Figura 4:
Modelo de
universo construído por Cris (8 anos):
T: o “planeta Terra”; L: Lua; S: Sol; E: estrela; TC: a “Terra-chão”.
Figura 5: Modelo de universo
construído por Gab (7 anos):
T: Terra; L: Lua; S: Sol; E: o “espaço”; E1, E2: estrelas.
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O céu que Cris representa acima de sua Terra plana, pela disposição
dispersa tanto em altura como para as laterais dos quatro astros representados,
parece ser do tipo “semi-espaço”, como anteriormente descrevemos.
Já o modelo de Gab (7 anos), que acha-se esquematizado à fig.5, chama
imediatamente a atenção pela disposição vertical, em série, dos astros
representados. Ele usa apenas dois fios contíguos para prender todos os seus
astros. Numa classificação inicial que havíamos feito, tínhamos chamado o
universo de Gab de um “universo coluna”. Imagem que lhe parece bem
apropriada. A Terra, distintamente, é o astro que fica mais embaixo. Todos os
demais ficam praticamente sobre o seu topo.
Nossa interpretação desta disposição peculiar dada por Gab aos astros
de seu céu é a de que ela é fortemente marcada (como todos os modelos desta
categoria) pela concepção realista da existência de uma vertical absoluta, de
que todos os astros estão no alto, no céu, sobre nossas cabeças; que essa
direção “para cima” é única, absoluta. Outra hipótese que também nos parece
plausível é a de que a percepção que Gab tem do céu, a maneira como ele o
olha, quando o olha e percebe (base na qual sempre estão fundadas as crenças
realistas ingênuas), talvez corresponda simplesmente ao gesto de olhar para o
alto, para o zênite, e não para os lados, próximo ao horizonte. Esse modo
especial de olhar o céu poderia ser determinante para sua representação de
céu, fazendo com que ela apresentasse uma verticalidade acentuada. O céu de
Gab nos parece ser menos que um semi-espaço, reduzindo-se a um “céu
coluna”, praticamente unidimensional.
Outros dois pontos interessantes a serem observados com relação ao
modelo de Gab é que ele representa, de maneira semelhante a um astro,
através de um disco, algo que para ele é o “espaço”, como já nos referimos no
item em que discutimos as noções de céu e espaço. O outro ponto é que, desta
maneira, de um modo um pouco mais sutil que o de Cris, ele também revela
conceber duas Terras: uma que está embaixo de seu céu realista ingênuo
24
−
a
Terra em forma de esfera
−
e outra no alto, no espaço, no qual ele diz em sua
entrevista que existe “astronauta” e “globo terrestre”; ou seja, para ele existe
uma Terra, aqui embaixo, e também um “globo terrestre”, que fica lá no alto, no
24
Além da verticalidade, outras marcas realistas ingênuas neste seu universo são as
representações da Lua e do Sol, ambas planas: a Lua falcada, o Sol um disco.
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espaço. O que torna mais difícil a compreensão de que este é o seu
pensamento é que a Terra que ele está intuitivamente considerando como
Terra-chão, nesta sua representação de isopor
25
, é uma esfera, ou seja,
também é uma Terra-planeta, um “globo terrestre”, só que, sutilmente, ela está
desempenhando o papel de uma Terra-chão.
Mari (9 anos) também construiu um modelo semelhante ao de Gab, com
o Sol, a Lua e as estrelas exatamente sobre a Terra, em coluna, só não
representa o espaço localizado imaginado por Gab e acrescenta, acima dos
demais astros, um planeta com anéis, que ela diz ser Marte.
Hel (6 anos), cujo modelo acha-se esquematizado à fig.6, por sua vez,
também o constrói deixando a Terra destacadamente abaixo de todos os outros
astros. Já o seu céu, num contraste interessante com o “céu-coluna” de Gab e
Mari, é nitidamente plano: fora a Terra, todos os demais astros por ela
representados
−
a Lua, o Sol e cinco estrelas
−
dispõem-se ao longo de uma
camada plana, horizontal relativamente estreita. É interessante notar a
coerência desta sua representação com a que foi expressa em seu desenho,
que serviu de protótipo para a categoria “céu plano” discutida no item acerca
das concepções de céu e espaço. Podemos formular uma hipótese semelhante
à lançada no caso de Gab, baseada no jeito com que a criança observa o céu,
que determinaria o tipo de crença realista por ela construída: possivelmente Hel
observa o céu olhando não só para o alto (como, supomos, ocorre no caso de
Gab), mas também para os lados, próximo ao horizonte, e imagina este céu
sobre sua cabeça estendendo-se, como um teto plano, para além do horizonte.
Kel (11 anos) montou um modelo semelhante ao de Hel, com todos os
astros formando uma camada plana sobre a Terra, apenas com a diferença
que, como ocorreu com todas as crianças com mais de 8 anos, Kel também
representou alguns planetas (Saturno e Marte) em seu universo, dispondo-os
também nessa camada acima da Terra.
Denominamos esta primeira categoria de “Terra embaixo, céu em cima”
para caracterizar de maneira eloqüente o que consideramos como sendo a
convicção (realista ingênua) mais forte e evidente embutida nestes modelos: a
de que há uma direção vertical absoluta válida para todo o universo, um “para
25
As representações da Terra que Gab fez com massa de modelar e no desenho são de uma
“Terra-chão”.
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cima” e “para baixo” univocamente definidos, absolutos. O universo assume
assim uma forma hierarquizada muito bem definida: a Terra em que vivemos
fica embaixo e o céu, com todos os astros, em cima.
Terminamos a descrição desta categoria ressaltando uma observação
que já foi feita na discussão do modelo de Gab: embora quatro das cinco
crianças que classificamos nesta categoria (Gab, Mari, Hel e Kel) tenham usado
para representar “a Terra que fica embaixo” uma bola de isopor, isto é, uma
“Terra-planeta” esférica, a impressão com que ficamos é que ela está
desempenhando, dentro do contexto destes modelos, como um camaleão, o
papel de uma “Terra-chão” plana, pois a visão de universo neles esboçada
remete inteiramente à uma perspectiva do céu/universo como ele é visto de
nosso referencial local, no chão. Parece-nos assim que as crianças usam uma
Terra esférica, mas pensam como se estivessem olhando este universo de um
chão plano.
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