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zador era, por definição, o homem branco europeu civilizado, e a terra
colonizada, o lugar virgem, selvagem, por controlar e civilizar, cujas
descrições textuais pareciam, tantas vezes, metáforas de um corpo fe-
minino à espera de ser conquistado e penetrado?
Na mesma altura em que as mulheres seminuas e de pele casta-
nha-escura chegavam à Europa através das telas de Gauguin, das lito-
grafias dos jornais ilustrados ou das fotografias onde tantas vezes se
cruzavam as fronteiras entre antropologia e pornografia, mulheres re-
ais e verdadeiras, também seminuas, vinham ocupar outros espaços de
visualidade moderna nos centros das grandes urbes europeias e norte-
-americanas
282
. Pensamos nos jardins de aclimatação e nos jardins zo-
ológicos que, ao longo do século XIX e ainda nas primeiras décadas
do século XX, receberam com regularidade grupos de pessoas prove-
nientes de lugares do mundo que, quase sempre, eram também lugares
colonizados pela Europa que os exibia. Este fenómeno que tem sido
trabalhado pelos estudos coloniais, ou pelas abordagens da cultura vi-
sual e da antropologia, e que é muitas vezes identificado com a desig-
nação de “zoos humanos”, sugere até que ponto a visualidade moderna
e as novas práticas culturais e de lazer disponíveis nas grandes cidades
europeias faziam uso dessa dicotomia entre “nós” e os “outros”, os já
colonizados ou passíveis de o serem.
Assim, em finais do século XIX, o público europeu podia ver
mulheres desnudas não-europeias e não-brancas em espaços bem pú-
blicos, e não somente nas paredes dos museus ou
salons. Até então,
as fronteiras entre as diferentes esferas estavam mais definidas – era
clara a diferença entre um nu de Botticelli ou de uma estátua grega e
as representações em gravura do nu erótico feminino que circulavam
entre homens de classes altas, oculto e invisibilizado do espaço pú-
blico ou do olhar das mulheres do seu meio social. Mas as desigual-
dades e as assimetrias de poder indissociáveis das relações coloniais
vieram colocar o corpo da mulher não-ocidental num outro lugar, de
fronteiras mais indefinidas e numa visibilidade mais legítima. Aquele
282.
Filipa
Lowndes Vicente, recensão
ao livro de Nicolas Bancel, Pascal
Blanchard, Gilles Boetsch, Éric Deroo e Sandrine Lemaire, eds.,
Zoos Humains:
De la Vénus Hottentote aux
reality shows (Paris: Éditions La Découverte, 2002):
“Zoos Humanos”,
Estudos do Século XX, n.º 3 (2003), pp. 389-395. Ver catálogo
da exposição recente no Musée du Quai Branly:
Human Zoo. The Invention of the
Sauvage
, ed. Pascal Blanchard, Gilles Baëtsch e Nanette Jacomiyn Snoep (Paris:
Actes Sud; Musée du Quai Branly, 2011).
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