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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 28(6):1122-1132, jun, 2012
Utilização de ácido acetilsalicílico (AAS)
na prevenção de doenças cardiovasculares:
um estudo de base populacional
Aspirin use in cardiovascular disease prevention:
a population-based study
1
Programa de Pós-graduação
em Epidemiologia,
Universidade Federal de
Pelotas, Pelotas, Brasil.
2
Programa de Pós-graduação
em Nutrição, Universidade
Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, Brasil.
Correspondência
C. A. Vianna
Programa de Pós-graduação
em Epidemiologia,
Universidade Federal de
Pelotas.
Rua Armando Sica 55, Pelotas,
RS 96020-140, Brasil.
caruvianna@hotmail.com
Carolina Avila Vianna
1
David Alejandro González
2
Alicia Matijasevich
1
Abstract
The objective of this study was to estimate the
prevalence of aspirin use in primary and sec-
ondary prevention of cardiovascular disease. A
population-based cross-sectional study was con-
ducted in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Bra-
zil, from January to May 2010. The study had two
outcomes: 1) aspirin use in primary prevention
(individuals
≥ 40 years of age with at least two
risk factors: hypertension, diabetes mellitus, and/
or hyperlipidemia) and 2) aspirin use in second-
ary prevention (history of stroke and/or angina/
myocardial infarction). The outcomes were ana-
lyzed based on demographic, socioeconomic, and
lifestyle variables. Prevalence of aspirin use was
24.8% for primary prevention and 34.3% for sec-
ondary prevention. In primary prevention, as-
pirin use was more common in non-whites and
older individuals and among those with worse
self-rated health. For secondary prevention, as-
pirin use was more frequent among older and
higher-income individuals and former smokers.
Prevalence of aspirin use was well below recom-
mended levels for prevention of cardiovascular
diseases.
Cardiovascular Diseases; Acetylsalicylic Acid; Dis-
ease Prevention
Introdução
As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT),
entre elas as doenças cardiovasculares (DCV),
como o infarto agudo do miocárdio (IAM) e o
acidente vascular cerebral (AVC) são a principal
causa de morte e incapacidade prematura em
muitos países, incluindo o Brasil
1
. Em 2004 as
DCNT foram responsáveis por mais de 62% dos
óbitos no país, com maior porcentagem nas re-
giões Sul e Sudeste
2
. A tendência crescente ob-
servada nos últimos anos deve-se manter nos
próximos anos, e as estimativas sugerem que em
2020, as DCV serão responsáveis por 25 milhões
de mortes em todo o mundo
1
.
Além da elevada mortalidade das DCV, elas
também são responsáveis por um grande nú-
mero de internações hospitalares. No Brasil, só
no ano de 2008, as DCV foram responsáveis por
cerca de 20% do gasto total do Sistema Único de
Saúde (SUS) com hospitalizações, sendo tais do-
enças as principais causas de internações hos-
pitalares em ambos os sexos (Departamento de
Informática do SUS. http://www.datasus.gov.br,
acessado em 15/Jun/2009).
Em razão desses dados, muitos esforços têm
sido empregados para reduzir a morbimortali-
dade das DCV, como a modificação do estilo de
vida, com o incentivo à prática de atividade fí-
sica, dieta saudável e a cessação do tabagismo,
além do controle das principais doenças que
atuam como fatores de risco, como hipertensão
ARTIGO ARTICLE
USO DE AAS NA PREVENÇÃO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES
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arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus e dis-
lipidemia
3
. Além disso, estudos demonstraram
que o uso de ácido acetilsalicílico (AAS), tanto
na prevenção primária (pessoas com idade
≥ 40
anos com pelo menos dois fatores de risco: HAS,
diabetes mellitus e/ou dislipidemia)
4
quanto na
prevenção secundária (pacientes com história
de AVC isquêmico, IAM e/ou com angina pec-
toris)
5,6
, pode levar a uma importante redução
de eventos cardiovasculares, que pode ser de até
40%
7
.
Embora o AAS seja uma medicação barata,
segura, de fácil acesso e usada amplamente pa-
ra tratamento de inúmeras enfermidades, como
febre, dores musculares e doenças inflamatórias,
alguns estudos mostraram um subuso dele na
prevenção de DCV no mundo
7,8,9
.
No Brasil, existem poucos estudos para ava-
liar o uso de AAS, mas eles têm sido realizados em
nível hospitalar ou ambulatorial, com frequên-
cias de uso de AAS de 17,7% no caso da preven-
ção primária e até 98% na prevenção secundária
10,11,12,13,14
. No entanto, não foram localizados
estudos brasileiros de base populacional que te-
nham avaliado o uso de AAS para a prevenção
primária ou secundária das DCV e nem os fatores
que poderiam estar associados ao seu uso.
Considerando a escassez de estudos no Brasil
sobre o tema, o presente artigo objetivou estimar
a prevalência de uso de AAS tanto na prevenção
primária como na prevenção secundária de DCV
numa população no Sul do Brasil, bem como
identificar os fatores relacionados ao uso desse
medicamento.
Métodos
Foi conduzido um estudo transversal de base
populacional no período de janeiro a maio de
2010, na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul,
Brasil. A cidade de Pelotas localiza-se no Sul do
país, onde moram mais de 345 mil habitantes,
predominantemente na zona urbana (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades@.
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.
htm?1, acessado em 21/Jun/2009). Esse proje-
to foi desenvolvido como parte do consórcio de
pesquisa do Mestrado em Epidemiologia da Uni-
versidade Federal de Pelotas (UFPel), em que 14
alunos de mestrado investigaram diversas doen-
ças, uso de medicamentos e hábitos de vida da
população.
Os cálculos de tamanho de amostra foram
realizados definindo em um primeiro momento
as populações que precisariam de AAS para pre-
venção primária (
≥ 40 anos com pelo menos dois
fatores de risco: diabetes mellitus, HAS e/ou dis-
lipidemia) ou secundária (com antecedente de
AVC isquêmico e/ou IAM/angina) das doenças
cardiovasculares.
Assim, para os cálculos, foram usadas inicial-
mente as prevalências esperadas das doenças
autorreferidas na população adulta (
≥ 20 anos):
35% para HAS, 12% para diabetes mellitus, 35%
para dislipidemia, 15% para angina/IAM e 6%
para AVC, conforme os dados do Ministério da
Saúde
15
e Sociedade Brasileira de Cardiologia
3
.
Dessa forma, a prevalência esperada de pessoas
que necessitariam de prevenção primária estaria
entre 4,2% (diabetes mellitus + HAS ou diabetes
mellitus + dislipidemia) e 12,3% (HAS + dislipide-
mia), e para prevenção secundária, 21% (AVC e/
ou IAM/angina). Com base nas prevalências des-
sas doenças combinadas e tendo em conta que
100% dessas pessoas deveriam estar usando AAS,
além do acréscimo de 10% para possíveis perdas
e recusas, a maior amostra necessária seria de
1.676 pessoas. Foram usadas uma margem de er-
ro de 2,5 pontos percentuais, alfa de 5%, poder de
80% e um efeito de delineamento de 1,5.
Para o estudo de associações, valendo-se das
prevalências esperadas das diversas exposições
a serem avaliadas, foram realizadas várias esti-
mativas, considerando os mesmos parâmetros
do cálculo para prevalência. Acrescentando 10%
para possíveis perdas e 15% para fatores de con-
fusão, o maior tamanho de amostra necessário
foi para avaliar a associação com a cor da pele,
sendo preciso um total de 2.189 pessoas.
A amostragem foi realizada por conglomera-
dos, em múltiplos estágios. Primeiramente, fo-
ram listados os setores censitários da cidade de
Pelotas em ordem crescente de renda do chefe
de família, conforme os dados do Instituto Bra-
sileiro de Geografia e Estatística de 2000 (IBGE.
Censo Demográfico 2000. http://www.ibge.gov.
br). Posteriormente, foram sorteados sistemati-
camente e com probabilidade proporcional ao
tamanho 130 setores censitários dentre os 404
da cidade. Em cada setor foram listados os do-
micílios residenciais permanentes, selecionados
por amostragem sistemática e com probabilida-
de proporcional ao tamanho (média de 10 domi-
cílios por setor), resultando num total de 1.513
domicílios. Todos os moradores com 20 anos ou
mais e capazes de responder ao questionário fo-
ram entendidos como elegíveis.
As pessoas com problemas mentais, os indi-
víduos institucionalizados e as gestantes foram
excluídos da amostra.
Os desfechos deste estudo foram o uso de
AAS na prevenção primária (pessoas com idade
≥ 40 anos que referiram ter pelo menos dois fa-
tores de risco: HAS, diabetes mellitus e/ou dis-
lipidemia) e na prevenção secundária (pessoas