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O MITO DO TIRADENTES
iradentes pode ter sido mero bode expiatório no trágico desfecho da
Conjuração Mineira. Mas a decência com a qual
se comportou ao longo do
lento e tortuoso processo judicial e, acima de tudo, a altivez com que enfrentou a
morte, tornaram-no, no ato, não apenas a maior figura do movimento, mas
também um dos grandes heróis da história do Brasil.
Enquanto a maioria dos
conjurados chorava, balbuciava e se maldizia – trocando acusações e blasfêmias
diante dos jurados –, Tiradentes manteve a dignidade, o senso de camaradagem e
uma tranquilidade despojada que, da mera leitura dos atos, sua presença refulge
imponente e quase majestosa. Embora, de início,
tenha tentado negar a
existência da conspiração, tão logo as acusações se tornaram evidentes,
Tiradentes tratou de atrair toda a culpa sobre si, praticamente se apresentando
para o martírio ao proclamar responsabilidade exclusiva pelo movimento. Ao
saber que, além dele, outros conjurados tinham sido condenados à morte,
Tiradentes declarou: “Se dez vidas eu tivesse, dez vidas daria para salvá-los.”
Não houve,
por parte dos acusados, qualquer espécie de retribuição. Com
toda a confusão de seus depoimentos, nenhum negara a participação de
Tiradentes nem seu entusiasmo fanático e às vezes imprudente pela revolução.
Para a Coroa, o alferes também despontava como a vítima ideal: primeiro, era
alguém com todos os ressentimentos de um típico “revolucionário francês”.
Depois, não era ninguém: “Quem é ele?”, perguntara uma carta régia enviada de
Lisboa ao desembargador Torres, juiz do processo. “Não é pessoa que tenha
figura,
nem valimento, nem riqueza”, foi a resposta. Além do mais, quem levaria
a sério um movimento chefiado por um simples Tiradentes? Enforcá-lo e
esquartejá-lo, portanto, teria o efeito máximo como advertência e o mínimo
como repercussão.
UM SÍMBOLO BRASILEIRO
Não se sabe como eram as verdadeiras feições de Joaquim José da Silva Xavier. Todos os retratos são
fictícios – embora nenhum tenha seguido informações vindas de fonte segura. O depoimento de frei
Penaforte assegurava que, ao ser conduzido ao patíbulo, o réu estava “com a barba e a cabeça
raspadas”. Mas tais fatos eram adversos ao processo de mitificação do Tiradentes – e foram
ignorados. Na mais brilhante análise da fabricação do mito de Tiradentes, feita por José Murilo de
Carvalho no livro A formação das almas – O imaginário da República no Brasil
(no qual se baseiam as