Síntese das concepções acerca da Terra
Ao longo de nosso levantamento de concepções relativas à Terra, o que
nos pareceu ser o seu traço mais marcante foi sua radicação em enunciados ou
imagens padronizados, os quais geralmente são veiculados de maneira
fragmentada, desacompanhados de uma explicação de seus fundamentos e
significado, do contexto em que foram concebidos, sendo assim interpretados
pelos professores da maneira que é possível: de acordo com seu senso comum.
Por exemplo, a forma da Terra é concebida com sendo a de uma esfera
achatada com base no enunciado padronizado que diz que “a Terra é achatada
nos pólos” e nas imagens, também padronizadas, dos planisférios terrestres. O
enunciado vem desacompanhado de qualquer explicação acerca do valor diminuto
do achatamento em relação ao próprio raio da Terra
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e, a imagem, de qualquer
explicação sobre o sistema de projeção utilizado
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. Consequência: a Terra é
concebida como uma esfera que possui um achatamento exagerado, uma
verdadeira superfície plana, em seus pólos…
Com efeito, estes enunciados e imagens padronizados parecem constituir o
cerne da maior parte das concepções das professoras relativas à Terra, a partir do
qual elas fazem suas inferências e elaboram seus modelos. Evidentemente sua
origem é cultural, tratando-se de um conhecimento conceitual, embora
empobrecido pela falta de indicação do contexto em que foram concebidos, da
rede de relações lógicas a que se acham ligados, fora da qual seu sentido se
esvazia completamente. Nesse levantamento sobre as concepções de Terra só
nos deparamos com duas principais crenças cuja origem parece ser realista
ingênua, isto é, parecem baseadas essencialmente na percepção pessoal,
imediata das propriedades dos objetos que nos cercam: a de que a direção
vertical é única e a de que o aquecimento dos objetos por uma dada fonte de
luz e calor só depende da distância dos objetos a ela. Poderíamos também
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O “achatamento”, ou seja, a diferença no valor do raio da Terra nos pólos em relação ao seu valor
no equador corresponde a apenas cerca de 0,3% de seu valor médio.
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Nossa experiência indica que a maior fonte de informações das professoras acerca de
Astronomia, onde elas aprenderam quase tudo o que sabem desse tema, é o livro didático, sendo
assim seria interessante investigar se estas omissões ocorrem por uma falha do livro didático ou na
assimilação das informações nele contidas pelas professoras. A julgar pelos resultados
apresentados no artigo de TREVISAN et al. (1997), parece que grande parte da responsabilidade
por essas omissões cabe efetivamente ao livro didático.
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acrescentar a crença de que a Terra é plana que, inconscientemente, parece ainda
atuar, favorecendo, por exemplo, a adoção do modelo da Terra esférica achatada.
Essas crenças se somam ao conjunto de enunciados e imagens padronizados
formando um núcleo de conhecimento utilizado na fundamentação de grande parte
das concepções das professoras relativas à Terra por nós levantadas, constituindo
o seu senso comum relativo à Terra como planeta.
Outro fator evidenciado em nosso levantamento, que parece desempenhar
um papel importante na estruturação das concepções das professoras é a sua
maneira de representar o espaço que parece ainda bastante marcada pelo uso de
relações topológicas, como as de vizinhança, ordem e envolvimento, em
detrimento de relações geométricas e projetivas, com a consideração de medidas,
proporções, coordenadas e perspectivas. Isso evidencia-se nas concepções
relativas aos movimentos da Terra e às estações do ano e na ausência quase
completa de aplicação de noções quantitativas e geométricas ao longo de quase
todo o espectro de concepções por nós levantado. Ponto esse que será
especificamente discutido à seção II.4.
No quadro apresentado nas páginas seguintes, exemplificamos, por tema,
alguns dos principais enunciados, crenças e imagens detectados ao longo de
nosso levantamento, que parecem fundamentar algumas das mais freqüentes
concepções iniciais das professoras
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. Na primeira coluna indicamos o tema, na
segunda o(s) enunciado(s) ou crença(s) realista(s) ingênua(s), na terceira as
imagens padronizadas e, na quarta e última, a concepção resultante do uso dos
enunciados, crenças e/ou imagens.
Esclarecemos que usamos a expressão “representação padrão da Terra”
para nos referir à imagem padronizada da Terra em que ela é representada
através de uma figura circular com os oceanos e continentes esboçados, os pólos
alinhados na vertical, o equador na horizontal, com (ou as vezes sem) o desenho
de meridianos e paralelos, que pode ser exemplificada pelo desenho feito por The
e apresentado à fig. 31(a).
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A listagem de concepções apresentada na tabela não é, evidentemente, exaustiva, há várias
outras, indicadas ao longo de nossa apresentação, que também detectamos, mas cuja
fundamentação não parece residir apenas no conjunto de enunciados, crenças e imagens
padronizadas exemplificados no quadro.
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