Poética
Pelas precedentes considerações se manifesta que não é
ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de
representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é
possível segundo a verossimilhança e a necessidade. Com
efeito, não diferem o historiador e o poeta, por
escreverem verso ou prosa (pois que bem poderiam ser
postas em verso as obras de Heródoto, e nem por isso
deixariam de ser história, se fossem em verso o que eram
em prosa), - diferem, sim, em que diz um as coisas que
sucederam, e outro as que poderiam suceder. Por isso a
poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a
história, pois refere aquela principalmente o universal, e
esta o particular. Por “referir-se ao universal” entendo eu
atribuir a um indivíduo de determinada natureza
pensamentos e ações que, por liame de necessidade e
verossimilhança, convêm a tal natureza; e ao universal,
assim entendido, visa a poesia, ainda que dê nomes aos
seus personagens; particular, pelo contrário, é o que fez
Alcibíades ou o que lhe aconteceu.
(Aristóteles, Poética)
Corte na Aldeia
- A minha inclinação em matéria de livros (disse ele), de
todos os que estão presentes é bem conhecida; somente
poderei dar agora de novo a razão dela. Sou
particularmente afeiçoado a livros de história verdadeira,
e, mais que às outras, às do Reino em que vivo e da terra
onde nasci; dos Reis e Príncipes que teve; das mudanças
que nele fez o tempo e a fortuna; das guerras, batalhas e
ocasiões que nele houve; dos homens insignes, que, pelo
discurso dos anos, floresceram; das nobrezas e brasões
que por armas, letras, ou privança se adquiriram. [...]
[...]
- Vós, senhor Doutor (disse Solino) achareis isso nos vossos
cartapácios; mas eu ainda estou contumaz. Primeiramente,
nas histórias a que chamam verdadeiras, cada um mente
segundo lhe convém, ou a quem o informou, ou favoreceu
para mentir; porque se não forem estas tintas, é tudo tão
misturado que não há pano sem nódoa, nem légua sem
mau caminho. No livro fingido contam-se as cousas como
era bem que fossem e não como sucederam, e assim são
mais aperfeiçoadas. Descreve o cavaleiro como era bem
que os houvesse, as damas quão castas, os Reis quão
justos, os amores quão verdadeiros, os extremos quão
grandes, as leis, as cortesias, o trato tão conforme com a
razão. E assim não lereis livro em o qual se não destruam
soberbos, favoreçam humildes, amparem fracos, sirvam
donzelas, se cumpram palavras, guardem juramentos e
satisfaçam boas obras. [...]
Muito festejaram todos o conto, e logo prosseguiu o
Doutor:
- Tão bem fingidas podem ser as histórias que merecem
mais louvor que as verdadeiras; mas há poucas que o
sejam; que a fábula bem escrita (como diz Santo
Ambrósio), ainda que não tenha força de verdade, tem
uma ordem de razão, em que se podem manifestar as
cousas verdadeiras.
(Francisco Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia)
Crônica
(15.03.1877)
Mais dia menos dia, demito-me deste lugar. Um
historiador de quinzena, que passa os dias no fundo de um
gabinete escuro e solitário, que não vai às touradas, às
câmaras, à rua do Ouvidor, um historiador assim é um
puro contador de histórias.
E repare o leitor como a língua portuguesa é engenhosa.
Um contador de histórias é justamente o contrário de
historiador, não sendo um historiador, afinal de contas,
mais do que um contador de histórias. Por que essa
diferença? Simples, leitor, nada mais simples.O historiador
foi inventado por ti, homem culto, letrado, humanista; o
contador de histórias foi inventado pelo povo, que nunca
leu Tito Lívio, e entende que contar o que se passou é só
fantasiar. O certo é que se eu quiser dar uma descrição
verídica da tourada de domingo passado, não poderei,
porque não a vi.
[...]
(Joaquim Maria Machado de Assis, História de Quinze Dias.
In: Crônicas)
No trecho de Corte na Aldeia, focaliza-se uma discussão
sobre dois conceitos - o de história verdadeira, defendido
pela personagem “Doutor”, e o de história fingida (livro
fingido), defendido pela personagem “Solino”. Depois de
reler o trecho atentamente,
a) estabeleça, segundo as noções de cada interlocutor, o
que querem dizer com história verdadeira e história
fingida;
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b) aponte dois adjetivos da fala de Solino cujo significado
comprova o fato de a personagem utilizar, entre outros, o
critério moral para defender seu ponto de vista.
211) (VUNESP-2006)
Alojado há sete meses no topo da
lista dos mais vendidos de Veja, e na verdade um best-
seller mundial, o romance O Código Da Vinci, do americano
Dan Brown, é uma trama envolvente de mistério, um
engenhoso apanhado de enigmas esotéricos e teorias
conspiratórias sobre temas como a Ordem dos Templários
e a natureza do Santo Graal. É acima de tudo, apesar de a
figura dele não aparecer no romance, um sinal do
inesgotável interesse despertado por um homem:
Leonardo da Vinci (1452-1519). Por certo não foi à toa que
Brown resolveu mencionar, já no título de seu romance, o
criador renascentista. Leonardo causou assombro em seu
tempo e continua a fazê-lo até hoje. Há mais de 1 milhão
de páginas na internet dedicadas a esse personagem. A
livraria virtual Amazon tem 9 900 livros sobre da Vinci. Sua
versatilidade era espantosa.
Leonardo foi engenheiro, escritor, cientista, músico,
arquiteto, escultor. Foi o melhor de seu tempo em quase
todos esses campos. Foi o melhor de todos os tempos na
pintura.
(Veja, 27.10.2004.)
O ponto de vista do enunciador de um texto pode ser
avaliado pela natureza dos termos de que se utiliza ao
construí-lo. No fragmento de Veja, por exemplo, os
adjetivos desvelam claramente a posição do enunciador,
com respeito ao tema central nele exposto — a obra de
Dan Brown e a figura de Leonardo da Vinci. A partir dessa
idéia,
a) explicite se o ponto de vista do enunciador é favorável
ou desfavorável, em relação ao tema;
b) destaque três adjetivos, ao longo do texto, que ilustrem
o ponto de vista do enunciador.
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