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No entanto, segundo ele, os “costumes públicos” do país só “progrediram” no Segundo
Reinado, o que finalmente permitiu que o tráfico cessasse definitivamente, com a lei Eusébio
de Queirós, de 1850.
23
Para Nabuco, tais medidas mantiveram o país na segurança de que a escravidão se
extinguiria com o passar dos anos. Foi a Guerra do Paraguai que colocou em xeque novamente
a questão da mão de obra escrava e impôs uma nova “crise política”, que resultou na lei de
1871, vista por ele como uma tentativa a mais no sentido de abalar progressivamente o regime
escravagista:
Em 1850, queria-se suprimir a escravidão, acabando com o tráfico; em 1871,
libertando-se desde o berço, mas de fato depois dos vinte e um anos, os filhos
dos escravos ainda por nascer. Hoje quer-se suprimi-la, emancipando os
escravos em massa e resgatando os ingênuos da servidão da lei de 28 de
setembro. É este último movimento que se chama abolicionismo, e só este
resolve o verdadeiro
problema dos escravos, que é a sua própria liberdade.
24
As considerações de Nabuco evidenciam que, para ele, a abolição deveria se realizar
por meio do legislativo, por meio de leis que fossem extinguindo a instituição cujo final, de
alguma forma, já estava determinado. Para o autor, o que os indivíduos do seu tempo não
deviam permitir é que a instituição se prolongasse demasiadamente e, por isso, deveriam
assumir a responsabilidade histórica de aboli-la por completo.
A política dos nossos homens de Estado foi toda, até hoje, inspirada pelo
desejo de fazer a escravidão dissolver-se insensivelmente no país. O
abolicionismo é um protesto contra essa triste perspectiva, contra o expediente
de entregar à morte a solução de um problema que não é só de justiça e
consciência moral, mas também de previdência política.
25
É esse o objetivo que embasa o livro, pois, ao longo dele, Nabuco traz diversas
justificativas a fim de fortalecer o movimento abolicionista. Assim, ele valoriza o movimento
abolicionista, mas especialmente aquele que se realizava no âmbito do legislativo.
Como argumento para convencer, Nabuco retomava o exemplo da Guerra Civil nos
Estados Unidos, que serviria como exemplo dos riscos que se corria no Brasil e que,
de acordo
com ele, o movimento abolicionista poderia evitar.
26
Além disso, ele apresentava os motivos
pelos quais a escravidão brasileira poderia ser considerada ilegal, já que a maior parte dos
africanos escravizados havia entrado no país depois de 1831, quando o tráfico já havia sido
23
Ibidem.
24
Ibidem.
25
Ibidem
26
Ibidem, p. 8.
16
proibido. Ele também alegava que a instituição era ilegítima diante do “progresso das ideias
morais de cooperação e solidariedade”, e continuava:
Queremos acabar com a escravidão por esses motivos seguramente, e mais
pelos seguintes: Porque a escravidão arruína economicamente o país,
impossibilita o
seu progresso material, (...) habitua-o ao servilismo, impede a
imigração, desonra o trabalho manual, retarda a aparição das indústrias (...)
afasta as máquinas, excita o ódio entre classes, produz uma aparência ilusória
de ordem, bem estar e riqueza, a qual encobre os abismos de anarquia moral,
de miséria e destituição, que do Norte ao Sul margeiam todo o nosso futuro.
Porque a escravidão é um peso enorme que atrasa o Brasil no seu crescimento
em comparação com os outros Estados sul-americanos (...) o
desmembramento e a ruína do país (...) somente quando a escravidão houver
sido de todo abolida, começará a vida normal do povo, existirá mercado para
o trabalho, os indivíduos tomarão o seu verdadeiro nível, as riquezas se
tornarão legítimas (...). Porque só com a emancipação total podem concorrer
para a grande obra de uma pátria comum,
forte e respeitada, (...).
27
Esse trecho traduz bem as intenções de Joaquim Nabuco. O progresso, a civilização, o
desenvolvimento econômico e social do país, para ele, estavam diretamente vinculadas à
abolição e dependiam dela. Ela era, portanto, uma necessidade. Ele evocava as noções de
progresso, civilização, progresso social, pois estes eram ideais defendidos amplamente naquela
sociedade. Associando-os à abolição, o autor pretendia que esta fosse também socialmente
aceita. Outra concepção recorrente é quanto à necessidade do movimento abolicionista
fortalecer uma luta pela liberdade, que os escravos sozinhos não teriam condições para travar.
Segundo ele, “deve-se dizer que o abolicionista é o advogado gratuito de duas classes sociais
que, de outra forma, não teriam meios de reivindicar os seus direitos, nem consciência deles.
Essas classes são: os escravos e os ingênuos.”
28
O viés parlamentar no desenvolvimento do processo pelo fim da escravidão também
foi notado pelo autor Evaristo de Moraes, que não tinha, como Nabuco, uma perspectiva
militante
29
. Ao longo do seu livro
30
– publicado pela primeira vez em 1924 -, Moraes analisa a
campanha abolicionista desde a década de 1870, apontando vários aspectos que foram
27
Ibidem, p. 29.
28
Ibidem, p. 6.
29
Ao menos não no âmbito do abolicionismo, pois a abolição já havia sido formalmente realizada. Esse autor,
entretanto, como mostrou Mendonça, associava a motivação abolicionista à sua militância em favor do que ele
considerava que fosse a “emancipação” dos operários na Primeira República que, na sua perspectiva, estava
atrelada à constituição de um direito operário, com a intervenção do Estado nas relações de trabalho. Conferir:
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. “Memórias da escravidão nos embates políticos do Pós-abolição”. In:
ABREU, Martha; DANTAS, Carolina Vianna; MATTOS, Hebe. (Org.).
Histórias do pós-abolição no mundo
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