que concerne à importação de aço
brasileiro, sem falar das negociações tensas envolvendo o comércio e o sistema de
incentivos ao setor de automóveis.
Voltamos assim, ao ponto de partida: a ausência de uma integração nacional devido às grandes disparidades regionais
e desigualdades sociais continua emperrando o caminho de uma integração regional, sob o
signo de reformas e de con-
solidação da democracia. Chegando tardiamente ao desenvolvimento capitalista, as sociedades latino-americanas não
conseguiram completar o processo de formação de sociedades abertas, pluralistas e democráticas. Passam por fases de
transição sem rumos definidos e sem as transformações estruturais necessárias para a construção das nações modernas.
A maioria da população continua à margem dos processos políticos, incapaz de constituir-se em uma sociedade civil
atuante, como contrapeso
ao Estado centralizador, sempre a reboque do capital financeiro transnacional.
Vislumbramos o Mercosul como um projeto de construção de uma América Latina integrada, não somente por laços
comerciais e financeiros, mas também culturais e políticos, o que levaria à conquista de uma posição de independência
e soberania em suas decisões frente aos outros blocos regionais e aos organismos internacionais.
Um primeiro passo nessa direção seria a regulamentação e o direcionamento dos investimentos externos, a partir
de um plano de desenvolvimento regional em benefícios das populações e não apenas dos conglomerados e corpora-
ções transnacionais atraídos pela redução das tarifas e as facilidades de remessa de lucros e dividendos. A expansão e
relocação de suas fábricas e escritórios de venda em escala global não resulta, necessariamente em melhoria das con-
dições de vida das populações, oneradas por políticas injustificáveis de concessão de incentivos, subsídios e isenções
fiscais-tributárias.
Efetivamente, os fluxos de investimentos externos diretos têm se dirigido preferencialmente para os
países mais ricos, que controlam quase 75% do comércio mundial e das transações financeiras internacionais. O capital
estrangeiro é atraído pelas inúmeras vantagens concedidas pelos governos dos países “emergentes”, sob a forma de
infraestrutura de comunicação, energia e transportes baratos e pelos baixos salários resultantes de uma política perversa
de terceirização e precarização das relações de trabalho.
Além de enfraquecer
os governos internamente, na possibilidade de justificar, à luz de todas as evidências políticas
que objetivamente resultam em espoliação da riqueza nacional e na pauperização das populações, trabalhadores e
classe média, diminui paulatinamente a capacidade de resistir às pressões das corporações transnacionais que buscam
vantagens e privilégios inéditos e onerosos. Fica cada vez mais difícil implantar uma política
industrial criteriosa e
seletiva, que admita investimentos externos exclusivamente em setores produtivos (e não especulativos), de preferên-
cia em
joint-ventures (e não eliminando empresas nacionais) e orientadas totalmente à exportação (em vez de fazer
concorrência às empresas nacionais).
Ademais, a alienação, através de um processo de privatizações espúrias das empresas de infraestrutura nacionais,
em vez de constituir-se em uma “isca” para atrair capitais produtivos, não
tem aliviado, mesmo temporariamente, as
contas externas e internas, fato amplamente demonstrado pela desvalorização da moeda nacional e pela persistência
do déficit fiscal, acima do nível acordado com o FMI.
Ao seguir nesta trilha, o projeto de integração regional evidencia seus limites de forma cada vez mais insofismável.
Os parceiros que prosperaram no período de bonança, pouca inclinação e interesse demonstram de cerrar fileiras e
enfrentar juntos a nova conjuntura. Carecendo de uma política
de longo prazo, fixando metas que possam mobilizar
a identificação e o apoio da população, os governos não enxergam além de medidas casuísticas, que os deixam mais
vulneráveis diante das pressões das corporações cada vez mais impertinentes com a provável aprovação do AMI –
Acordo Multilateral sobre os Investimentos, em discussão
na OCDE e OMC, e à espera da próxima investida dos
Estados Unidos para a incorporação do Mercosul no seio da Alca – Associação de Livre-Comércio das Américas, se-
lando definitivamente os anseios para um desenvolvimento autônomo e independente, mas irmanados em seu destino
comum, dos povos latino-americanos.
Fonte: RATTNER, Henrique.
Mercosul e Alca: o futuro incerto dos países sul-americanos. São Paulo: Edusp, 2002. p. 81-84.
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