessoa resume perfeitamente
essa perspectiva: “Nunca contarão comigo para um movimento armado. Prefiro dez
Júlio Prestes a uma revolução.” Vargas, por seu lado, tomou uma atitude ambivalente
diante da ação conspirativa: permitiu que Aranha, João Neves e os mineiros
perseguissem um caminho belicoso, mas ao mesmo tempo autorizou Paim Filho a
manter os laços vitais com o governo federal.
Em dezembro de 1929, Paim Filho, agindo com autorização expressa de Vargas,
negociou e conseguiu firmar com Washington Luís, à revelia de Minas, da Paraíba e até
mesmo dos líderes gaúchos, um acordo secreto com o governo federal. Por esse acordo,
Vargas assumiu o compromisso de não deixar o seu estado para fazer propaganda
eleitoral e de apoiar o governo federal no caso de uma vitória de Júlio Prestes. De sua
parte, Washington Luís e Júlio Prestes comprometiam-se a reconhecer os candidatos do
PRR que fossem eleitos em março para o Congresso (seriam renovados a Câmara e 1/3
do Senado), a não combater o reconhecimento de Vargas caso este fosse eleito e, no
caso de uma vitória do governo, a restabelecer as relações com o Rio Grande do Sul nos
termos anteriores à divergência sobre a sucessão presidencial. O cumprimento desse
acordo implicaria muito provavelmente na desagregação e liquidação da Aliança
Liberal.
Nessa mesma época, entretanto, o governo federal também enfrentava
dificuldades, embora de outra ordem. A crise econômica internacional, irrompida em
outubro de 1929, estava solapando o programa de estabilidade da moeda e provocando
conseqüências desastrosas para os cafeicultores e os círculos financeiros de São Paulo.
Em poucos meses todas as reservas de ouro acumuladas à custa de empréstimos
externos foram tragadas pelos capitais em fuga do país. Segundo o comentário que
começou a circular, o “general café” se havia voltado contra o presidente. Houve, de
fato, divergências entre os cafeicultores e o governo, pois Washington Luís recusou-se a
emitir novos financiamentos e a conceder a moratória, reclamados pela lavoura paulista.
Diz Bóris Fausto: “Independentemente do fato de que a crise só tenha repercutido no
Brasil com toda sua intensidade em 1931... independentemente do fato de que a
oposição não [tivesse] plena consciência de seu alcance e não a [utilizasse] a fundo, ela
[golpeou] o governo ao produzir o desencontro entre o Estado, como representante
político da burguesia cafeeira, e os interesses imediatos da classe.”
No Congresso, João Neves aplaudiu a resistência de Washington Luís em
atender às reivindicações dos cafeicultores paulistas, mas criticou acerbamente sua
imprevidência. Em 26 de dezembro, após várias sessões tumultuadas, o deputado
aliancista gaúcho Ildefonso Simões Lopes revidou uma agressão de seu colega
situacionista de Pernambuco, Manuel de Sousa Filho, abatendo-o a tiros no recinto do
palácio Tiradentes.
Em meio à radicalização da campanha, Vargas violou o acordo com Washington
Luís, viajando para o Rio de Janeiro no final de dezembro. No dia seguinte à sua
chegada, entretanto, avistou-se com o presidente, reiterando sua disposição de respeitar
o modus vivendi estabelecido por Paim Filho. Em 2 de janeiro de 1930, ao lado de João
Pessoa, Vargas leu sua plataforma, não em recinto fechado como fizera Júlio Prestes,
mas em praça pública, para uma grande multidão que se concentrou na esplanada do
Castelo. Estendeu sua viagem a São Paulo e Santos (SP), onde foi recebido com
demonstrações populares de apoio, regressando em seguida a Porto Alegre. A campanha
da oposição prosseguiu com a organização das caravanas liberais que percorreram
Minas e as principais cidades do Norte e Nordeste, sob a chefia de João Pessoa.
No final de fevereiro, Vargas retirou-se temporariamente para São Borja,
nomeando Osvaldo Aranha presidente interino do Rio Grande do Sul e explicando que
“escrúpulos de ordem moral o impediam de continuar no cargo durante a eleição”.
Neste último mês ocorreram choques violentos em Garanhuns (PE), Vitória e
Montes Claros (MG). Nesta última cidade, um comício da Concentração Conservadora
foi interrompido por um tiroteio que deixou vários mortos e feridos, incluindo-se entre
os últimos o vice-presidente Melo Viana, pisoteado no tumulto que se estabeleceu. O
conflito mais importante eclodiu na Paraíba, em 28 de fevereiro, véspera das eleições.
Foi a revolta da cidade de Princesa, atual Princesa Isabel, liderada por José Pereira,
chefe político do município, que congregou a oposição parai- bana ao governo de João
Pessoa e contou com o apoio do Catete. Antes e depois das eleições, o governo federal
hostilizou abertamente os estados de Minas e da Paraíba.
A Revolução de 1930
As eleições de 1º de março de 1930, realizadas no estilo tradicional da República
Velha, deram afinal a vitória a Júlio Prestes, como já era esperado. Além de vencer por
grande diferença nos estados situacionistas, o candidato oficial obteve 50 mil votos em
Minas e a terça parte da votação na Paraíba. A fraude, praxe na época, dominou o pleito
de parte a parte. De outra forma seria impossível explicar o fabuloso resultado obtido
por Vargas em seu estado com 298 mil votos contra apenas 982 dados a seu
concorrente. Mesmo assim, Júlio Prestes chegou a cerca de um milhão e cem mil votos,
contra 737 mil dados a Vargas. Pelo Bloco Operário e Camponês, organização
patrocinada pelo pequeno PCB, fundado em 1922, concorreu o operário Minervino de
Oliveira com uma votação ínfima.
Em 11 de março, antes de voltar a Porto Alegre para reassumir o governo
estadual, Vargas telegrafou a Osvaldo Aranha, considerando “quixotesca” a continuação
da luta. Em 19 de março, Borges de Medeiros, em entrevista publicada pelo jornal A
Noite, reconheceu enfaticamente a vitória de Júlio Prestes, dando por encerrada a
campanha da oposição e a FUG. A entrevista provocou forte reação de Osvaldo Aranha,
João Neves e Flores da Cunha contra o que consideraram uma completa capitulação.
Borges viu-se forçado a retificar suas declarações para evitar a ameaça de cisão no PRR.
Em fins de março, admitiu o prosseguimento da luta pela ação parlamentar e a pregação
doutrinária.
Nesse ínterim, Virgílio de Melo Franco e João Batista Luzardo, dirigente do PL,
conseguiram articular um entendimento com Epitácio Pessoa e Antônio Carlos em favor
da alternativa revolucionária. Luzardo foi autorizado por Antônio Carlos a declarar aos
chefes políticos gaúchos que Minas aceitaria a solução sediciosa, caso o Rio Grande do
Sul a adotasse. Epitácio Pessoa concordou com a fórmula, comprometendo-se a
consultar João Pessoa, a quem caberia a última palavra sobre a Paraíba. No final de
março, após ser informado sobre esses contatos, Vargas concordou com a preparação do
movimento armado, deixando a Osvaldo Aranha a responsabilidade de sua coordenação.
Aranha acelerou a conspiração reativando seus contatos com os tenentes. No
início de abril, a participação dos tenentes na revolução ficou definitivamente acertada:
Juarez Távora chefiaria o levante no Norte, João Alberto e outros oficiais ajudariam o
movimento no Sul e Siqueira Campos dirigiria o setor mais difícil — a capital paulista.
Para chefiar o estado-maior revolucionário, dada a desistência de Luís Carlos Prestes, os
gaúchos escolheram um oficial de carreira, em vez de um “tenente”. O tenente-coronel
Pedro Aurélio de Góis Monteiro, na época comandante de urna guarnição no Rio
Grande do Sul, foi convidado a assumir o encargo. Na década de 1920, ele combatera
militarmente os “tenentes” da Coluna Prestes.
Também por iniciativa de Aranha foram encomendadas armas à
Tchecoslováquia no valor de 16 mil contos de réis. O Rio Grande do Sul participaria
com metade dessa soma, cabendo a Minas seis mil contos e dois mil à Paraíba. Em
meados de abril, Antônio Carlos e Epitácio Pessoa concordaram com o esquema
proposto para a compra de armas. Francisco Campos viajou então a Porto Alegre para
verificar in loco os preparativos da revolução. Com Vargas e Osvaldo Aranha, ele
acertou o esquema de participação de Minas no levante. A tarefa militar desse estado
seria distrair as tropas federais que nele se encontravam e fechar as próprias fronteiras, a
fim de atrair os contingentes do Exército estacionados em São Paulo.
No final de abril, Vargas aprovou um documento elaborado por João Neves
sobre a orientação da bancada do PRR na legislatura que se iniciaria em maio. Tratava-
se de um memorando de sete itens, sancionado por Borges de Medeiros em sua estância
de Irapuazinho. Conhecido como o Heptálogo de Irapuazinho, o documento estabelecia
como pontos principais a oposição não-sistemática do PRR ao governo federal, a defesa
da plataforma aliancista e a apresentação de projeto de lei de reforma eleitoral, a defesa
dos candidatos aliancistas de Minas e Paraíba não reconhecidos pelas juntas de apuração
eleitoral, a assistência aos governos desses dois estados contra a intervenção federal, o
fornecimento de armas a João Pessoa para a luta contra a Revolta de Princesa e a
recondução de João Neves à liderança da bancada republicana gaúcha na Câmara.
Paim Filho, preocupado com a manutenção do modus vivendi com o governo
federal, não concordou com o Heptálogo. Em carta a Borges, denunciou as intenções
revolucionárias de João Neves, mas omitiu o acordo firmado em dezembro de 1929 com
Washington Luís. Para contornar a dificuldade, Vargas e Borges autorizaram Paim
Filho, eleito senador em março, a defender sua posição pessoal no Congresso.
Em 3 de maio de 1930, o Congresso reiniciou seus trabalhos. O estudo das
eleições presidenciais e da renovação dos mandatos legislativos constituiu sua primeira
tarefa. A maioria governista se serviu, arbitrariamente do processo de reconhecimento
dos candidatos para punir as representações aliancistas de Minas e da Paraíba. A
“degola” atingiu todos os candidatos apoiados por João Pessoa, beneficiando os
partidários de José Pereira. A representação do PRM sofreu um corte de 14 deputados
numa bancada de 37, sendo diplomados em seus lugares candidatos da Concentração
Conservadora. No caso de Minas, diz John Wirth, “o desastre foi agravado pela perda
de todas as presidências de comissões e pela imposição de sanções econômicas
federais”. Sintomaticamente, o Rio Grande do Sul atravessou ileso o expurgo. Em fins
de maio o novo Congresso aprovou os resultados das eleições, declarando Júlio Prestes
presidente eleito.
O arbítrio do reconhecimento dos poderes constituiu-se em mais um fator de
indignação contra Washington Luís, sobretudo em Minas Gerais. Em 27 de maio, a
comissão executiva do PRM convocada por Antônio Carlos aprovou por unanimidade a
Compartilhe com seus amigos: |