HECK, J. N.
Bioética: Contexto Histórico, Desafios e Responsabilidade
ethic@,
Florianópolis, v.4, n.2, p.123-139 , Dez 2005.
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diretiva à mão. O ponto de vista seletivo, restrito ou especializado, cria nesse caso a ilusão de que as
medidas tomadas estão certas.
O paradoxo da responsabilidade em sociedades com padrões operacionais altamente
diversificados não consiste em tomar decisões sob condições incertas,
mas em decidir com base em
certezas aparentes, vale dizer, quanto menos o agente social sabe o que ignora, tanto mais tende a
avaliar seu saber seletivo como conhecimento sólido e confiável. Em suma, o futuro consiste no incerto
que acaba ocorrendo com certeza.
O conceito de responsabilidade cobre progressivamente o campo da organização sistêmica de
cadeias seqüenciais com caráter autodinâmico. Paralelamente à diferenciação crescente de novos
domínios funcionais emergem centros de operação dos quais se esperam regras
capazes de articular as
responsabilidades diluídas sistema afora. No foco da discussão moral estão, sobretudo, as conseqüências
imprevisíveis do progresso econômico e industrial, os avanços científicos e tecnológicos, as intervenções
ecológicas e genéticas na natureza e os impactos sociais e políticos do capitalismo tardio. A armação
cuidadosa dos efeitos de decisões em aparatos complexos não tem por conseqüência a diluição de
responsabilidades, mas repõe a pergunta crucial pelo alcance das mesmas no seio do sistema. Quanto
mais bem tecidas as interdependências de condutas globais são e quanto mais difícil torna-se localizar
agentes aos quais possam ser imputados os efeitos de ações abrangentes na esfera ambiental tanto
mais cresce no seio da comunidade maior a demanda por esteios, instâncias e sujeitos responsáveis
nos domínios da bioética.
O clamor generalizado por mais responsabilidade constitui mera reação
à crise que envolve
os clássicos esquemas de imputação herdados do iluminismo. A tendência de generalizar
responsabilidades leva à globalização da irresponsabilidade. A moralização daquilo que é incapaz de
ser imoral compensa o déficit crescente da imputabilidade pela expansão da mesma, seja como
irresponsabilidade mundialmente bem organizada, seja como responsabilidade global
desorganizada
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.
Em
tal contexto, a bioética encontra-se no lado luminoso do reverso claro-escuro de um
conceito difuso de imputabilidade. Importa confrontar o discurso bioético com seu alter-ego
semântico.
Para a filosofia, este é o núcleo duro da bioética.
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