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Se a vencedora, além de mulher, for negra, então é muito provável
que a suspeita recaia imediatamente sobre as razões do júri. Vejam-se
alguns dos comentários na imprensa à escolha do livro
Trois Femmes
Puissantes, da franco-senegalesa Marie NDiaye, para o prestigiado pré-
mio literário francês Goncourt na edição de 2009.
As questões relacionadas com as discriminações de género (ou
étnicas, ou de orientação sexual) e tudo aquilo que sugira direitos
das mulheres, equilíbrio, paridade ou justiça entre homens e mulhe-
res tornaram-se um alvo fácil de uma certa voz “politicamente incor-
recta” que se posiciona, supostamente, como sendo “contracorrente”.
Não será o medo do politicamente correcto, pelo contrário, uma outra
forma de revelar o temor daquilo que veio questionar as normas do
poder instituído? Ou mesmo a persistência de uma condescendência
e desprezo em relação às capacidades, direitos, criatividade, qualidade
daqueles que antes não tinham (ou tinham menos) acesso à palavra,
ao espaço público e ao poder
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? Não será que “transgredir” as nor-
mas passa muito mais por criticar as discriminações de género, étnicas
ou de orientação sexual do que por endossá-las? Tudo isto tem sido
estudado, e demonstrado, por estudos nas áreas das ciências sociais e
humanas. Mas a passagem deste conhecimento para a opinião pública
é muito mais difícil. Consideramos ser essa a principal diferença entre
Portugal e outros países. Estas discriminações, obviamente, não acon-
tecem só em Portugal, fazendo parte de todas as zonas do mundo con-
sideradas democratas, paritárias e desenvolvidas. A principal diferença
é que, noutros países, existe uma opinião pública (e não apenas uma
classe académica) feita de mulheres e de homens mais conscientes da
importância de se lutar contra preconceitos de género, etnia ou orien-
tação sexual, por exemplo.
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