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Se, no século XIX, Camille Claudel ainda viu coarctadas as suas
ambições de frequentar a École des Beaux-Arts em Paris, mais tarde
os obstáculos são outros, menos evidentes mas igualmente pode-
rosos: não aqueles que dependem do exterior, das solicitações do
mercado artístico, das possibilidades educacionais, da crítica ou da
história da arte, mas sim aqueles que são inerentes à própria vida
afectiva e social do casal de artistas. Estas hierarquias mais ou me-
nos explícitas podiam advir das complexidades da relação entre o
casal – da gestão dos egos à gestão de um quotidiano doméstico
onde nem sempre há espaço para que ambos se dediquem plena-
mente às exigências do trabalho artístico. O caso de Sarah Affonso
e de Almada Negreiros é paradigmático da complexidade de razões
que podem levar uma mulher a abandonar a sua prática artística
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Muitas vezes, não são apenas as exigências domésticas ou familiares,
ou os problemas que isso poderia criar na relação de casal, mas sim
um conjunto de razões, pequenas até, mas que podem tornar mais
difícil o quotidiano indisciplinado das profissões criativas, até as im-
possibilitarem. Na sua reflexão sobre as razões que a levaram a deixar
de pintar, Sarah Affonso parece tornar literal o sentido que Virginia
Woolf dera ao seu ensaio
Um Quarto Que Seja Seu.
Uma das razões por que deixei de pintar foi porque não tinha condições,
não tinha um quarto para mim. Aqui trabalhava o José [Almada
Negreiros], e o José escondia-me tudo. Dizia que não podia ver coisas
que não fossem dele. Não era por mal que fazia isso, eram infantilidades,
e eu dizia-lhe: “Quando vim viver contigo, foi para viver bem. É mais
fácil viver mal do que viver bem. Mas eu decidi a minha vida assim, não
quero viver mal contigo.”
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