Establishment, e que antigamente denominava-se Sistema, e foi essa descoberta
que os conduziu ao louvor à violência, fazendo com que Pareto perdesse as
esperanças quanto à classe trabalhadora. (Entendia Pareto que a rápida
integração dos trabalhadores no organismo social e político da nação
correspondia a uma “aliança da burguesia com os trabalhadores”, ao
aburguesamento dos trabalhadores, que então, de acordo com o seu pensamento,
daria origem a um novo sistema, que denominava “Pluto-democracia” uma forma
mista de governo, uma vez que seria a plutocracia o regime burguês por
excelência, enquanto que a democracia constituir-se-ia no regime dos
trabalhadores). A razão porque Sorel apegava-se à sua fé, inspirada pela teoria
marxista, nas classes trabalhadoras, era que os trabalhadores constituíam-se nos
“produtores”, único elemento criativo da sociedade, os quais, de acordo com
Marx, iriam fatalmente libertar os meios de produção da humanidade; o único
problema era que, uma vez alcançado um nível de vida e condições de trabalho
satisfatórios, recusavam-se teimosamente os trabalhadores a desempenhar o seu
papel revolucionário.
Outra coisa, entretanto, que somente se tornou totalmente clara nas
décadas seguintes à morte de Sorel e Pareto, tornou-se incomparavelmente mais
desastrosa para esse ponto de vista. O enorme aumento da produtividade no
mundo moderno não se deveu, de maneira alguma, ao crescimento da
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produtividade do trabalhador, mas sim exclusivamente ao desenvolvimento da
tecnologia, o que não dependia nem das classes trabalhadoras, e nem da
burguesia, mas sim dos cientistas. Os “intelectuais” tão desprezados por Sorel e
Pareto, cessaram repentinamente de ser um grupo social marginalizado, surgindo
como uma nova elite, cujo trabalho, que transformara as condições de vida
humana quase que inteiramente no espaço de poucas décadas, mantém-se
essencial para o funcionamento da sociedade. Há muitas razões porque esse novo
grupo ainda não se transformou em uma nova elite de poder, porém há muitas
razões para se acreditar que, conforme afirma Daniel Bell, “não apenas os
melhores talentos, mas eventualmente toda a estrutura de prestígio social e de
“status” social, terão as suas raízes nas comunidades intelectuais e científicas”
98
.
Os seus membros estão mais dispersos e menos presos a interesses óbvios do
que os grupos do antigo sistema de classes; portanto, não têm eles o impulso de
se organizar, faltando-lhes a experiência em tudo aquilo que diz respeito ao
poder. Também, estando muito mais estreitamente ligados às tradições culturais,
entre as quais figura a tradição revolucionária, apegam-se eles com muito maior
tenacidade às categorias do passado que os impedem de compreender o presente
e o próprio papel que lhes caberia nele desempenhar. E sempre emocionante
observar com que sentimento de nostalgia os nossos estudantes mais rebeldes
esperam que o “verdadeiro” ímpeto revolucionário venha daqueles grupos da
sociedade que os denunciam tanto mais veementemente quanto mais tenham a
perder por algo que’ possa perturbar o bom funcionamento da sociedade de
consumo. Para pior ou para melhor – e penso haver razões tanto para
pessimismo quanto para o cinismo – a classe realmente nova e potencialmente
revolucionária na sociedade consistirá nos intelectuais e no seu poder em
potencial, ainda não totalmente compreendido, e que é muito grande, talvez
grande demais para o bem da humanidade
99
, Mas tratam-se aqui de meras
especulações.
Seja como for, neste contexto estamos interessados principalmente no
estranho reflorescimento das filosofias de Bergson e Nietzsche em sua versão
soreliana. Sabemos todos até que ponto essa antiga combinação de violência,
vida, e criatividade está presente no estado de espírito cheio de rebeldia da
geração atual. Sem dúvida que a ênfase no simples fato de viver, e
conseqüentemente no amor como’ a mais gloriosa manifestação da vida, é uma
resposta à real possibilidade da construção de um artefato capaz de destruir
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todas as formas de vida na terra. Mas as categorias em que se comunicam os
novos adoradores da vida não são novas. Enxergar a produtividade da sociedade
na imagem da “criatividade” da vida, é no mínimo uma visão tão antiga quanto
Marx; acreditar na violência como força criadora de vida, e pensar na criatividade
como o maior bem do homem são noções tão antigas quanto Nietzsche e Bergson,
respectivamente.
E essa justificativa biológica – da violência – aparentemente tão nova
relaciona-se estreitamente aos mais perniciosos elementos de nossas mais
antigas tradições do pensamento político. De acordo com o tradicional conceito de
poder, equiparado, conforme vimos, à violência, o poder é expansionista por
natureza. Tem ele “uma ânsia interior por crescer” e é criativo porque “o instinto
que o faz crescer lhe é próprio”
100
. Exatamente da mesma maneira como nos
domínios da vida orgânica todas as coisas ou crescem ou decaem e morrem,
também nos domínios das relações humanas o poder pode, como se supõe,
manter-se apenas através da sua expansão; de outra maneira, ele se retrairá e
morrerá. “Tudo aquilo que pára de crescer começa a apodrecer”, reza um ditado
russo, colhido do cortejo de Catarina, a Grande. Os reis, pelo que sabemos, são
mortos não por causa da sua tirania mais sim da sua fraqueza. O povo constrói
cadafalsos, não como punição moral do despotismo, mas como um castigo
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