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É necessário ter em conta que, no interior das hierarquias de gé-
neros artísticos, o retrato ocupava um lugar inferior em relação, por
exemplo, à pintura religiosa ou de história. Em 1370, no seu
De Claris
Mulieribus,
Giovanni Boccaccio escreveu sobre mais de 100 mulheres
notáveis da Antiguidade, entre as quais algumas artistas
101
. Apesar de
considerar que a arte era algo alheio à mente de uma mulher e que o
talento necessário para a prática artística era muito raro entre elas, re-
comendou às artistas que se dedicassem sobretudo a retratarem-se a si
próprias e a outras mulheres
102
. A sua recomendação não só remetia as
mulheres para um espaço privado, alheio a um contexto artístico mais
alargado e público, como também as definia enquanto objecto privile-
giado de si próprias. Musas de si mesmas, o espaço da arte no feminino
via assim as suas fronteiras codificadas, reproduzindo os outros limites
sociais e culturais que faziam parte do facto de se ser mulher. Lavinia
Fontana e, sobretudo, Sofonisba Anguissola poderiam ser exemplifi-
cativas desta tendência para o retrato no feminino, tendência esta que
era reforçada, como vimos, pelas próprias encomendas de mecenas no
contexto do coleccionismo pictórico. Interessados em possuírem o seu
retrato pintado por uma mulher ou o auto-retrato da própria artista, os
coleccionadores também favoreciam esta especialização.
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