biológico pela fraqueza” (meu grifo). As revoluções foram, portanto, dirigidas
contra os poderes estabelecidos “apenas aparentemente”. O seu verdadeiro
resultado “foi conferir ao Poder um novo vigor e altivez, destruindo os obstáculos
que há muito vinham obstruindo o seu desenvolvimento
101
”. Quando Fanon fala
da “loucura criativa” presente em toda ação violenta, está ele ainda pensando
dentro dos moldes desta tradição
102
.
Nada, em minha opinião, poderia ser teoricamente mais perigoso do que a
tradição do pensamento orgânico na política de acordo com o qual o poder e a
violência são interpretados em termos biológicos. Conforme são compreendidos
esses termos hoje em dia, a vida e a sua suposta criatividade são o seu
denominador comum, e assim a violência é justificada em termos de criatividade.
As metáforas orgânicas as quais fermearam toda a nossa discussão acerca de
questões políticas, especialmente das manifestações políticas – a noção de “uma
sociedade enferma”, da qual as manifestações são um sintoma, da mesma forma
que a febre é sintoma de uma infecção – irão apenas promover a violência no final
das contas. Assim, o debate entre aqueles que propõem meios violentos para
47
restaurar “a lei e a ordem” e aqueles que propõem reformas não-violentas começa
a parecer, ameaçadoramente, como uma discussão entre dois médicos que
debatem as vantagens relativas do tratamento cirúrgico, sobre o tratamento
clínico do paciente. Quanto mais doente estiver o paciente, maior a probabilidade
de que o cirurgião tenha a última palavra. Ademais, enquanto falarmos em
termos não-políticos, e não biológicos, os partidários da violência poderão apelar
para o fato inegável de que no seio da natureza a destruição e a criação são
apenas dois lados do processo, de modo que a violência coletiva,
independentemente de sua atração inerente, poderá parecer um pré-requisito
para a vida coletiva da humanidade, tão natural quanto a luta pela sobrevivência
e a morte violenta para a continuação da vida no reino animal.
O perigo de se deixar levar pela plausibilidade das metáforas orgânicas é
particularmente grande onde esteja envolvido o problema racial. O racismo, seja
branco ou negro, está impregnado de violência por definição por objetar contra
fatos orgânicos naturais – uma pele branca ou negra – que não poderiam ser
mudados de modo algum; tudo o que se pode fazer, jogadas as cartas, é
exterminar os donos dessas peles. Q racismo, distinto da raça, não é um fato da
vida, mas uma ideologia, e as ações a que leva, não são ações reflexas, mas atos
deliberados baseados em teorias pseudocientíficas. A violência nos conflitos
raciais é sempre assassina, não sendo, porém “irracional”; é a conseqüência
lógica e racional do racismo, que não se resume em alguns preconceitos vagos de
lado a lado, mas sim em um sistema ideológico explícito. Sob a pressão do poder;
os preconceitos, distintos dos interesses e das ideologias, poderão recuar,
conforme vimos acontecer ao movimento pelos direitos civis, que alcançou grande
sucesso e que era inteiramente não violento. (“Por volta de 1964 (...) a maior parte
dos americanos estavam convencidos de que a subordinação, e a um grau mais
baixo, a segregação, estavam errados”.)
103
Porém, enquanto os boicotes,
demonstrações e sit-ins obtiveram sucesso na eliminação de leis discriminatórias
no Sul, mostraram-se eles um total fracasso e tornaram-se contraproducentes ao
encontrarem as condições sociais nos grandes centros urbanos – as grandes
necessidades dos guetos negros de um lado, e os interesses supremos dos grupos
brancos de baixa renda relativos à moradia, educação, etc., do outro lado. Tudo o
que essa maneira de agir fez, foi trazer a público estas condições, trazê-las até as
ruas, onde o fato de serem os interesses tão irreconciliáveis foi perigosamente
exposto.
48
Mas até mesmo as manifestações de hoje em dia, manifestações negras, e a
violência em potencial da reação branca não são ainda manifestações de
ideologias racistas e a sua lógica assassina. (As manifestações, conforme
afirmativa recente, são “protestos articulados contra queixas genuínas”
104
;
realmente a restrição e a seletividade – ou (...) racionalidade figuram certamente
entre as suas características mais importantes”.
105
E a mesma coisa aplica-se ao
fenômeno da reação, o qual, contrariamente a todas as predições, até agora não
se caracterizou pela violência. E a reação perfeitamente racional de certos grupos
de interesse que protestam furiosamente contra a idéia de serem escolhidos para
pagarem todo o preço das políticas de integração mal planejadas de cujas
conseqüências seus autores facilmente escapam). 106 O maior perigo vem de
outra direção: uma vez que a violência exige sem ser justificada, uma escalada da
violência nas ruas poderá fazer surgir uma ideologia verdadeiramente racista
para justificá-la. Talvez o racismo negro, tão ruidosamente evidente no
“Manifesto” de James Forman, seja mais uma reação às manifestações caóticas
dos anos passados do que a sua causa. Poderia ele, certamente, provocar uma
reação branca realmente violenta, cujo maior perigo seria a transformação dos
preconceitos brancos em uma ideologia racista plenamente desenvolvida para a
qual “a lei e a ordem” se transformariam em uma mera fachada. Nesse caso ainda
improvável, o clima da opinião pública no país poderia deteriorar-se até o ponto
em que a maioria dos seus cidadãos estaria disposto a pagar o preço do terror
invisível de um Estado policial em troca de ordem e segurança nas ruas. O que
temos agora, um tipo de reação da polícia, bastante brutal e altamente visível,
não é nada do tipo.
O comportamento e os argumentos nos conflitos de interesse não são
notórios por sua “racionalidade”. Nada, infelizmente, tem sido tão
constantemente negado pela realidade como a crença do “interesse próprio
esclarecido”, em sua versão literal assim como em sua variante marxista mais
sofisticada. Alguma experiência mais alguma reflexão ensinam, ao contrário, que
ser esclarecido vai contra a própria natureza do interesse próprio. Tomando um
exemplo retirado do dia-a-dia, o atual conflito de interesses entre o proprietário e
o morador: o interesse esclarecido se concentraria em uma construção
apropriada à habitação humana, mas esse interesse difere bastante, e na maioria
dos casos até opõe-se, ao interesse do proprietário em obter altos lucros e ao do
morador em conseguir baixos aluguéis.
49
A resposta mais comum de um árbitro, o suposto porta-voz do
“esclarecimento”, isto é, que a longo prazo o interesse do prédio é o verdadeiro
interesse tanto do proprietário quanto do morador, deixa de considerar o fator
tempo, de fundamental importância para todos os envolvidos. O interesse próprio
interessa-se por si próprio, que morre, muda-se ou vende a casa; por causa de
sua condição em transformação, isto é, em última análise por causa da condição
dos seres humanos de meros mortais, o ser enquanto ser não pode pensar em
termos de interesse a longo prazo, isto é, o interesse de um mundo que sobrevive
aos seus habitantes. O envelhecimento do prédio é uma questão de anos; um
aumento no aluguel ou uma taxa de lucro temporariamente mais baixa são
imediatos. O mesmo acontece, mutatis mutandis, com respeito aos conflitos nas
relações de trabalho. O interesse próprio, quando solicitado a render-se ao
“verdadeiro” interesse – isto é, o interesse do mundo distinto do interesse próprio
– responderá sempre, “Cada um por si, Deus por todos”. Isto pode não ser
particularmente razoável, mas é bastante realista; trata-se da reação não muito
nobre à discrepância entre o fator tempo na vida privada dos seres humanos e a
expectativa de vida totalmente diferente do mundo público. Esperar que as
pessoas, que não têm a mínima noção do que seja res publica, se comportem de
maneira não-violenta e que discutam racionalmente no que se relaciona às
questões de interesse não é nem realista e nem razoável.
A violência, sendo instrumental por natureza, é racional até o ponto de ser
eficaz em alcançar a finalidade que deve justificá-la. E já que quando agimos,
jamais saberemos com certeza quais serão as eventuais conseqüências, a
violência só pode manter-se racional se buscar objetivos a curto prazo. A
violência não promove causas, nem a história nem a revolução, nem o progresso,
nem a reação, mas pode servir para dramatizar reclamações trazendo-as à
atenção do público. Conforme observou Conor Cruise O’Brien, agricultor irlandês
do século XIX e agitador nacionalista: “algumas vezes a violência é a única
maneira de se assegurar que a voz dos moderados será ouvida”. Pedir o
impossível para que se possa obter o possível não é sempre contraproducente. E
de fato, a violência, contrariamente ao que tentam nos dizer os seus profetas, é a
arma mais da reforma do que da revolução. A França não teria recebido a sua
denúncia mais radical desde Napoleão no sentido da transformação do seu
antiquado sistema educacional não houvessem os estudantes franceses se
rebelado; não fossem as manifestações durante a primavera, ninguém da
50
Universidade de Columbia teria sonhado em aceitar reformas
107
; e é
provavelmente verdade que na Alemanha Ocidental a existência de “minorias
dissidentes não chega nem mesmo a ser notada exceto se estas se entregarem à
provocação
108
”. Sem dúvida alguma, “a violência compensa”; o problema é que
compensa indiscriminadamente tanto os ativistas que querem instrução superior
em “Swahili” como os que visam reformas reais. E uma vez que as táticas da
violência e da subversão somente funcionam para os objetivos a curto prazo, é
ainda mais provável, como aconteceu recentemente nos Estados Unidos, que o
poder estabelecido ceda a exigências sem sentido e obviamente danosas – tais
como admitir estudantes sem as necessárias qualificações e ministrar-lhes cursos
sobre matérias inexistentes – se essas “reformas” podem ser feitas com
comparativa facilidade – então aquela violência será eficaz com relação ao objetivo
a longo prazo da transformação estrutural
109
. Ademais, o perigo da violência,
mesmo que esta se movimente dentro de uma estrutura não-extremista de
objetivos a curto prazo, será sempre que os meios poderão dominar os fins. Se os
objetivos não forem alcançados rapidamente, o resultado será não meramente a
derrota, mas a introdução da prática da violência em todo o organismo político. A
ação é irreversível, e um retorno ao status quo em caso de derrota é sempre pouco
provável. A prática da violência como toda ação, transforma o mundo, mas a
transformação mais provável é em um mundo mais violento.
Finalmente, voltemos à denúncia anterior de Sorel e Pare to do sistema
como tal – quanto mais burocratizada a vida pública, maior será a atração
exercida pela violência. Em uma burocracia plenamente desenvolvida, não há
como discutir, a quem apresentar reclamações, sobre quem exercer as pressões
do poder. A burocracia é a forma de poder onde todos são privados de liberdade
política, do poder de agir; já que o governo de Ninguém não é a ausência de
governo, e onde todos são igualmente destituídos de poder temos uma tirania
sem tirano. A característica crucial das rebeliões estudantis em todo o mundo é a
de que estão elas dirigidas em todos os lugares contra a burocracia dominante.
Isto explica o que parece à primeira vista tão inquietador – que as rebeliões no
Leste exigem precisamente aquelas liberdades de expressão e pensamento que os
jovens rebeldes do Ocidente dizem desprezar como irrelevantes. No nível de
ideologias, tudo isto é confuso; seria muito menos se começássemos do fato óbvio
de que as imensas engrenagens partidárias conseguiram se sobrepor às vozes dos
cidadãos por toda parte, mesmo nos países onde a liberdade de expressão e de
51
associação continua intacta. Os dissidentes e os que resistem no Leste exigem
liberdade de expressão e de pensamento como condição preliminar para a ação
política; os rebeldes no Ocidente vivem em condições onde esses requisitos
preliminares não mais abrem os canais para a ação para o exercício significativo
da liberdade”. O que importa para ele é, de fato, a Praxisentzug, a suspensão da
ação, conforme a chamou, acertadamente, Jens Litten, um estudante alemão
110
.
A transformação do governo em administração, ou das repúblicas em
burocracias, e o desastroso encolhimento do setor público que a acompanhou,
têm uma história longa e complicada no decorrer da era moderna; e esse processo
foi consideravelmente acelerado durante o último século pela ascensão das
burocracias partidárias. (Há setenta anos atrás reconheceu Pareto que “a
liberdade (...) pela qual quero dizer o poder de agir encolhe a cada dia, exceto
para os criminosos, nos chamados países livres e democráticos”)
111
. O que torna o
homem um ser político é sua faculdade de agir; esta lhe possibilita reunir-se aos
seus pares, agir de comum acordo e buscar objetivos e empresas que jamais teria
em mente; e que muito menos desejaria, se não lhe houvesse sido outorgada essa
faculdade: a de dedicar-se a alguma coisa nova. Falando do ponto de vista
filosófico, agir é a resposta humana à condição de natalidade. Já que todos nós
viemos ao mundo em virtude do nascimento, como recém-chegados e iniciantes,
somos capazes de começar algo de novo; sem o fato do nascimento não
saberíamos nem mesmo o que é a novidade, toda ação seria ou pura forma de
comportamento ou de preservação. Nenhuma outra faculdade exceto a
linguagem, nem a razão e nem a consciência, nos distingue de forma tão radical
de todas as espécies animais. Agir e começar não se tratam da mesma coisa, mas
são atividades estreitamente relacionadas.
Nenhuma das propriedades da criatividade é expressa adequadamente por
metáforas retiradas do processo vital. Gerar e dar a luz não são atividades mais
criativas do que é aniquilante o processo de morrer; são elas diferentes fases do
mesmo ciclo, que sempre se repete, onde todas as coisas vivas são mantidas
como se estivessem enfeitiçadas. Nem a violência, ou o poder, são fenômenos
naturais, isto é, manifestações de um processo vital; pertencem eles ao setor
político das atividades humanas cuja qualidade essencialmente humana é
garantida pela faculdade do homem de agir, a habilidade de iniciar algo de novo.
E penso ser possível demonstrar que nenhuma outra habilidade humana sofreu
tanto em razão do progresso da era moderna, pois o progresso, como viemos a
52
entendê-lo, significa crescimento, o infatigável processo de mais e de mais, de
maior e maior. Quanto maior torna-se um país, em termos de população, objetos,
e de bens, maior será a necessidade de administração e com ela o poder anônimo
dos administradores. O autor tcheco Pavel Kohout, escrevendo no auge da
experiência tcheca com a liberdade, definiu o “cidadão livre” como um “Cidadão
Co-governante”. Com isso ele se referia nada mais nada menos do que à
“democracia participante” da qual tanto ouvimos falar nos últimos anos no
Ocidente. Acrescentou Kohout que aquilo de que o mundo de hoje tem grande
necessidade poderá muito bem ser “um novo exemplo” se “os próximos mil anos
não forem se transformar em uma era de macacos supercivilizados” – ou, ainda
pior, do “homem transformado em um animal doméstico”, governado por uma
“elite” que recebe o seu poder “dos sábios conselhos de (...) assessores
intelectuais”, que acreditam realmente que os participantes de um think tank são
pensadores e que os computadores pensam; “os pareceres poderão revelar-se
incrivelmente insidiosos e, ao invés de buscarem objetivos humanos, poderão
buscar problemas completamente abstratos que haviam se transformado de
forma imprevisível no cérebro artificial
112
”.
Esse novo exemplo dificilmente será estabelecido pela prática da violência,
embora eu me incline a acreditar que grande parte da atual glorificação da
violência é causada por uma séria frustração da faculdade de agir no mundo
moderno. É verdade simplesmente que as manifestações nos ghettos e rebeliões
nas Universidades fazem com que as “pessoas sintam estar agindo juntas de uma
maneira como raramente podem agir
113
”. Não sabemos se essas ocorrências são o
início de algo novo – o “novo exemplo” – ou os sinais de agonia de uma faculdade
que a humanidade está em vias de perder. Da maneira como estão as coisas hoje
em dia, ao vermos como estão os superpoderes atolados sob o peso monstruoso
de sua própria imensidão, parece que o estabelecimento de um “novo exemplo”
terá uma chance, pelo menos, em um pequeno país, ou em setores pequenos e
bem definidos nas sociedades de massa dos grandes poderes.
Os processos de desintegração que se tornaram tão manifestos nos últimos
anos – a decadência dos serviços públicos: escolas, a polícia, a entrega de cartas,
coleta de lixo, transporte, etc; a taxa de mortes nas estradas e os problemas de
tráfego nas cidades; a poluição do ar e da água – são os resultados lógicos das
necessidades das sociedades de massa que acabaram por se tornar
incontroláveis. São eles acompanhados e por vezes acelerados pelo declínio
53
simultâneo dos vários sistemas partidários, todos eles de origem mais ou menos
recente e planejados para corresponder às necessidades políticas de populações
de massa – no Ocidente para tornar possível o governo representativo quando a
democracia direta não mais servisse porque “não há lugar para todos” (John
Selden), e no Leste para tornar o domínio absoluto de vários territórios mais
eficaz. A grandeza padece de vulnerabilidade; as rachaduras na estrutura de
poder de todos os países, exceto os pequenos, abrem-se e se alargam. E ao passo
que ninguém sabe dizer com certeza onde e quando chegou-se a esse ponto de
rompimento, pode-se observar, e quase medir, como a força e a resistência são
destruídas insidiosamente, vazando, pouco a pouco, das nossas instituições.
Ademais, há a recente ascensão de um novo e curioso tipo de nacionalismo,
geralmente percebido como uma guinada à direita, mas mais provavelmente uma
indicação de um crescente ressentimento, de âmbito mundial, contra a
“grandeza” como tal. Enquanto os sentimentos nacionais tendiam anteriormente
a unir vários grupos étnicos, concentrando os seus sentimentos políticos na
nação como um todo, podemos observar agora como um “nacionalismo” étnico
principia a ameaçar de dissolução os mais antigos e melhor estabelecidos
Estados-nações. Os escoceses e galeses, os bretões e provençais, grupos étnicos
cuja bem sucedida assimilação era o pré-requisito para o surgimento, do Estado-
nação e parecia completamente assegurado, central de Londres e Paris. E
exatamente quando o centralismo, sob o impacto do tamanho descomunal,
acabou por mostrar-se contraproducente em seus próprios termos, esse país, que
tem por base, de acordo com o princípio federativo, a divisão de poderes e
permanece poderoso desde que essa divisão seja respeitada, lançou-se, ao som do
aplauso das forças “progressistas” ao novo experimento, em termos da América,
da administração centralizada – o governo federal mais poderoso do que poderes
estaduais e o poder executivo solapando os poderes do Congresso
114
. É como se
esta colônia européia, a mais bem sucedida de todas, desejasse compartilhar o
destino dos países europeus em seu declínio, repetindo com grande pressa os
mesmos erros que os elaboradores da Constituição haviam tentado corrigir e
eliminar.
Sejam quais forem as vantagens administrativas, ou desvantagens da
centralização, o seu resultado político é sempre o mesmo: monopolização do
poder causando a esterilidade de todas as fontes autênticas de poder no país. Nos
Estados Unidos, baseado em uma grande pluralidade de poderes e o seu sistema
54
de controle mútuo, confrontamo-nos não apenas com a desintegração das
estruturas de poder, mas com o poder, aparentemente ainda intacto e livre para
manifestar-se, perdendo o seu domínio e tornando-se ineficaz. Falar da
impotência do poder já deixou de ser um paradoxo espirituoso. A cruzada do
Senador Eugene McCarthy em 1968 “para testar o sistema” trouxe o
ressentimento popular contra as aventuras imperialistas a público, estabeleceu
um vínculo entre a oposição no Senado e nas ruas, ensejou pelo menos uma
espetacular mudança de política, e demonstrou como a maioria dos rebeldes
podia reintegrar-se ao sistema rapidamente, exultando a esta primeira
oportunidade não de abolir o sistema, mas de fazê-lo funcionar de novo. E, ainda
assim, todo esse poder poderia ser destruído pela burocracia partidária, a qual,
contrariamente a todas as tradições, preferiu perder as eleições presidenciais com
um candidato impopular que por acaso se tratava de um apparatchik. (Algo
similar se passou quando Rockefeller perdeu a indicação para Nixon durante a
convenção Republicana)
Há outros exemplos a demonstrar as curiosas contradições inerentes à
impotência do poder. Por causa da enorme eficácia dos trabalhos de equipe nas
ciências, talvez a grande contribuição americana para as ciências modernas,
podemos controlar os processos mais complicados com uma precisão que torna
as viagens à Lua menos perigosas do que as mais comuns excursões do fim-de-
semana; mas o suposto “maior poder do mundo” é impotente para acabar uma
guerra, claramente desastrosa para todas as partes envolvidas, em um dos
menores países da Terra. É como se estivéssemos sob um encantamento de conto
de fadas, que nos permitisse realizar o “impossível” com a condição de que
perdêssemos a capacidade de realizar o possível, de alcançar de forma fantástica
feitos extraordinários com a condição de não sermos mais capazes de preencher
adequadamente as nossas necessidades diárias. Se o poder tiver alguma coisa a
ver com a idéia de–que querer é poder, distinta do mero nós podemos, então
temos que admitir que o nosso poder tornou-se impotente. Os progressos da
ciência nada têm a ver com a vontade; eles seguem as mesmas leis inexoráveis
compelindo-nos a fazer aquilo que pudermos, independentemente das
conseqüências. Será que à vontade e a possibilidade não mais estão juntas? Será
que Valéry estava certo ao dizer ha cinqüenta anos atrás: On peut dire que tout ce
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