47
cariocas dez anos depois. Chegou a se envolver nos conflitos entre republicanos e monarquistas,
como o episódio Travessa da Barreira, no qual houve um intenso confronto entre o Partido
Republicano e a Guarda Negra.
122
Por isso, Pires avalia que os ataques empreendidos por
Sampaio Ferraz, aos grupos de capoeiras, tinham também a intenção política de combater
monarquistas.
123
No Rio de Janeiro, já em 22 de novembro de 1889 foram registradas prisões
de dois capoeiras, e em uma semana do mês de dezembro foram efetuadas 111 prisões de
capoeiras. Uma das primeiras medidas implantadas por Sampaio Ferraz foi a extinção da polícia
secreta, rompendo com a cumplicidade que os capoeiras tinham com políticos, durante a
monarquia.
124
Segundo o autor, “para Sampaio Ferraz os presos não deveriam ser mandados para o
“xadrez”, para não dar tempo aos advogados de liberá-los; sua proposta era “deportá-los
imediatamente. Tudo e todos para o mar”.”
125
Dessa maneira, autores como José Murilo de
Carvalho apontam para deportações de capoeiras para o Mato Grosso e há indícios que cerca
de 600 capoeiras teriam sido mandados a Fernando de Noronha, durante os primeiros anos da
República.
126
Assim, mesmo antes da aprovação do Código Penal, Sampaio Ferraz já havia
implantado uma forte campanha para reprimir a capoeira, o que rendeu, no mínimo, 297 prisões
em 1890, de acordo com as fontes policiais investigadas por Pires. Tais registros permitem que
seja delineado um perfil desses presos, enquadrados como capoeiras: artesãos (38,1%), sem
profissão (23,5%), trabalhadores de rua (22,5%), trabalhadores domésticos (11,4%),
trabalhadores no comércio (4,5%). Em relação à origem étnica, eram identificados brancos
(34,1%), pardos (27,9%), pretos (26,5%), morenos (6,6%) e fulos (4,0%).
127
Tal política também foi notada por fontes literárias e jornalísticas, como apresentou
Pires, por exemplo, o jornal Diário de Notícias, que, no dia 16 de dezembro de 1889, teve a
seguinte publicação: “Antigamente esses malvados serviam ao soldo da polícia, mas hoje,
cremos servirão
em Fernando de Noronha, onde o trabalho os tornará arrependidos do
mal que
fizeram, ensinando-lhes o caminho que devem seguir quando de lá saírem”.
128
Em janeiro de
1980, esse periódico também publicou uma poesia composta por trovadores da época:
“É polícia das primeiras/ É levadinho do diabo;/ Deu cabo dos capoeiras, / Vai
dos gatunos dar cabo/ Já da navalha afiada/ A ninguém o medo aperta;/ Vai
122
Ibidem, p. 53.
123
Ibidem, p. 55.
124
Ibidem, p. 54.
125
Ibidem, p. 54.
126
CARVALHO, José Murilo de.
Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. Cia. das Letras,
São Paulo, 1987, p. 179, nota 25 e p. 155. Apud. CONDURU. Op. Cit, p. 29.
127
PIRES. Op. Cit, p. 56.
128
Jornal Diário de Notícias 16 de dezembro de 1889, p. 12. Apud. PIRES. Ibidem, p. 54.
48
poder a burguesada/ Ressonar com a porta aberta/ A ir assim poderemos/
Andar mui sossegadinhos (...)”
129
.
Ou seja, podemos perceber que a repressão aos capoeiras foi amplamente praticada na
sociedade da época, conseguindo
apoio popular, o que é um indicativo de como a capoeiragem
era vista naquele contexto. Em 1890, é aprovado o novo Código Criminal, o qual
institucionalizou aquilo que Sampaio Ferraz já vinha fazendo com tanta severidade, pois
determinava que:
Artigo 402 – Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e
destreza corporal, conhecidos pela denominação de capoeiragem: andar em
correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal,
provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou
incutindo temor, ou algum mal: Pena: prisão celular de dois a seis meses.
Artigo 403 – No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau
máximo a pena do artigo 400, pena de um a três anos em colônias penais que
se fundarem em ilhas marítimas, ou nas fronteiras do território nacional,
podendo para esse fim serem aproveitados os presídios militares existentes.
Parágrafo único – Se for estrangeiro será deportado depois de cumprir a pena.
Artigo 404 - Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídios,
praticar lesões corporais, ultrajar o pudor público e particular, e perturbar a
ordem, a tranquilidade e a segurança pública ou for encontrado com armas,
incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes.
130
Desta maneira, ficava claro como a política republicana iria agir em relação aos
capoeiras. Conforme
analisa Pires, o artigo 402 atingia diretamente os indivíduos identificados
como capoeiristas e também seus respectivos grupos. O próximo artigo, ao determinar sobre a
reincidência, estabeleceu relação direta com o ócio, pois o artigo 400 tratava da reincidência na
vadiagem, abordada pelo artigo 399, formalizando-se, assim, a associação dos capoeiras como
vadios. Isso valeria, inclusive, para estrangeiros, um indício dessa diversidade étnica que existia
na capoeiragem. Assim, o
autor afirma que,
Dessa forma, o sistema de repressão poderia alcançar os capoeiras por
qualquer comportamento que quebrasse a ordem estabelecida. A repressão aos
capoeiras se pautou em algumas estratégias: a primeira, buscar cercear as
atividades da capoeiragem de forma individual ou em grupo; a segunda,
desarmar os capoeiras. Enfim, produziu-se a imagem dos capoeiras fora do
mundo do trabalho: eles eram considerados vadios, malandros, desordeiros,
cafajestes, capadócios etc.
131
O autor reuniu 560 processos-crimes, apoiados pelo artigo 402 do Código, o que lhe
permitiu notar que a repressão aos capoeiras durou até 1938, sendo que entre 1900 e 1910 houve
129
Jornal Diário de Notícias. 19 de janeiro de 1890, p. 6. Apud. PIRES. Ibidem, p. 56 e 57.
130
Código Penal de 1890. Apud. PIRES. Ibidem, p. 57, 58 e 59.
131
Ibidem, p. 60.
49
a primeira grande investida
132
. Suas fontes indicaram que, apesar dessa política repressiva, as
maltas ainda causavam transtornos públicos no início do século XX e conseguiram resistir até
a segunda década, mantendo algumas tradições das nações Nagoa e Guaiamu.
133
A partir de
suas pesquisas, Pires apresenta uma série de fatos e características dos capoeiras, encontrados
nos arquivos policiais. No capítulo 2 de seu livro, ele narra numerosos casos, pelos quais
percebemos como se deram as relações dos capoeiras com a política da Primeira República; os
aspectos culturais que envolviam a capoeiragem, juntamente com questões referentes às classes
sociais do Rio de Janeiro; os conflitos entre nacionalidades, advindos da diversidade étnica dos
capoeiristas; entre outros aspectos, na fase em que ela esteve proibida. Dessa forma, podemos
concluir que, mesmo quando as condições políticas deixaram de ser favoráveis, os capoeiras
encontraram formas de driblar as perseguições policiais, mantendo assim suas tradições, na
medida em que isso era possível.
Compartilhe com seus amigos: