O Mito do Jardim do Éden
Todas estas três histórias desafiam o mito da inferioridade feminina em relação ao homem. Em “O Filho da Cozinha”, a cozinheira acaba por se superiorizar ao conde; em “Nossa Senhora do Massacre”, Sal tem aquele momento final de revolta em relação ao ministro e à mulher deste e Lizzie Borden, de “Os Assassínios de Fall River”, mata o pai (e a madrasta), conseguindo a sua libertação com isso.
O mito do Jardim do Éden também está presente em duas destas histórias, se calhar nas três. Em “Os Assassínios de Fall River” o Paraíso, como estado inicial, é representado pelas pereiras que, como disse atrás, seriam a única coisa “a cores” em todo o “filme”. Mas lembremo-nos de que a autora é Angela Carter e as pereiras são regadas com a urina do Velho Borden...
Em “Nossa Senhora do Massacre” o Paraíso prometido pela “mãe” do Lancashire verifica-se realmente na Virgínia, mas é logo manchado de sangue e morte. Há aqui um elemento de Realismo Mágico, pois a velha diz-lhe, no início da narrativa que “Que as estrelas que consultara em nome da sua filha querida, como gostava de me chamar, lhe garantiam que eu iria numa longa viagem sobre o Oceano para o Novo Mundo” e, mais adiante: “os mortos irão erguer-se dos seus esquifes e irão para o Céu aqueles que o merecerem e o meu querido menino sentar-se-á sorridente acima de tudo com uma coroa dourada na cabeça.” Como veremos, a coroa, não será dourada, e sim de espinhos. O Jardim do Éden vai-se degradando e, no fim da história, o rio que corre na Babilónia já é de sangue.
Em “O Filho da Cozinha” o Jardim do Éden é, pois então, a cozinha, “aquele lugar guloso que, se não me fez, fez com que eu fosse feito.” É na cozinha que o narrador passa toda a sua inocência “quente e afastado do perigo, acalmado pelos deliciosos odores e sons apetitosos da preparação dos alimentos” e, nas palavras do narrador “arrulhei a infância por cima da cozinha, como se fosse a sua divindade, lá no alto, no meu minúsculo santuário”.
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