terceira categoria diz respeito a crianças expostas a altos riscos e condições de exploração,
incumbindo-as de serviços que não lhes cabem. A quarta categoria é a prostituição infantil,
no qual crianças são sequestradas ou compradas e obrigadas a ingressar no mercado do sexo.
A quinta implica no transporte e comércio de seres humanos, em sua maioria mulheres e
crianças, em prol do lucro. Na sexta categoria, são elencados casos de matrimônios forçados,
em que mulheres e jovens são obrigadas a casarem-se sem possibilidade de escolha de seus
cônjuges. Por último, a sétima categoria, temos a escravidão tradicional, em que a pessoa é
tratada como propriedade e, por isso, pode ser comprada e/ou vendida.
Enfim, percebe-se que há uma diferença considerável do trabalho escravo em distintas
épocas. O fato de a escravidão ter sido abolida em 1888 e, mesmo assim, termos esse tipo de
trabalho, enfatiza a prática deste crime ainda permanecer impune. Segundo a Global Slavery
Index (2018), cerca de 24 milhões de pessoas são forçadas a viver em regime de escravidão,
em todo o mundo. Além disso, há uma comparação feita pela OIT que alega que a escravidão
contemporânea gera lucros de mais de 32 bilhões de dólares para senhores de escravos, “mais
do que toda a produção da Islândia, Nicarágua, Ruanda, e Mongólia combinados e não é
apenas um problema em países pobres e distantes; um pouco menos da metade, cerca de $15,5
bilhões, é feito em países ricos industrializados” (OIT, 2014).
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A escravidão contemporânea, segundo Crane (2013), foi gradualmente transformada e
incorporada como prática de gestão. Ao avaliar as relações de trabalho sub-humanas pelo
angulo administrativo, observa-se que as empresas utilizam de práticas ilegítimas para
minimizar seus custos sem considerar os impactos que tais atividades empresariais geram nas
periferias do capitalismo. Para este autor, a ausência de entendimento sobre responsabilidade
social com o sistema produtivo, associada a uma realidade de pobreza, sustenta os trabalhos
periféricos que produzem uma vasta gama de produtos, mantendo a escravidão como parte
necessária para crescimento da economia mundial.
Ainda que, segundo Quirk (2006), não exista uma definição universal comum,
principalmente no que tange ao campo legal, sobre o entendimento do que é a escravidão
contemporânea, existem características e práticas comuns que devem ser tratadas e
acompanhadas como ações não apenas ilegais, mas criminosas.
A diferença entre ilegalidade e crime é necessária, pois qualifica a gravidade do ato
humano, uma vez que todo crime parte de alguma ação que pode ser uma ilegalidade ou uma
legalidade passível de punição. Sendo assim, legalidade diz respeito a um atributo jurídico de
um ato de qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, que indica se é ou não contrário à lei, ou
seja, se está inserido ou não no que é permitido pelo sistema jurídico. Desse modo, se o
atributo for positivo, o ato é legal, e, do contrário, é ilegal. Crime, nos termos jurídicos, é o
ato mais grave entre os tipos de infração. “Pimentel (1990, p.96) diz que o conceito forma
caracteriza o crime como sendo todo ato ou fato que a lei proíbe sobre ameaça de uma pena;
conceituando-o como o fato ao qual a ordem jurídica associa a pena como legítima
consequência.” Crime é qualquer ação legalmente punível, é toda ação ou omissão proibida
pela lei sob ameaça de pena. Os crimes podem ser contra a pessoa, contra a honra, o
patrimônio, a administração pública, a dignidade sexual, a incolumidade pública, o patrimônio
histórico e de caráter econômico.
Para Capez (2010), no que tange à escravidão, o crime de redução à condição análoga
à de escravo consiste na submissão total, absoluta, de uma pessoa a outra. De acordo com o
artigo 149 do Código Penal Brasileiro, o crime está dividido em quatro situações:
cerceamento de liberdade de se desligar do serviço, servidão por dívida, condições
degradantes de trabalho e jornada exaustiva, que são características da escravidão
contemporânea ainda existente. Condições degradantes de trabalho ferem não apenas a
liberdade, mas também a dignidade humana, transformando a mão de obra humana em algo
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descartável. Jornada de trabalho exaustiva não é considerada no sentido de duração da mesma,
mas no âmbito de como a saúde e a segurança do trabalhador é negada durante esta jornada.
Segundo Feliciano (2014), a expressão “condição análoga à de escravo” não visa
apenas uma situação jurídica, ela refere-se a um estado de fato em que a pessoa perde a
própria personalidade e, por isso, é tratada como simples coisa, privada de direitos
fundamentais mínimos. Nesse cenário, a liberdade humana fica integralmente anulada diante
da submissão da pessoa a um senhor.
Desse modo, faz-se verdade que os casos de condições análogas à escravidão, ou a
escravidão contemporânea, ainda presentes no Brasil, são interpretados e julgados tanto como
ilegalidades quanto como crimes, variando de acordo com a percepção de quem abre o
processo de investigação em relação ao enquadramento da conduta do agente. Isso demonstra
que, apesar da existência de uma lei que previne e regula a situação do trabalhador, essa não
se faz tão eficiente no que diz respeito a sua execução e cumprimento.
Destacam-se três pilares que suportam esses crimes e fazem com que eles se
perpetuem diante da sociedade, quais sejam: a impunidade, a reincidência e a desigualdade
social. A impunidade traz como consequência a reincidência, diante da má fiscalização e com
as barreiras naturais traçadas, tais como a dificuldade da fiscalização em fazendas por serem
fora da cidade, em áreas não asfaltadas que os órgãos governamentais consideram
intransitáveis. Hoje esta prática da reincidência não possui medidas drásticas, de acordo com
dados da OIT 60% dos trabalhadores resgatados retornam a exploração, para romper esse
ciclo vicioso é necessário endurecer as ações corretivas e ampliar o foco do Ministério do
Trabalho que é apenas libertar os escravos, para que desta forma a empresa fiscalizada não
tenha possibilidade de obter outros trabalhadores e sujeitá-los as condições encontradas
anteriormente.
A justiça estabeleceu medidas preventivas apenas em 2003, quando percebeu a
existência dessas práticas em território nacional. Luiz Inácio Lula da Silva, o então presidente
da República, lançou uma política para a eliminação do trabalho escravo, chamado “Plano
Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo” (CONATRAE), em que o próprio Ministério
do Trabalho atuava. Do ano da sua implantação até 2010, foram libertados 35.000
trabalhadores. Na época, por uma pesquisa feita pelo Jornal Dia-A-Dia, identificou-se que o
trabalho escravo tem uma forte presença na pecuária bovina, seguido da cana de açúcar,
produção de carvão (para produção de ferro gusa) e agricultura da soja, algodão e milho.
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Agronegócio pode ser definido como um conjunto de atividades que,
associadas, garantem a produção, transformação, distribuição e consumo de
produtos originários da agropecuária. De acordo com o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, corresponde hoje a 22% do PIB
brasileiro, o que equivale a R$ 918 bilhões. E a tendência é de crescimento.
Apesar dessa importância, o agronegócio deve ser desenvolvido de forma
responsável. (JORNAL ECOLOGIA, 2013, p.9)
A importância do agronegócio para o crescimento e desenvolvimento de diversos
setores no Brasil, os quais estão interligados ao plantio e à criação de animais para consumo, é
evidente, e por isso ele é bastante incentivado. No entanto, é preciso levar em consideração o
preço que se paga por regulamentações falhas e fiscalizações corruptas que permitem o
desenvolvimento dessas atividades de maneira irresponsável. Conforme Esterci (1994, p. 60),
“O Estado é responsável direto pela implantação do sistema repressivo sobre a força de
trabalho; outras vezes sua responsabilidade é indireta, na medida em que implementa políticas
que provocam a adoção de práticas repressivas por parte dos empregadores”.
A falta de conhecimento por parte da sociedade em relação ao modo como são
produzidos os produtos consumidos isola os crimes cometidos para que as necessidades
sociais sejam atendidas. O isolamento desses crimes permite que os mesmos sejam
recorrentes e impuníveis, de modo que se tornam exemplos de grande faturamento a baixos
custos. O agronegócio brasileiro se tornou aliado do governo e, com isso, ganhou carta branca
para a transgressão de crimes ambientais, sociais, lavagem de dinheiro, entre outras ações que
corroboram com a manutenção das mazelas sociais. Sendo assim, o cenário rural no Brasil é
caracterizado por alta produtividade paga por trabalho escravo, crimes ambientais e abrigo
para o crime organizado; além disso, segundo Sakamoto (2007), o isolamento geográfico é
um fator incentivador, uma vez que a distância das grandes cidades dificulta a fiscalização e
impede que os trabalhadores consigam se libertar.
A análise histórica das condições sociais e econômicas nas zonas rurais do país deixa
clara a opção pela propriedade capitalista da terra, de modo que o Estado transferiu não só
grandes extensões de terra, mas também recursos naturais para o domínio privado e,
consequentemente, há a exploração inadequada e a prática de condições de trabalho análogas
à escravidão para a manutenção dos altos índices de lucro. O trabalho escravo contemporâneo
nas fazendas brasileiras é recorrente e, por vezes, desconhecido. Trata-se de pessoas
trabalhando em condições degradantes para cumprir as dívidas contraídas com fazendeiros
que, conduzidos por grandes empresas, condicionaram a escravidão contemporânea em um
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regime em que a dívida é o elemento que produz e reproduz o cativeiro do trabalhador. Por
isso, segundo Fernandes (2007), existe, na prática de trabalho escravo, uma racionalidade que
decorre da busca incessante de meios para reduzir custos e ser mais competitivo no mercado,
cada vez mais moderno e globalizado.
Conforme dito anteriormente, no trabalho escravo executado na zona rural, o
trabalhador está submetido a coerções físicas ou morais, devido às condições desonrosas de
trabalho. Condições estas que ferem os princípios do Artigo 203 do Código Penal: “frustra,
mediante fraude ou violência, direito assegurada pela legislação do trabalho”.
Alguns trabalhadores são tentados por propostas satisfatórias de emprego buscadas por
outros trabalhadores que exercem a função de recrutar a mão de obra para locais longínquos.
Ali, vivem em ambientes inóspitos, onde há a sonegação dos direitos trabalhistas, além de
condição de vida inadequada.
A forma mais encontrada de trabalho escravo no âmbito rural é a da dívida. Começa
por um processo de aliciamento em que o trabalhador contrai um débito para a compra de
mercadorias e alimentos com o fazendeiro que será pago mediante os serviços prestados.
Contudo, os preços são superfaturados, o que resulta em um endividamento do trabalhador
que acaba nunca recebendo o salário, acumulando dívidas infinitas com o patrão.
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