A vida exemplar de Sor. Maria de Jesus, uma agostiniana estigmatizada do
Convento de Santa Mônica de Goa (1604-1683)
Rozely Menezes Vigas Oliveira
Introdução
As publicações de vidas exemplares e de santos tiveram um expressivo aumento em
Portugal de finais do século XVI, que persistiram ao longo do século XVII e mantiveram-se
até meados do século XVIII. Tal difusão não se justificava somente pela decisão tridentina
que pretendia ratificar o culto aos santos diante dos ataques protestantes, mas também pelo
caráter reformista da Igreja Católica do período que com essas vidas poderia propagar
modelos de comportamento e de religiosidade ao glorificar os feitos e experiências das
personagens relatadas.
A vida edificante de Sor. Maria de Jesus, freira do Convento de Sta. Mônica de Goa,
faz parte das milhares de biografias editadas nesse período em Portugal. Esses
livros
difundiram exemplos santos e virtuosos definidores do comportamento feminino religioso. De
caráter educativo, estavam destinados a disseminar uma visão de mundo pela ascese.
O
presente trabalho pretende realizar uma breve análise sobre o processo da construção de
modelos de santidade feminina a partir da biografia da freira descrito na obra
História da
fundação do Real Convento de Santa Mônica de Goa, de Fr. Agostinho de Sta. Maria (1699),
e do relato sobre a constatação das chagas no corpo falecido da mesma e sua vida santa,
escrito pelo secretário do Estado da Índia, Luís Gonçalves Cotta, em 1683.
O crescimento das publicações de vidas exemplares fez parte de um processo que
envolvia a proliferação de variados tipos de gêneros da escrita religiosa em que caminhavam
lado a lado com as crônicas conventuais de fundação. Muitas vezes, como é o exemplo da
obra de Sta. Maria, a narrativa dos anos iniciais do convento era seguida pelos relatos das
vidas de freis e freiras que haviam se destacado na vida comunitária. De acordo com Avelino,
muitas ordens escreveram sobre suas comunidades impulsionadas tanto pelas reformas
religiosas quanto por uma preocupação humanista com o passado e com a erudição
(AVELINO, 2015: 114). A necessidade de responder aos protestantes e também de promover
uma reforma interna na Igreja fez com que a novidade da imprensa fosse utilizada para defesa
Doutoranda pelo PPGHS da UERJ-FFP, agência financiadora FAPERJ.
e propagação da fé e moral católicas. Enquanto isso, o humanismo ia incorporando “a
dimensão da história nas ‘consciências religiosas’” (GONÇALVES, 2015: 17). A
História da
fundação, como tantas outras daquele período, tinha como intenção narrar a história de um
convento – no caso o convento das Mônicas de Goa – inserido no contexto de uma ordem,
que, consequentemente, estavam todos introduzidos numa conjuntura maior da história do
cristianismo.