227
Uma rápida passagem pela história da arte portuguesa dos últi-
mos 60 anos, nas suas exposições retrospectivas e publicações, sugere-
-nos como as mulheres artistas foram alvo daquela discriminação in-
visível que é característica de um período em que já não se podem
identificar os obstáculos mais óbvios. Perguntar-nos-íamos mesmo se
o facto de outras mulheres artistas na segunda metade do século XX,
como Helena Almeida, Ana Hatherly, Lourdes de Castro, Ana Vieira,
ou Luisa Correia Pereira, só terem sido “descobertas” (para o grande
público, para as retrospectivas, para as bienais) décadas depois de esta-
rem a trabalhar não estará também relacionado com o facto de serem
mulheres? A propósito da exposição antológica da Helena Almeida
na Casa da América (Madrid, 1998), comissariada por Isabel Carlos,
Rosa Cunha considera-a “uma das mais importantes artistas portu-
guesas do pós-guerra. Insuficientemente conhecida, praticamente
não estudada nem referida em termos internacionais, constitui um
caso único de originalidade e individualidade nos caminhos da con-
temporaneidade portuguesa”
305
. Do mesmo modo, João Pinharanda,
num artigo sobre uma exposição antológica de Ana Vieira em 1999, na
Fundação de Serralves, reconhece como a artista tem “30 anos de um
percurso fundamental, embora pouco conhecido”
306
. O texto sobre a
retrospectiva da obra de Luisa Correia Pereira (1945-2009), organiza-
da na Culturgest, também nota como a artista “produziu, ao longo de
quase quatro décadas, uma obra de pintura e de desenho idiossincráti-
ca, com notáveis fulgurações, mas que uma grande parte do mundo da
arte desconhece ou à qual permanece indiferente”
307
. Apesar de isto
nunca ser dito, não estará o facto de elas terem sido reconhecidas mui-
to tempo depois de terem começado a trabalhar também relacionado
com o facto de a história e a crítica da arte portuguesas nos anos 80 e
90 terem sido narradas sobretudo no masculino (os anos 80, por ve-
zes, são enunciados somente com artistas masculinos)? Não estariam
305.
Rosa Cunha, “Casa da América. Helena Almeida”,
Arte Ibérica, n.º 11
(Fevereiro de 1998), p. 12; ver também, por exemplo, o catálogo
de uma
exposição de Helena Almeida organizada por Delfim Sardo no Centro Cultural
de Belém:
Helena Almeida – Pés no Chão, Cabeça no Céu (Lisboa: Centro Cultural
de Belém, 2003).
Compartilhe com seus amigos: