Estudos de Religião, Ano XXI, n. 33, 121-135, jul/dez 2007
O esforço da Igreja para casar os seus fiéis vem de longa data. O Con-
cílio de Latrão, reunido em 1215 pelo papa Inocêncio III, elaborou a legisla-
ção do matrimônio, alçado à sacramento em 1439, num outro Concílio, o de
Florença. Desde o século VIII a instituição se bateu em favor da monogamia.
Sim, pois os reis francos eram polígamos e a poligamia, meio de exibir rique-
za, poder e alianças políticas. Clotário, por exemplo, teve seis esposas! Um
exagero que interferia tanto em questões dinásticas, quanto enfraquecia a
noção mesma de casamento. A reforma gregoriana no século XI definiu,
portanto, que clérigos devem respeitar o celibato e os casados, a monogamia.
Uns e outros nunca foram totalmente fiéis às exigências da Igreja. Concubinas
e amantes, como sabemos, resistiram. Mas a poligamia desapareceu.
Tais decisões atingiram, de um modo ou de outro, as normas comuni-
tárias que, de alto a baixo da escala social, regulavam as uniões conjugais no
Ocidente cristão. Variando regionalmente, segundo tradições e culturas dos
povos europeus, os ritos matrimoniais espelhavam sempre uma aliança que
atendia, antes de tudo, a interesses ligados à transmissão do patrimônio, a
distribuição de poder, a conservação de linhagens e ao reforço de solidarie-
dades de grupos. Simplificando, diríamos que eles mais eram associação entre
duas famílias – diferentemente de hoje, que é associação entre duas pessoas
– para resolver dificuldades econômicas e sociais, sem padre nem altar.
Mais importante do que as uniões abençoadas eram as “promessas de
casamento” feitas pelo homem à família da noiva – os chamados esponsais
ou desponsórios. Comemorados com grandes festas e troca de presentes, eles
autorizavam aos olhos da comunidade a coabitação dos futuros cônjuges. A
intervenção eclesiástica nesse processo tornou-se crescente a partir do século
XIII, mas se adaptou, em geral, aos costumes de cada lugar.
Assim, em meados do século XVI, já existiam, do lado católico, dois
objetivos a propósito do casamento: reafirmá-lo como sacramento, pois pro-
testantes, como Lutero, o julgavam apenas “necessidade física”. E convertê-
lo em instituição básica da vida dos fiéis, eliminando os ritos tradicionais e
substituindo-os por uma cerimônia oficial, e aí, com padre e altar.
O casamento não era exatamente assunto que tivesse a ver com sentimen-
tos. É que o sacramento ou os ritos que o cercavam se baseavam em critérios
mais pragmáticos do que aqueles cantados pelos trovadores medievais que,
então, se referiam a jardins floridos e encontros de amantes. Mas, onde, afinal,
se escondia o amor? Na introdução do seu O sexo e o ocidente – um jeu de mot
com a obra de Denis de Rougemont, O amor e o ocidente – Jean-Louis Flandrin
lembra bem que durante séculos o amor foi o tema preferido de poetas e ro-
mancistas e que, aparentemente, muito pouco mudou entre, por exemplo, os
séculos XIII e XX. Mas não seria o mesmo “amor” que se cantaria ao longo de
Pequena história de amor conjugal no Ocidente Moderno
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