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PREFÁCIO
As artistas desconhecidas do passado
não existem
Delfim Sardo
Em 2004, quando realizou a sua retrospectiva em Lisboa, no Centro
Cultural de Belém, Helena Almeida era uma ausente das instituições
da capital – em termos de exposições individuais – desde 1983, quan-
do tinha sido efectuada uma exposição no recém-inaugurado Centro
de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian.
Como é possível que uma das artistas mais importantes do século
XX português tenha estado vinte e um anos sem que se exercesse um
olhar sobre a sua obra? Em 1997, quando Marina Abramović venceu
o Leão de Ouro da Bienal de Veneza, apresentava em simultâneo uma
exposição intitulada
Spirit House no matadouro das Caldas da Rainha.
Nenhum jornal noticiou o facto, e nenhuma recensão crítica surgiu
em relação àquela exposição de claro teor feminista, a única que podia
ser vista, na Europa, da artista premiada.
Estas desatenções, esta falta de inscrição de que as mulheres ar-
tistas têm vindo a sofrer é uma das mais vexatórias características do
mundo artístico. Escondida por baixo de camadas de discurso ideoló-
gico, a que nos Estados Unidos chamaríamos liberal, a desigualdade
de género na inscrição das artistas na história da arte recente, a desa-
tenção museológica e crítica, ou a guetização em subgrupos têm sido
uma constante no desenvolvimento das carreiras.
De onde vêm esta marca, este desvanecimento público, este traço
histórico que é lavado como se fosse sempre escrito na areia?
Por um lado, é evidente que o modernismo, na complexidade das
suas inúmeras versões, nas suas contradições e na forma como resul-
tou na instalação de novas práticas de vida, de novas tipologias rela-
cionais, trouxe à superfície inúmeras mulheres artistas. Continua a ser
impressionante vermos
O Homem da Máquina de Filmar, o filme de
Dziga Vertov de 1929, e constatarmos a preocupação na representação
da paridade de género no trabalho, no lazer, nas diversas expressões da
vida que o filme constrói. Mas o modernismo serviu também para a
construção de grandes sagas narrativas nas quais a bravata masculina
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