TRABALHANDO COM GÊNEROS TEXTUAIS
Leia com atenção o poema abaixo. A seguir, responda às questões.
Eu, etiqueta
Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade, e fazem
de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim-mesmo,
ser pensante, sentinte e solitário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo,
tiro glória de minha anulação. [...]
ANDRADE, Carlos Drummond de.
Corpo. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 85-86.
Vicente Mendonça
a.
Identifique o aspecto de nossa sociedade que está sendo criticado no poema.
b.
Indique ao menos três elementos ou situações do cotidiano mencionadas no poema que
caracterizam a sociedade de consumo.
c.
Com os colegas e o professor, reflita sobre o conteúdo de cada trecho do poema, estabelecendo
relações com o seu dia a dia.
Arquivo/Estadão Conteúdo
Mineiro da cidade de Itabira, Carlos Drummond de Andrade nasceu em 1902 e faleceu em 1987, no Rio de Janeiro. Considerado
um dos maiores escritores brasileiros do século XX, deixou uma vasta obra, que abrange tanto a prosa quanto a poesia. Em alguns
textos, como no poema apresentado, faz críticas à sociedade contemporânea. Na fotografia, Drummond no Rio de Janeiro em
1985.
Página 168
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