Figura 35: Desenhos da órbita da Terra com uma mistura de perspectivas: o eixo é
desenhado “de perfil” e, a órbita, “de cima”: (a) The; (b) Iza.
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Ao questionarmos esta incoerência de perspectivas junto às professoras,
percebemos que elas acreditavam que, com este novo desenho, apenas haviam
corrigido a forma equivocada com que anteriormente representavam a órbita
terrestre
−
como uma elipse de “achatamento” bem visível
−
, e que, desde antes,
elas imaginavam estar representando a órbita terrestre vista “de cima”, sem sequer
suspeitar que, nas figuras apresentadas nos livros didáticos, era usada uma
perspectiva oblíqua… Ou seja, elas imaginavam que a forma da órbita da Terra,
vista ao longo de uma direção perpendicular ao plano da órbita, era exatamente
aquela que aparecia nos desenhos, com a Terra passando por dois pontos mais
próximos do Sol (nas duas posições sobre o semi-eixo menor da elipse), por dois
mais afastados (nas duas posições sobre o semi-eixo mair) e com o Sol bem no
centro da elipse. De fato, algumas professoras demonstraram grande surpresa,
durante o desenvolvimento das atividades do módulo 6, ao saber que o Sol ficava
situado em um dos focos da elipse, e não no seu centro, como ele sempre
aparece no desenho padrão.
Obtivemos ainda mais informações acerca da noção das professoras sobre
os movimentos da Terra a partir do trabalho com o modelo tridimensional, com a
Terra sendo representada por uma bola de isopor e, o Sol, por uma lâmpada. Na
questão 6.4, além de uma resposta verbal e um desenho, também era solicitada a
reprodução do movimento da Terra no espaço da maneira como elas o
imaginavam, mostrando-o às colegas e aos coordenadores do curso.
Durante esta atividade pudemos observar o seguinte:
- Todas as professoras se preocupavam em representar os dois
movimentos: rotação e translação.
Isso parece reafirmar o que já havia sido evidenciado pelas respostas
verbais: que acha-se bem arraigado no senso comum das professoras que “a
Terra apresenta os movimentos de rotação e translação”.
- Revelaram pouca preocupação com relação à distância que a Terra
deveria manter do Sol, às vezes variando-a ao longo do movimento, algumas
dando a impressão de tentar reproduzir a órbita elíptica da Terra, de acordo com a
sua concepção
38
. Em geral, elas faziam o movimento da Terra em sua órbita
38
De acordo com a qual, como vimos, a órbita teria um “achatamento” bem perceptível.
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mantendo a bola que representava a Terra bem próxima da lâmpada que
representava o Sol.
Interpretamos esse comportamento como mais um sinal da influência das
imagens padronizadas da órbita da Terra, nas quais também não há qualquer
preocupação com as proporções reais. Nas quais a Terra sempre parece estar
bem próxima do Sol, a uns poucos diâmetros terrestres, e a órbita parece ser uma
elipse visivelmente “achatada”.
- As professoras sempre movimentavam a Terra num plano horizontal,
porém não revelavam quase nenhuma preocupação quanto ao posicionamento do
plano da órbita em relação ao ponto em que se encontrava o Sol, fazendo com
que, em geral, a Terra se movimentasse num plano que não o continha.
Esse fato nos pareceu evidenciar uma nítida ausência de preocupação com
a terceira dimensão, que, mais uma vez, nos parece resultante de uma concepção
de órbita calcada numa representação bidimensional: a imagem padronizada que
aparece nos livros didáticos.
Em resumo, a concepção das professoras sobre os movimentos da Terra
parece ser baseada, sobretudo, na imagem padronizada da órbita da Terra que
aparece nos livros didáticos, somada a enunciados, também padronizados, de que
“a Terra possui os movimentos de rotação e translação”, “Rotação é o movimento
em torno de si mesma” e “Translação é o movimento em torno do Sol”.
Órbita e movimento são pensados como a mesma coisa, permanecendo
indistintos; rotação e translação também não são claramente distinguidas
cinematicamente e são noções que parecem ser particularizadas para o caso da
Terra, que são concebidas, primordialmente, como movimentos da Terra.
A forma da órbita seria a de uma elipse com um “achatamento” bem visível,
com o Sol no centro. As proporções reais não são obedecidas, ao contrário,
aparecem completamente distorcidas: o Sol pode ser menor do que a Terra e a
distância da Terra ao Sol seria de poucos diâmetros terrestres. Pouca atenção
parece ser dada às distâncias e proporções, e mesmo à terceira dimensão
espacial. A essência do modelo das professoras para o sistema Terra-Sol parece
ser mais topológica que geométrica: o fundamental parece ser o fato de a Terra
permanecer girando nas vizinhanças do Sol, próxima dele, à sua volta, do que a
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consideração da distância real em que ela faz esse movimento, a forma exata e o
plano de sua trajetória no espaço tridimensional.
As professoras sabem também que a rotação acha-se associada à duração
do dia e, a translação, à do ano. Contudo, nem todas consideram a rotação como
sendo a responsável pelos dias e noites, ou a base para a marcação das horas,
enfatizando, nestes casos, muito mais o movimento do Sol, visto da superfície da
Terra, ou o da Terra em torno do Sol.
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