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que à existência de um maior número de mulheres artistas profissio-
nais, como aconteceu no período pós-revolucionário em França, não
equivale necessariamente uma maior abertura das instituições artísti-
cas. Ao avanço cronológico não corresponde forçosamente uma maior
e melhor recepção à produção artística feminina, ou seja, não é por
progredirmos nos séculos que os obstáculos à identificação entre mu-
lher e artista vão diminuindo. Esta história é feita de contradições e de
inconsistências ou, para usar a linguagem do progresso histórico, de
avanços e recuos em relação a períodos anteriores. Se o carácter excep-
cional das mulheres artistas não ameaçava necessariamente as insti-
tuições artísticas, quando os números e a visibilidade de mulheres ar-
tistas começaram a aumentar consideravelmente, algumas instituições
acentuadamente masculinas sentiram a necessidade de regulamentar
a sua identidade. Muitas vezes, a uma maior normatização pode equi-
valer uma maior limitação às liberdades individuais, e é neste contexto
que devemos ler os casos de instituições que, no século XVIII, permi-
tiam
a entrada de mulheres, proibindo-a no século XIX.
Esta tendência para que as mulheres artistas deixassem de ser
uma excepção levará a um fechamento das instituições à incorpo-
ração das mulheres
151
. Isto dá-se, sobretudo, nas instituições mais
prestigiadas e mais visíveis, e não será por acaso, pois são estas que
mais necessidade sentem de constituir uma auto-regulamentação que
as defina enquanto elite, uma elite que se veria desprestigiada com a
presença de mulheres. Isso explicaria por que é que, ao contrário da
academia parisiense, as academias de cidades secundárias francesas,
menos prestigiadas, revelavam uma maior abertura ao sexo femini-
no, como acontecia, por exemplo, com a Academia de Toulouse que,
na segunda metade do século XVIII, tinha entre os seus estudan-
tes 111 mulheres
152
. Um fenómeno paralelo teve lugar em Portugal
onde, por exemplo, a Irmandade de S. Lucas tinha algumas mulheres
pelo Governo napoleónico e desenvolveu uma brilhante carreira até ao
momento em que o marido se tornou conselheiro de Estado, e ela, com
enorme
tristeza, viu-se obrigada a abandonar a sua profissão, por não ser considerado
socialmente apropriado que continuasse a expor publicamente: Ann Sutherland
Harris
e Linda Nochlin,
Women Artists: 1550-1950, p. 50.
151.
Juliette Rennes, “La République face à l’accès des femmes à la
méritocratie: enjeux et controverses (France 1880-1940)”, Delphine Naudier
e Brigitte Rollet, eds.,
Genre et Légitimité Culturelle. Quelle reconnaissance pour les
femmes?
(Paris: L’Harmattan, 2007), pp. 57-73.
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