Pudor (Fragmento)
Certas palavras nos dão a impressão de que voam, ao
saírem da boca. “Sílfide”, por exemplo. É dizer “Sílfide” e
ficar vendo suas evoluções no ar, como as de uma
borboleta. Não tem nada a ver com o que a palavra
significa. “Sílfide”, eu sei, é o feminino de “silfo”, o espírito
do ar, e quer mesmo dizer uma coisa diáfana, leve,
borboleteante. Mas experimente dizer “silfo”. Não voou,
certo? Ao contrário da sua mulher, “silfo” não voa. Tem o
alcance máximo de uma cuspida. “Silfo”, zupt, ploft. A
própria palavra “borboleta” não voa, ou voa mal. Bate as
asas, tenta se manter aérea mas choca-se contra a parede.
Sempre achei que a palavra mais bonita da língua
portuguesa é “sobrancelha”. Esta não voa mas paira no ar,
como a neblina das manhãs até ser desmanchada pelo sol.
Já a terrível palavra “seborréia” escorre pelos cantos da
boca e pinga no tapete. [...]
(VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias para se ler na
escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 69).
Considere as expressões abaixo:
I.
“certas palavras” (linha 1)
II.
“coisa diáfana” (linha 7)
III.
“alcance máximo”
(linha 10)
Invertendo-se, em cada uma delas, a ordem da
palavra destacada, ocorrerá alteração de sentido, apenas
em:
a) I
b) II
c) III
d) I e II
e) I e III
207) (UFPB-2006)
TEXTO I
Amor
AS CORTINAS DA JANELA cerraram-se; Cecília tinha-se
deitado.
Junto da inocente menina, adormecida na isenção de sua
alma pura e virgem, velavam três sentimentos profundos,
palpitavam três corações bem diferentes.
Em Loredano, o aventureiro de baixa extração, esse
sentimento era um desejo ardente, uma sede de gozo,
uma febre que lhe requeimava o sangue; o instinto brutal
dessa natureza vigorosa era ainda aumentado pela
impossibilidade moral que a sua condição criava, pela
barreira que se elevava entre ele, pobre colono, e a filha
de D. Antônio de Mariz, rico fidalgo de solar e brasão.
Para destruir esta barreira e igualar as posições, seria
necessário um acontecimento extraordinário, um fato que
alterasse completamente as leis da sociedade naquele
tempo mais rigorosas do que hoje; era precisa uma dessas
situações à face das quais os indivíduos, qualquer que seja
a sua hierarquia, nobres e párias, nivelam-se; e descem ou
sobem à condição de homens.
O aventureiro compreendia isto; talvez que o seu espírito
italiano já tivesse sondado o alcance dessa idéia; em todo
o caso o que afirmamos é que ele esperava, e esperando
vigiava o seu tesouro com um zelo e uma constância a toda
a prova; os vinte dias que passara no Rio de Janeiro tinham
sido verdadeiro suplício.
Em Álvaro, cavalheiro delicado e cortês, o sentimento era
uma afeição nobre e pura, cheia da graciosa timidez que
perfuma as primeiras flores do coração, e do entusiasmo
cavalheiresco que tanta poesia dava aos amores daquele
tempo de crença e lealdade.
Sentir-se perto de Cecília, vê-la e trocar alguma palavra a
custo balbuciada, corarem ambos sem saberem por quê, e
fugirem desejando encontrar-se, era toda a história desse
afeto inocente, que se entregava descuidosamente ao
futuro, librando-se nas asas da esperança.
Nessa noite Álvaro ia dar um passo que na sua habitual
timidez, ele comparava quase com um pedido formal de
casamento; tinha resolvido fazer a moça aceitar malgrado
seu o mimo que recusara, deitando-o na sua janela;
esperava que encontrando-o no dia seguinte, Cecília lhe
perdoaria o seu ardimento, e conservaria a sua prenda.
Em Peri o sentimento era um culto, espécie de idolatria
fanática, na qual não entrava um só pensamento de
egoísmo; amava Cecília não para sentir um prazer ou ter
uma satisfação, mas para dedicar-se inteiramente a ela,
para cumprir o menor dos seus desejos, para evitar que a
moça tivesse um pensamento que não fosse
imediatamente uma realidade.
Ao contrário dos outros ele não estava ali, nem por um
ciúme inquieto, nem por uma esperança risonha; arrostava
a morte unicamente para ver se Cecília estava contente,
feliz e alegre; se não desejava alguma coisa que ele
adivinharia no seu rosto, e iria buscar nessa mesma noite,
nesse mesmo instante.
Assim o amor se transformava tão completamente nessas
organizações, que apresentava três sentimentos bem
distintos: um era uma loucura, o outro uma paixão, o
último uma religião.
(ALENCAR, José de. O Guarani. São Paulo: FTD, 1999, p. 78-
79)
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