Resumo
A quebra da autoridade do historiador
acadêmico sobre a produção do conhe-
cimento histórico no contexto da difu-
são das mídias digitais é o centro da re-
flexão aqui proposta. Parte-se da
consideração da historicidade dos sujei-
tos da produção e do consumo da histó-
ria, passando aos desafios lançados pela
difusão exponencial da história possibi-
litada pela internet, para se chegar à dis-
cussão da função social do historiador
acadêmico hoje.
Palavras-chave: Historiografia; história
pública; mídias digitais.
Abstract
The breakdown of academic historians’
authority over the production of histori-
cal knowledge in the context of digital
media dissemination is the axis of reflec-
tion here unfolded. It starts from the
consideration of the historicity of the
subject of production and consumption
of history, then moving on to the chal-
lenges posed by the exponential spread
of history made possible by the internet,
to get to the discussion of the social func-
tion of the academic historian today.
Keywords: Historiography; public his-
tory; digital media.
* Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil. jurandirmalerba1@gmail.com
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os historiadores e seus públicos: desafios ao
conhecimento histórico na era digital
1
Historians and their audiences: Challenges to historical
knowledge in the digital age
jurandir Malerba*
Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 37, nº 74, 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1806-93472017v37n74-06
Em evento recente, ao procurar responder à questão de ¿por qué y para
quién escribimos?, a historiadora colombiana Marixa Lasso lançava, em chave
dramática, uma questão atual: a do enterro da profissão de historiador tal como
a conhecemos. Sentenciava, então, que “la profesión que hemos conocido du-
rante los últimos 50 o 70 años, la profesión en la que me formé, y en la que
todos nos formamos esta desapareciendo”. Para desenvolver sua afirmação, a
catedrática da Universidad Nacional de Colombia lança uma anedota: a per-
gunta que lhe fez um famoso historiador seu amigo: “¿por qué estas escribien-
do un libro, si con el esfuerzo que lleva escribir un libro puedes escribir cuatro
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artículos que te van a dar tres o cuatro veces el puntaje académico y salarial?”.
Sua resposta conduziu-a a outras questões, candentes no tempo presente e
igualmente pertinentes ao cenário acadêmico brasileiro: “en que formato es-
cribimos (libro o articulo especializado) y en qué idioma escribimos (inglés o
español). Lo que lleva a una pregunta aún mas importante ... ¿por qué escribi-
mos y para quién escribimos?”
(Lasso, 2016).
Na construção de seu argumento, Lasso abre para uma autocrítica que em
geral, talvez por imperativos corporativos, os historiadores evitamos encarar,
que é a de nosso afastamento do grande público. desde sua institucionalização
universitária com a inauguração da primeira cátedra por Leopold von Ranke
em Berlim em 1825, mas principalmente ao longo do século XX, a profissio-
nalização da história procurou identificar-se a um cânone científico,
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uma
história próxima dos métodos de outras ciências sociais, menos anedótica e
mais analítica, como a sociologia e a antropologia. Uma história que procurava
evitar o anacronismo e utilizar de maneira séria e profunda o método crítico
e os documentos dos arquivos. No esforço de se fazer da história uma ciência
social, porém, perdemos muito da nossa ligação com a literatura, começamos
a escrever numa linguagem técnica, para pares, e nos afastamos do grande
público (Lasso, 2016).
Sem mais avançar no desenvolvimento de seu argumento, o introito de
Marixa Lasso serve de pretexto para nossa aproximação ao objeto da relação entre
“o historiador e seus públicos hoje”. O melhor equacionamento desse problema,
parece-nos, exige a consideração de três conjuntos de questões, que dão corpo às
três seções constituintes deste artigo. Num primeiro momento, a relação histo-
riador/historiografia/público há de se ser colocada em perspectiva histórica, no
sentido de que tanto os sujeitos desse tripé quanto os meios (as mídias) de sua
conexão variaram em cada tempo/espaço considerado. Em segundo lugar, no
contexto dessa relação nos dias atuais, o advento dos meios digitais, nomeada-
mente a internet, alterou dramaticamente os elementos constituintes do trinô-
mio. Por fim, neste quadrante, em que a prática historiadora extravasa para além
dos circuitos institucionais tradicionais de tal modo a se questionar o próprio
sentido da história como disciplina acadêmica, a reflexão sobre o papel social do
historiador profissional impõe-se com fragorosa urgência.
Quem escreve história?
Um bom arranjo das dúvidas relativas à questão do historiador e suas
audiências hoje talvez seja a consideração do “círculo semiótico”,
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embora o
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desenvolvimento de meu argumento não se enrede propriamente por ele: a
relação entre emissor-mensagem-receptor, ou entre historiador-escrita histó-
rica/historiografia-público. As questões que emanam dessa propositura são
potencialmente infinitas e reclamam a definição de um caminho. O primeiro
item do tripé abre para questões de ordem ética, em torno da(s) res pon-
sabilidade(s) do(a) historiador(a). Mas quem é o historiador, hoje? O profis-
sional acadêmico treinado na universidade cada vez mais especializado que
escreve para os pares em revistas indexadas e ranqueadas, o diletante amador
que escreve em seu blog, ou o escritor leigo de história e autor de best-seller? A
depender da resposta a essa questão, variará o que podemos e devemos enten-
der pelo segundo item do tripé: o que é historiografia, qual historiografia?
Assim também para o que entendemos por “público”: os historiadores, leitores
de nós mesmos, o internauta curioso do passado ou o leitor diletante, que se-
leciona seus livros de história com base na indicação das colunas dos mais
vendidos dos cadernos de cultura? A complicar a equação, a questão da histo-
ricidade: “historiadores”, “historiografia” e “audiência” não foram sempre a
mesma coisa em todo lugar e em qualquer época.
Se estivéssemos trabalhando essas questões, digamos, depois da institu-
cionalização da história na universidade no século XIX e até o começo dos anos
1990, portanto, antes da difusão da internet –, a questão da relação entre his-
toriador/história (historiografia)/público passaria massivamente pela mídia
“livro”, conforme explorado nas últimas três ou quatro décadas pelos historia-
dores da história do livro e da leitura.
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Esse ramo da historiografia já abria para
essas questões hoje aqui postas. A propósito, esse segmento ganhou seus con-
tornos hoje conhecidos em 1957, quando em seu livro pioneiro The English
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