partir das suas experiências (...) A vivência de experiências matemáticas
adequadas desafia as crianças a explorarem ideias relacionadas com
padrões, formas, número e espaço duma forma cada vez mais sofisticada
(PIAGET, 1976, p.73).
Consequentemente, com o intuito de proporcionar uma educação infantil
que atenda aos princípios de Piaget ligados à curiosidade, entusiasmo e o desafio
das descobertas, é necessário modificar o quadro vigente. Nessa direção Oliveira
(2011, p.184) afirma que:
O planejamento curricular para as creches e pré-escolas busca, hoje, romper
com a histórica tradição de promover o isolamento e o confinamento das
perspectivas infantis dentro de um campo controlado pelo adulto e com a
descontextualização das atividades que muitas vezes são propostas às
crianças. O novo contexto educacional para a educação infantil requer
estruturas curriculares abertas e flexíveis.
Para tanto foi elaborado o Referencial Curricular Nacional para Educação
infantil (RCNEI) publicado pelo ministério da educação em 1998, que é composto
de várias recomendações e orientações didáticas, para os professores e demais
profissionais da educação infantil. Este documento serve de orientação
educacional que delimita os objetivos e conteúdos da educação infantil,
organizado em dois âmbitos de experiências designados formação pessoal e
social e o conhecimento de mundo.
Neste sentido o Referencial Curricular Nacional para Educação infantil
(BRASIL, 1998, p.46) afirma que:
É preciso ressaltar que esta organização possui um caráter instrumental e
didático, devendo os professores ter consciência, em sua prática educativa,
60
que a construção de conhecimentos se processa de maneira integrada e
global e que há inter-relações entre os diferentes âmbitos a serem
trabalhados com as crianças.
Para tanto, o âmbito de formação pessoal e social prioriza a construção do
sujeito e autonomia da criança, já o conhecimento de mundo refere-se à
construção das diferentes linguagens, das relações que estabelecem com os
objetos, contemplando os seguintes eixos de trabalho: Movimento, Artes visuais,
Música, Linguagem oral e escrita, Natureza e sociedade, Matemática. Esta
pesquisa, em especial, focará no estudo da matemática e suas relações com os
eixos apontados.
Fazer Matemática é expor ideias próprias, escutar a dos outros, formular e
comunicar procedimentos de resolução de problemas, confrontar, argumentar
e procurar validar seu ponto de vista, antecipar resultados de experiências
não realizadas, aceitar erros, buscar dados que faltam para resolver
problemas, entre outras coisas. Dessa forma as crianças poderão tomar
decisões, agindo como produtoras de conhecimento e não apenas executoras
de instruções (BRASIL, 1998, p. 2007).
No que diz respeito à Matemática, o Referencial Curricular Nacional para
Educação infantil (BRASIL, 1998) destaca três blocos de conteúdos a serem
trabalhados na Educação Infantil:
•
Números e sistema de numeração: Este bloco envolve contagem,
notação e escrita numérica e as operações matemáticas:
Contar é uma estratégia fundamental para estabelecer o valor cardinal de
conjuntos de objetos. Isso fica evidenciado quando se busca a propriedade
numérica dos conjuntos ou coleções em resposta à pergunta “quantos?”
(cinco, seis, dez etc.). É aplicada também quando se busca a propriedade
numérica dos objetos, respondendo à pergunta “qual?”. Nesse caso está
também em questão o valor ordinal de um número (quinto, sexto, décimo
etc.). Na contagem propriamente dita, ou seja, ao contar objetos as crianças
aprendem a distinguir o que já contaram do que ainda não contaram e a não
contar duas (ou mais) vezes o mesmo objeto; descobrem que tampouco
devem repetir as palavras numéricas já ditas e que, se mudarem sua ordem,
obterão resultados finais diferentes daqueles de seus companheiros;
percebem que não importa a ordem que estabelecem para contar os objetos,
pois obterão sempre o mesmo resultado. Podem-se propor problemas
relativos à contagem de diversas formas. É desafiante, por exemplo, quando
61
as crianças contam agrupando os números de dois em dois, de cinco em
cinco, de dez em dez, etc. (BRASIL, 1998, p. 220).
•
Grandezas e medidas: Este bloco envolve a exploração de
diferentes procedimentos de comparação de grandezas, introdução às noções de
medida de comprimento, peso, volume, marcação do tempo e experiências com
dinheiro:
As medidas estão presentes em grande parte das atividades cotidianas e as
crianças, desde muito cedo, têm contato com certos aspectos das medidas. O
fato de que as coisas têm tamanhos, pesos, volumes, temperaturas diferentes
e que tais diferenças frequentemente são assinaladas pelos outros (está
longe, está perto, é mais baixo, é mais alto, mais velho, mais novo, pesa meio
quilo, mede dois metros, a velocidade é de oitenta quilômetros por hora etc.)
permite que as crianças informalmente estabeleçam esse contato, fazendo
comparações de tamanhos, estabelecendo relações, construindo algumas
representações nesse campo, atribuindo significado e fazendo uso das
expressões que costumam ouvir. Esses conhecimentos e experiências
adquiridos no âmbito da convivência social favorecem a proposição de
situações que despertem a curiosidade e interesse das crianças para
continuar conhecendo sobre as medidas (BRASIL, 1998, p. 225).
•
Espaço e forma: Este bloco envolve a explicitação e/ou
representação da posição de pessoas e objetos, exploração e identificação de
propriedades geométricas de objetos e figuras, representações bidimensionais e
tridimensionais de objetos, identificação de pontos de referência e descrição de
pequenos percursos e trajetos:
As primeiras considerações que o homem faz da geometria parecem ter sua
origem em simples observações provenientes da capacidade humana de
reconhecer configurações físicas, comparar formas e tamanhos. Inúmeras
circunstâncias de vida devem ter levado o homem às primeiras elaborações
geométricas como, por exemplo, a noção de distância, a necessidade de
delimitar a terra, a construção de muros e moradias e outras. Podemos
afirmar que na origem de problemas geométricos concretos com os quais o
homem se envolve desde suas atividades práticas, está a necessidade de
controlar as variações de dimensões com as quais se defronta ao delimitar
seu espaço físico para morar e produzir (MOURA, 1995, p. 54).
Ressaltamos, no entanto, que esses conteúdos não devem ser trabalhados
isoladamente. De acordo com o Referencial, a abordagem dos mesmos deve
62
contemplar atividades integradoras. Assim, ao tratar desses conteúdos, Smole
(2000, p.62,) explica que:
Uma proposta de trabalho de matemática para a escola infantil deve encorajar
a exploração de uma grande variedade de ideias matemáticas relativas a
números, medidas, geometria e noções rudimentares de estatística, de forma
que as crianças desenvolvam e conservem um prazer e uma curiosidade
acerca da matemática. Uma proposta assim incorpora contextos do mundo
real, as experiências e a linguagem natural da criança no desenvolvimento
das noções matemáticas, sem, no entanto, esquecer que a escola deve fazer
o aluno ir além do que parece saber, deve tentar compreender como ele
pensa e fazer inferências no sentido de levar cada aluno a ampliar
progressivamente suas noções matemáticas.
O Referencial Curricular Nacional para Educação infantil (BRASIL, 1998)
mostra a importância do conhecimento matemático dentro do currículo da
educação infantil, de modo que uma discussão sobre o que é um currículo torna-
se necessária. Em especial, um ponto polêmico e bastante discutido trata das
intenções e objetivos do currículo nos diversos níveis de ensino. Sobre esse
assunto Kr
amer (1999, p. 14 apud Silva, 2010, p.9) afirma que: “currículo é uma
obra que está a meio caminho entre o texto puramente teórico e o manual de
atividades, configurando-se como instrumento de apoio à organização da ação
escolar e, sobretudo à atuação dos
professores”. Para Oliveira (2010, p.4):
O currículo busca articular as experiências e os saberes das crianças com os
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e
tecnológico
da
sociedade
por
meio
de
práticas
planejadas
e
permanentemente avaliadas que estruturam o cotidiano das instituições.
Assim o currículo tem como função organizar as práticas pedagógicas, as
disciplinas, instruir os meios de avaliação, levando em consideração o caráter
social de cada região. Portanto nesta mesma direção, Azevedo e Passos (2012,
p. 55) indicam que:
A partir do currículo da Educação Infantil destacamos o conhecimento
matemático, não porque o julguemos mais importante que outros, mas porque
torna necessário apropriar-se desse produto social que envolve a vida da
criança e relacioná-lo no processo de investigação e de motivação à
descoberta, ao conhecimento do mundo e ao gosto pelo conhecimento, visto
que é papel do professor potencializar e incentivar as linguagens das
crianças.
63
De uma maneira geral, os conteúdos matemáticos a serem trabalhados na
educação infantil devem proporcionar às crianças a oportunidade de construir os
conceitos matemáticos de maneira livre a partir do brincar, por meio de atividades
lúdicas que contemplem a participação ativa da criança, despertando a sua
curiosidade, partindo da sua interpretação de mundo de modo que valorize suas
potencialidades.
Aprender matemática não é só aprender uma linguagem, é adquirir também
modos de ação que possibilitem lidar com outros conhecimentos necessários
à sua satisfação, às necessidades de natureza integrativas, com o objetivo de
construção de solução de problemas tanto do indivíduo quanto do coletivo.
(MOURA, 2007, p. 62).
Portanto, a matemática está presente na vida das crianças com o objetivo
de ampliar suas habilidades, aumentar sua capacidade de resolver problemas,
desenvolver sua argumentação através dos questionamentos sobre resultados,
oportunizando desta forma, a autonomia delas. Nesse sentido, Lorenzato (2008,
p.1) afirma que:
A exploração matemática pode ser um bom caminho para favorecer o
desenvolvimento intelectual, social e emocional da criança. Do ponto de vista
do conteúdo matemático, a exploração matemática nada mais é do que a
primeira aproximação das crianças, intencional e direcionada, ao mundo das
formas e das quantidades.
Tendo em vista o fato de que as crianças utilizam a matemática
diariamente quando dividem seu lanche com os amigos, contando seus
brinquedos, mostrando a sua idade com os dedos, busca-se desenvolver a
matemática na educação infantil com um caráter integrador, proporcionando
atividades que desenvolvam a autonomia da criança, explorando seus
conhecimentos prévios e mantendo seu espírito divertido por meio de jogos e
brincadeiras.
De acordo com Goulart (1996), Piaget propõe:
Uma aprendizagem compreensiva requer que o professor conheça o
processo de pensamento do aprendiz, apresente problemas que lhe pareçam
interessantes e para os quais ele possa oferecer resposta. Isto significa, em
outras palavras, que o professor precisa sondar o nível de desenvolvimento
da criança antes de planejar o ensino (GOULART, 1996, p. 35).
64
Para trabalhar os conteúdos matemáticos na educação infantil deve-se
levar em conta que a criança desde seu nascimento interage com o meio com o
intuito de compreendê-lo. Sendo assim, Saber (1997) ressalta que cabe ao
professor interagir com as crianças e a partir de situações vividas por elas
compartilhar informações, oportunizando momentos de descoberta.
O trabalho com a Matemática pode contribuir para a formação de cidadãos
autônomos, capazes de pensar por conta própria, sabendo resolver
problemas. Nessa perspectiva, a instituição de educação infantil pode ajudar
as crianças a organizarem melhor as suas informações e estratégias, bem
como proporcionar condições para a aquisição de novos conhecimentos
matemáticos. O trabalho com noções matemáticas na educação infantil
atende, por um lado, às necessidades das próprias crianças de construírem
conhecimentos que nos incidam mais variados domínios do pensamento; por
outro, corresponde a uma necessidade social de instrumentalizá-las para
melhor viver, participar e compreender um mundo que exige diferentes
conhecimentos e habilidades (BRASIL, 1998, p. 207).
Atividades lúdicas são formas de trabalhar a matemática na educação
infantil. Da mesma forma, é importante citar a presença da matemática na música,
em histórias, na maneira de organizar o pensamento, nas brincadeiras e jogos.
Nesse sentido, Kamii (s/d, p. 22) diz que “para Piaget, o jogo é a construção do
conhecimento, pelo menos durante os períodos sensório-motor e pré-
operatório”.
A utilização de jogos e brincadeiras é importante para que as crianças
possam construir seu conhecimento sem desprezar a infância, e sem abdicar do
seu direito de brincar. Kamii (1990), ainda reforça que as brincadeiras infantis,
quando bem orientadas, despertam o interesse das crianças, criando situações-
problemas partindo do dia a dia de cada uma, oportunizando a interação entre
elas através de conflitos cognitivos.
Piaget (1970) diz que o desenvolvimento cognitivo ocorre quando é
apresentado um conflito cognitivo. O conflito cognitivo provoca instabilidade,
motivação, desordem, hesitação, desejo de saber. Ele manifesta-se quando
entendemos que existe algo contraditório em termos de conhecimento; é um
processo interno e pessoal. É um desequilíbrio, que oportuniza a procura de
condutas mais adaptadas ou adaptativas.
65
Por conseguinte, a construção do conhecimento acarretado por um
desequilíbrio se dá em busca de um processo de equilibração, considerado um
dos conceitos mais importantes da teoria piagetiana. Nessa perspectiva, na
Educação Infantil busca-se proporcionar todo tipo de episódio que possibilite
situações desequilibradoras, para que as crianças possam construir
conhecimentos significativos, por meio de modificações de suas estruturas
cognitivas.
Assim, o ambiente para ensinar matemática na Educação Infantil deve
proporcionar aos alunos momentos de exposição de ideias, discussão de
resultados e criação, de maneira a quebrar as práticas metódicas, em que a
matemática é ensinada apenas por meio de transmissão de conhecimento,
defendendo a oportunidade dos alunos realizarem suas descobertas e tornarem-
se agentes da sua própria aprendizagem. Conforme afirma Cerquetti-Aberkane e
Berdonneau (1997, p.4):
Lidar com Matemática é antes de tudo, oferecer à criança a oportunidade de
agir, e posteriormente levá-la a refletir acerca de suas ações: reviver em
pensamento os acontecimentos que acabaram de se desenvolver, antecipar o
que poderia vir a acontecer, procurar prever... Desta forma, ela não somente
poderá ser confrontada com uma quantidade razoável de fatos com os quais
progressivamente se familiarizará (principalmente através de repetidos
contatos), como também, e mais do que isso, irá elaborar imagens mentais
relativas a eles, e, ao vinculá-los e dar-lhes sentido, estruturar pouco a pouco
os seus conhecimentos.
Uma possibilidade metodológica coerente com a concepção piagetiana se
mostra por meio da resolução de problemas na educação infantil, por constituir
um espaço para os alunos realizarem descobertas e discutirem seus resultados,
possibilitando o registro de maneira a oportunizar-lhes o desenvolvimento do
pensamento matemático.
No trabalho com resolução de problemas é necessário primeiramente
entender o que é um problema. Tomando com base a concepção de Onuchic
(1999) apud Zuffi e Onuchic (2007, p.11):
[...] se entende por problema, “tudo aquilo que não se sabe fazer, mas que se
está interessado em resolve
r”, isto é, qualquer situação que estimule o aluno
a pensar, que possa interessá-lo, que lhe seja desafiadora e não trivial.
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Também é desejável que ela tenha reflexo na realidade dos alunos a que se
destina.
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