AS ESTRELAS
Assim como o Sol e a Lua, sobre as estrelas também obtivemos dados
acerca de sua concepção em três etapas da entrevista: na sua confecção como
massa de modelar, através de seu desenho e da escolha do modelo de isopor.
Com exceção de uma única adolescente, que representou as estrelas de
isopor através de pequenas esferas, em nossa amostra predominou
amplamente a representação tradicional de estrela na forma de um objeto plano
e com pontas. Evidentemente trata-se de uma concepção realista ingênua, pois
é exatamente esta a aparência com que elas se apresentam aos nossos
sentidos, seja a olho nu, ou mesmo através de telescópios, tamanha a distância
até elas.
Uma das crianças (Fer, 9 anos) chegou a mencionar espontaneamente,
ao longo da entrevista, que leu num livro que “o Sol também é uma estrela”,
mas não deu nenhuma mostra adicional de que tenha estabelecido
efetivamente alguma relação entre as suas concepções de estrela e de Sol.
Outro componente que parece essencial na concepção de estrela, e foi
mencionado por praticamente todas as crianças é o de que elas são luminosas.
Fer (9 anos), por exemplo, define uma estrela simplesmente como “uma luz que
fica no céu”.
Um dado interessante que obtivemos foi o de que mesmo as crianças
que já apresentavam a concepção de Terra mais avançada e próxima do pólo
conceitual
−
a “Terra esférica”, como anteriormente denominamos
−
, em sua
grande maioria mantinham uma concepção de estrela com fortes traços
realistas:
- consideravam-nas pequenas e relativamente próximas, isto é, não mais
distantes que os demais astros do sistema solar;
- representavam-nas quase exclusivamente na tradicional forma plana
com pontas;
- dispunham-nas geralmente “no alto” do modelo de universo construído
durante a “viagem”.
O último ponto merece um esclarecimento maior: durante a “montagem”
do universo que ocorria a medida que a criança ia realizando as viagens fictícias
aos astros escolhidos por ela própria, ou indicados pela entrevistadora (quando
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a criança ainda não tivesse “viajado” para algum dos astros considerados
essenciais: o Sol, a Lua e as estrelas), percebemos algo muito interessante:
havia uma correlação entre o tipo de concepção do astro
−
realista ingênua ou
conceitual
−
que a criança apresentava e a posição em que o mesmo era
disposto no seu modelo de universo. Por exemplo, crianças que escolhiam um
Sol na forma de disco ou uma Lua também plana, em forma de disco ou falcada
−
concepções realistas ingênuas
−
geralmente os colocavam numa posição
acima daquela da sua Terra de isopor e da sua própria cabeça, enquanto que
as crianças que optavam por representações mais conceituais, como o de uma
Lua e um Sol esféricos, e de planetas (as representações destes, como
discutiremos no próximo item, são sempre conceituais), geralmente tendiam a
colocá-los no mesmo nível que a Terra e na mesma altura que a sua cabeça,
em frente aos seus olhos, ou um pouco abaixo. Assim a própria posição em que
os astros eram dispostos fornecia um forte indício acerca da natureza da
concepção que a criança possuía sobre aquele astro: quando se tratava de uma
concepção realista ingênua, a criança geralmente o imaginava “no alto”, acima
de sua cabeça
−
posição em que sempre o vê quando o observa no céu
−
, já
quando se tratava de uma representação conceitual, a criança geralmente
imaginava o astro como é visto pelo “olho da mente”, objetivado, à sua frente,
não “no alto”.
Com as estrelas, o fato interessante que observamos é que, em geral,
elas eram as últimas a “descer”, isto é, as últimas a serem concebidas
conceitualmente e dispostas no mesmo plano que a Terra e os demais astros
do sistema solar. Mesmo no caso de algumas crianças que já apresentavam
uma visão bem conceitual da Terra, do Sol, da Lua e dos planetas, as estrelas
ainda se dispunham numa camada acima dos demais astros, constituindo-se
assim, ao que parece, no último baluarte do realismo ingênuo. Lau (10 anos) é
um exemplo típico: possui uma concepção de Terra inteiramente de acordo com
a visão científica, com a gravidade apontando para o seu centro, o céu a toda a
sua volta; o seu Sol e a sua Lua eram esféricos, situavam-se no mesmo plano
que a Terra, bem como o planeta Vênus; o Sol dispunha-se num canto,
afastado dos planetas e da Lua, dando a entender que havia uma hierarquia no
sistema solar por ela concebido, com o Sol desempenhando um papel de
destaque. Entretanto, todas as seis estrelinhas que ela escolheu, eram da forma
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tradicional, planas, com pontas, e dispostas num nível acima dos demais astros
(veja fig. 9), formando claramente uma camada “realista” acima do sistema solar
“conceitual” por ela esboçado.
As
explicações
dadas
pelas
crianças
menores
acerca
do
desaparecimento das estrelas do céu durante o dia são semelhantes às dadas
para o desaparecimento do Sol a noite e do pretenso desaparecimento da Lua
durante o dia: as nuvens tampam ou as estrelas vão para longe, ou para o
espaço.
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