A A RTE S E M H I STÓ R I A
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sobre as colecções privadas de arte na cidade de Londres e nos seus
arredores, enquanto, em 1845, publica as
Memoirs of the Early Italian
Painters e, uns anos mais tarde, apresenta aquele que será um dos
seus livros mais conhecidos,
Sacred and Legendary Art, onde mistura
as esferas da história, literatura, devoção e arte
240
. Marguerita Albana
Mignaty (1821-1887), autora de um livro sobre o pintor Correggio
que foi publicado em várias línguas, grega de nascimento, criada
na Índia (Madrasta) e sediada em Florença na idade adulta, é mais
um dos muitos outros exemplos de mulheres que, no século XIX,
escrevem sobre arte e sobre literatura fora das grandes metrópoles
europeias (mesmo que, muitas vezes, publicassem em Londres ou
Paris)
241
. Além daquelas que escreviam especificamente sobre arte,
havia cada vez mais mulheres a publicar livros de viagem onde a
arte e as novas formas de cultura visual ocupavam um lugar central.
Como também havia já em Oitocentos, muitas mulheres, viajantes
ou não, a praticar a fotografia ou a escrever sobre ela
242
.
No entanto, o acesso a esta visualidade crescente do século XIX
está sempre condicionado pelo facto de serem mulheres, até porque,
ao serem elas próprias objecto de observação, sabem que o seu olhar
será sempre devolvido. Isto sucedia sobretudo se transgredissem as
normas do comportamento social feminino e frequentassem sozi-
nhas as ruas da cidade ou os seus espaços públicos. Uma mulher so-
litária, a olhar para um quadro, para uma vitrina ou, simplesmente,
para o movimento das ruas da cidade, estava sempre mais sujeita a
ser ela própria objecto de observação. Estava exposta aos olhares
240.
Anna Jameson,
Memoirs of the Early Italian Painters: From Cimabue
to Bassano
(Londres: Charles Knight & Co., 1845); Anna Jameson,
Sacred and
Legendary Art
, vol. I (Londres: Longman, Brown, Green and Longmans, 1848);
Bessie Rayner Parkes,
Vignettes: Twelve biographical sketches (Londres
e Nova
Iorque: Alexander Strahan, 1866) [um dos capítulos é sobre a Anna Jameson];
Judith Johnston,
Anna Jameson. Victorian, feminist, woman of letters (Aldershot: Scolar
Press, 1997).
241.
Marguerite Albana Mignaty,
Le Corrège, Sa Vie et Son Oeuvre. Avec
une introduction sur le développement de la culture italienne et sur le génie de la
Renaissance
(Paris: Fischbacher, 1881).
242.
Sobre a relação entre as mulheres e a prática fotográfica ou a escrita
sobre
fotografia, ver: Peter E. Palmquist, ed.,
Camera Fiends & Kodak Girls: 50
selections by and about women in photography, 1840-1930
(Nova Iorque: Midmarch
Arts Press, 1989); Peter E. Palmquist, ed.,
Camera Fiends & Kodak Girls II: 60
selections by and about women in photography, 1855-1965
(Nova Iorque: Midmarch
Arts Press, 1995); Liz Heron e Val Williams, eds.,
Illuminations. Women writing on
photography from the 1850s to the present
(Durham: Duke University Press, 1996).
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inquisitivos masculinos que, apreciando o seu vestuário e a sua pos-
tura, procurariam classificá-la de acordo com as divisões sociais e
morais da época. Ou seja, lutar por aceder a uma visualidade e a uma
visibilidade equivalentes à masculina podia ter o efeito de chamar
ainda mais a atenção dos olhares sobre si própria e, assim, subverter
o próprio processo de liberalização.
Os diários de Bashkirtseff, publicados com grande sucesso pou-
co depois da sua morte prematura com 25 anos, além de testemu-
nharem o dia-a-dia de uma estudante de Belas-Artes na Academia
Julian, ilustram bem as contradições e os paradoxos de se ser uma
mulher estudante de arte na Paris da segunda metade do século XIX.
A jovem aspirante a artista considerava essencial para a sua própria
formação o poder usufruir da cidade onde estudava, o poder ser
flâ-
neuse e absorver as múltiplas possibilidades visuais parisienses que
também começavam a estar representadas num número crescente
de obras de arte. Mas, como ela própria admite num tom de lamen-
to em 1879, o ser mulher, e, sobretudo, o ser mulher de uma classe
social elevada, fazia com que a cidade não pudesse ser sua. E o ser
artista, na sua plenitude, exigia o acesso a esta liberdade:
Aquilo que eu desejaria era a liberdade de andar por aí sozinha, de ir e vir,
de me sentar nos bancos das Tuileries, e especialmente no Luxembourg,
de poder parar e olhar para as lojas de materiais artísticos, de entrar
em igrejas ou museus, de andar pelas velhas ruas à noite; é isto que eu
anseio; e esta é a liberdade sem a qual uma pessoa não se pode tornar num
verdadeiro artista. Achas que eu consigo usufruir daquilo que vejo, sempre
acompanhada como sou, e quando, para ir ao Louvre, tenho que esperar
pela minha carruagem, pela minha dama de companhia, ou pela minha
família? (…)
O cérebro está atulhado por estes obstáculos estúpidos e deprimentes;
mesmo que eu me conseguisse tornar feia através de algum tipo de disfarce,
ainda permaneceria semilivre, porque uma mulher que ande a passear
sozinha comete uma imprudência. (…) Esta é uma das principais razões
por que não há mulheres artistas. Oh, profunda ignorância! Oh, rotina
cruel! Mas de que serve falar?
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