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“antifeminista”, Antero de Figueiredo começa a delinear aquele que
deve ser o comportamento ideal de uma mulher. Uma vez asseguradas
a beleza e a higiene do corpo e da casa, o escritor estabelece o tipo de
conhecimento artístico que uma mulher deve ter e fá-lo, antes de mais,
estabelecendo os seus limites. No seu retrato não há lugar para a “ar-
tista”, mas sim para a “mulher do artista”
216
. Essa deve “saber acompa-
nhar, espiritualmente interessada, os anseios do marido. Um silêncio
inteligente, uma aquiescência discreta é, na maioria dos casos, a sufi-
ciente colaboração, exigida pelo compositor, que todo vive no sonho
da arte”. Perante a mesma obra de arte, mulheres e homens vêem coi-
sas diversas – enquanto “o homem transforma as imagens em ideias”,
a “mulher despreza temas, pois só plasticamente a arte a interessa”. As-
sim, “instruamo-la de maneira suficiente”, advoga o escritor, num “sa-
ber curto, mas certo”. Com estas bases e o seu “instinto” e “emoção”, a
mulher tudo apreenderá, e, como que para a familiarizar no mundo da
arte, Antero de Figueiredo enuncia uma sucessão de nomes de artistas
e estilos e termina afirmando que “esta instrução artística é mais que
suficiente para a mulher”
217
. Além dos repetidos objectivos de saber
entreter o marido, ou “receber com distinção o hóspede estrangeiro”,
a educação artística na mulher servia sobretudo para que esta não en-
chesse a casa de objectos de má qualidade e gosto duvidoso, para que
soubesse distinguir o verdadeiro do falso
218
. Este tipo de antinomia
que associa à mulher a emoção e ao homem a razão foi repetido ao
longo do século XIX, muitas vezes acompanhado com a chancela legi-
timadora da ciência. A proliferação da imprensa durante este período
fez com que fossem infindáveis os textos – publicados em jornais, em
revistas científicas ou sob outros formatos – que afirmavam esta dife-
rença, muitas vezes para justificar a impossibilidade de as mulheres
acederem aos espaços onde imperava a razão, da prática artística ou da
escrita, ao exercício da política, ou qualquer outro uso de um poder de
decisão para lá do âmbito doméstico.
Em 1884, o historiador da arte britânico Leader Scott também
estabelecera uma clara divisão entre as relações femininas com a arte
e as equivalentes masculinas, chegando a conclusões semelhantes
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