A A RTE S E M H I STÓ R I A
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e senhoras, que conhecia bem as dificuldades que estas sentiam nos
seus percursos
175
. Se já havia muitos lugares onde as mulheres po-
diam receber uma educação artística, até como resposta a uma procu-
ra crescente, estes eram sempre espaços mais alternativos e informais
e, provavelmente, menos exigentes. Sobretudo, tinham muito menos
prestígio do que a École des Beaux-Arts. A
Union cresceu rapidamen-
te, passando das 41 fundadoras em 1881 para 450 associadas em 1896,
ano em que as primeiras mulheres foram admitidas parcialmente na
École des Beaux-Arts. Os objectivos iniciais eram claros e respondiam
a problemas muito específicos, precisamente aqueles que tinham leva-
do à criação da
Union como espaço alternativo: oferecer todo o tipo de
apoio àquelas artistas que estivessem nas fases iniciais das suas carrei-
ras; representar os interesses das mulheres no contexto mais generali-
zado do mundo artístico parisiense; e organizar um
Salon des Femmes
onde as mulheres pudessem expor os seus trabalhos. Além disso, a as-
sociação criou o
Journal des Femmes Artistes para que toda esta linha de
acção e de pensamento pudesse chegar a um público mais vasto.
Foi precisamente na definição das regras da exposição anual – o
Salon des Femmes – que se sentiram alguns dos problemas que se co-
locavam às mulheres artistas quando estas se autonomizavam, proble-
mas estes que se continuariam a fazer sentir um século depois quando,
no contexto dos movimentos artísticos feministas nos anos 1970, se
voltaram a debater as consequências de expor apenas mulheres. As-
sim, o primeiro
Salon des Femmes distinguiu-se pelos seus critérios
de abertura e igualdade, num claro contraste com os múltiplos crité-
rios de selecção que presidiam aos
Salons tradicionais dos Champs-
-Elysées. Se estes assumiam as suas hierarquias atribuindo os melhores
espaços de exposição aos artistas mais consagrados e aos membros do
júri, o seu equivalente feminino procurava que todas as participantes
tivessem as mesmas condições de visibilidade, optando por dividir os
vários trabalhos de cada artista por espaços diferentes. De igual modo,
a exposição de mulheres artistas era aberta a todas as artes e não ape-
nas à pintura e à escultura. Mas o critério mais controverso, também
em contraste com o
Salon tradicional, era que qualquer membro da
175.
Barbara Casavecchia, “Senza nome. La difficile
ascesa della donna
artista”, Antonello Negri, ed.,
Arte e Artisti nella Modernità (Milão: Jaca Book, 2000),
pp. 83-108, p. 102.
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Union tinha direito a expor o seu trabalho sem passar por nenhum
tipo de crivo. Este modelo, que algumas defendiam precisamente pe-
los valores de solidariedade artística que deveria marcar a causa das
mulheres, cedo demonstrou os seus pontos fracos. E o mais evidente
era aquele que podia ser usado para confirmar um dos mais persisten-
tes preconceitos em relação às mulheres artistas: aquele que as definia
como amadoras. As muitas artistas que se manifestaram contra um
critério de selecção onde não existiam exclusões também demonstra-
ram como as mulheres, tal como os homens, se podiam mover por
valores de individualismo e ambição, prestígio e diferenciação.
A facção das sócias da
Union que defendia o sistema de selecção
foi encabeçada pela jovem pintora Mme Virginie Demont-Breton, que
acabou por suceder à fundadora na presidência da instituição
176
. Dez
anos após a criação da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, o
cariz utópico que presidira à fundação já tivera de se adaptar às regras
do mercado artístico onde as formas de exclusão eram consideradas
essenciais para valorizar aqueles que eram incluídos. Ambas as facções
tinham em vista o mesmo objectivo final – a dignificação e a igualda-
de de oportunidades para as mulheres artistas –, mas os modos de o
alcançar podiam ser muito diversos. Outras mulheres artistas, como a
americana Mary Cassatt ou a francesa Berthe Morisot, desenvolviam
os seus percursos alheias a estas questões, e outras ainda participa-
vam quer nos espaços destinados a mulheres, quer em lugares como o
Salon. Assim, se as imagens mais prevalecentes da “mulher artista” no sé-
culo XIX tendiam a defini-la em categorias rígidas, as posições e os per-
cursos das próprias artistas demonstram-nos como neste período elas
também se caracterizavam pela sua diversidade. Reflectiam, no fundo,
a construção de um mundo artístico cada vez mais complexo e variado,
onde se multiplicavam os lugares e os processos de venda, de exposição
e de escrita, mas também os estilos, as escolas e os movimentos.
Na Grã-Bretanha, algumas décadas antes, dá-se um fenómeno se-
melhante. A
Society of Female Artists, fundada em 1856-1857 – um es-
paço de exposição e, mais tarde, também um lugar de aprendizagem –,
176.
O pintor português José Veloso Salgado fez
um retrato de Mme Virginie
Demont-Breton, pois era amigo do casal. Neste retrato, a pintora é
representada
com os instrumentos do seu ofício, os pincéis e a paleta de tinta. Ver
Veloso
Salgado, 1864-1945
, ed. de Rui Afonso dos Santos
e Cristina Azevedo Tavares
(Lisboa: Instituto Português
de Museus, 1999), Catálogo de Exposição.
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