HECK, J. N.
Bioética: Contexto Histórico, Desafios e Responsabilidade
ethic@,
Florianópolis, v.4, n.2, p.123-139 , Dez 2005.
126
tradicional, restrita à normatização do exercício profissional da medicina e despreparada para responder
às profundas mudanças no contexto das ciências biológicas. “O fenômeno da bioética” escreve Hugo-
Tristam Engelhardt (1941-), filósofo e médico texano, “está associado sob vários
aspectos à
desprofissionalização da ética médica e sua reconceitualização como disciplina secular, orientada
filosoficamente, não dependente dos profissionais de saúde”
6
.
A tradicional prática biomédica corporifica um
ethos estamental que ordena prioritariamente
as relações dos profissionais em medicina entre si e prevê, apenas subsidiariamente, indicativos para
condutas
externas, de modo que a relação médico-paciente permanece secundária. A bioética denuncia
ab initio o paternalismo médico com pacientes e reivindica sua substituição por uma relação profissional
transparente e responsável. A nova disciplina surge e se afirma com respostas qualificadas frente ao
conflito entre ética médica deontológica e as reivindicações dos cidadãos por maior transparência e
responsabilidade pública a par com as conquistas das ciências biológicas.
Os primórdios do novo ramo do conhecimento confundem-se com a exaltação vigorosa de
princípios que, desde tempos imemoriais, batem de frente com as artimanhas da vida, as crueldades do
destino e a ternura da morte certa. São teológicas as duas mais incisivas
obras que precedem o
estabelecimento da bioética no cenário acadêmico norte-americano. Em 1954, o teólogo protestante
Joseph F. Fletcher publica o livro
Morals and Medicine. The Moral Problems of the Patient Right
to Know the Truth, Contraception, Artificial Insemination, Sterilization, Euthanasia. O texto é
considerado pioneiro no campo dos direitos dos pacientes e antecipa grande parte da problemática
assumida pela bioética.
O segundo livro, intitulado
The Patient as Person. Exploration in Medical
Ethics, lançado em 1970 pelo teólogo protestante Paul Ramseys, é visto como texto propedêutico
básico à bioética.
No início da década de setenta o termo “bioética” já se institucionaliza como alternativa à
tradicional ética profissional no âmbito da medicina e se configura como ética médica de cunho filosófico,
apta a abarcar pontos de vista normativos não congruentes entre si. Esse é o caso de duas iniciativas
da época voltadas para criação de institutos de pesquisa direcionados para o que até hoje se entende
por bioética. O ginecologista André Hellegers
funda na Georgetown University, em Washington D.C.,
o
Joseph and Rose Kennedy Institut for the Study of Human Reproduktion and Bioethics, atualmente
conhecido como
Kennedy Institut of Ethics; Daniel Callahan e Willard Gaylin criam nas redondezas
de Nova Yorque o
Institute for Society, Ethics and the Life Science, que constitui hoje o
Hastings
Center Studies. Com base no artigo de D. Callahan “Bioethics as a Discipline”, publicado em 1973,
a Livraria do Congresso Americano introduz, em 1974, o termo “bioética” em seu catálogo bibliográfico.
7
No final dos anos setenta, a jovem ciência apresenta a
Encyclopedia of Bioethics
8
, obra de
quatro volumes, com cerca de 2.000 páginas e 290
colaboradores, já ampliada na reedição de 1995.
Compartilhe com seus amigos: