O Reino do Inimaginável
O espaço privado é penetrado, invadido (“Era um homem violado.”), sabotado, destruído, não pela tecnologia, como, por exemplo em “O Silêncio dos Inocentes”, mas pela narrativa de Angela Carter, que nos vai mostrando o que interessa mostrar e ocultando o que interessa ocultar.
O “Reino do Inimaginável” (“The Kingdom of the Unimaginable”) é uma expressão de Angela Carter que se pode aplicar, por exemplo, à cave onde Lizzie Borden vai buscar o machado. Uma cave é subterrânea, portanto oculta, misteriosa, inimaginável. Descer à cave funciona como uma descida ao Inferno. É, que nos tenha sido dado a ver, um dos únicos espaços partilhados da casa – os outros são o pombal e a cozinha. É, portanto, aí que está a génese dos crimes.
Uma das características do Romance Gótico que encontramos em “Os Assassínios de Fall River” é a encarceração e até a vigilância a que Lizzie está sujeita. (“É uma casa de privacidades tão seladas, como se tivessem sido seladas com o lacre de um documento legal.”)
As divisões da casa são pouco iluminadas, as paredes lembram as de uma cela; até os cheiros fétidos que se vão sentindo – “carne mal lavada; roupa interior mudada poucas vezes; penicos de quarto; baldes de despejos; retretes mal canalizadas; comida a apodrecer; dentes descuidados; e as ruas não são mais frescas do que o interior das casas, o omnipresente cheiro forte e ativo de mijo e bosta de cavalo, vertedouros, súbito cheiro a morte velha dos açougues, o horror amniótico do peixeiro.” – lembram características dos romances góticos.
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