— Obrigado, bruxa — disse ele, arrancando o objeto de suas mãos e virando-
o de cabeça para baixo. Moedas se espalharam pelo chão
enquanto Gaston
conferia seu reflexo na base da caneca. Satisfeito com o que viu, ele a jogou de
volta para Ágata e passou reto por ela.
— Bom dia, Bela — disse ele, correndo para parar à frente dela. Ela deu um
passo para trás. — Esse livro é fantástico.
Bela ergueu uma sobrancelha.
— Você o leu?
— Eu fiz muitas coisas no exército — respondeu ele vagamente.
Bela engoliu uma risada. Levou menos de um minuto para ele mencionar o
exército.
Deve ser um recorde, ela pensou.
Com um gracejo, Gaston ofereceu-lhe as flores.
— Para sua mesa de jantar — explicou ele. — Poderia lhe fazer companhia
esta noite?
— Desculpe —
disse Bela apressadamente, balançando a cabeça. Ela se
moveu devagar ao redor dele, em busca da rota de fuga mais rápida. — Esta
noite, não.
— Está ocupada? — perguntou Gaston.
— Não — respondeu Bela. Antes que Gaston pudesse retrucar ou assimilar a
rejeição, ela já estava se desviando para voltar à rua. Pôde ouvir Gaston
distorcendo suas palavras para a plateia de aldeões que haviam parado para
assistir aos dois. Estava claro que o caçador havia interpretado seu não como
uma jogada para se fazer de difícil.
Ela não se importou com o que ele disse ou como tentou se sentir melhor. Ela
sabia a verdade: Gaston, apesar de seu físico imponente, não era maior do que a
minúscula aldeia provinciana. E ela jamais dividiria a mesa de jantar com ele.
Nem agora, nem nunca.
Acelerando o passo, Bela seguiu seu caminho e saiu do centro da aldeia.
Momentos depois, ela estava de volta ao seu chalé.
Era uma casinha
aconchegante, com uma pequena escada que levava até a porta de entrada e
grandes janelas panorâmicas. Havia também um belo jardim na frente e um
espaço subterrâneo separado, onde funcionava a oficina de seu pai.
A doce melodia tilintante de uma caixinha de música escapava por entre as
portinholas. Seu pai já estava trabalhando a essa hora da manhã.
Tomando cuidado para não incomodá-lo, Bela abriu as portinholas e desceu as
escadas na ponta dos pés. A luz do sol penetrava por uma pequena janela,
iluminando Maurice, que estava sentado e curvado sobre sua bancada de
trabalho. Peças e pedaços de seus projetos espalhavam-se pelo local.
Pequenos
botões, parafusos minúsculos, caixas pintadas pela metade e estatuetas delicadas
repousavam em várias mesas e prateleiras. Algumas coisas eram mais novas,
com suas superfícies lustrosas e brilhantes, outras haviam acumulado uma fina
camada de pó, esperando que Maurice lhes desse atenção de novo. Mas, por ora,
ele estava focado na caixinha de música à sua frente. Enquanto Bela observava,
ele mexia em uma das engrenagens. O interior era lindamente pintado,
retratando um artista em um pequeno apartamento parisiense. O artista estava
pintando o retrato de sua esposa. Ela embalava um bebezinho e segurava um
chocalho semelhante a uma rosa-vermelha na outra mão.
Bela deu um passo adiante no cômodo. Maurice olhou distraído na direção do
som. Sorriu ao ver a filha.
Seus olhos, da mesma cor acolhedora dos de Bela,
eram brilhantes e focados. Quando ele endireitou os ombros, revelou-se mais
alto e enxuto, ainda belo para sua idade avançada.
— Oh, que bom, Bela! Você está de volta — disse ele, voltando-se para a
caixa de música. — Aonde foi?
— Bem, primeiro fui até São Petersburgo para visitar o czar, então
fui pescar
no fundo do poço — começou ela, sorrindo conforme o pai assentia distraído.
Quando ele estava trabalhando, não via nem ouvia nada. Bela compreendia. Ela
agia da mesma forma quando era seduzida por um livro.
— Hum, sim — disse Maurice. — Você pode me passar a…
Antes que ele pudesse terminar, a filha estava lhe entregando a chave de
fenda.
— E também o…
Dessa vez, ela lhe entregou um pequeno martelo.
— Não, eu não preciso… — A voz dele baixou assim que uma mola saltou da
caixinha. — Bem, acho que preciso, sim.
Quando ele voltou ao trabalho, Bela foi até uma estante repleta de caixas de
música finalizadas. Seus longos dedos finos passaram por todas conforme ela se
movia ao longo da fileira. Cada
uma era uma obra de arte, retratando
monumentos famosos ao redor do mundo. Ela sabia que seu pai as fazia para ela,
como uma forma de lhe dar um vislumbre do mundo lá fora. Maurice nunca
disse com todas as palavras, mas Bela sabia que ele estava ciente de seu anseio
por explorar, por escapar do pequeno universo no qual ele a mantinha segura.
Ela pensou na pequena aldeia e nas pessoas fofoqueiras que viviam ali.
Delicadamente, para não assustá-lo, Bela perguntou:
— Papai, você acha que sou estranha?
Notando o tom de voz da filha, Maurice desviou o olhar de seu trabalho. Ele
franziu a testa.
— Se eu acho que você é estranha? — repetiu ele. — De onde tirou uma ideia
dessas?
Bela deu de ombros.
— Oh, eu não sei… As pessoas comentam.
— Há coisas piores do que ser alvo de comentários —
disse Maurice, com a
voz entristecendo. — Esta aldeia pode ser limitada, Bela, mas também é segura.
A jovem abriu a boca para protestar. Aquela era uma frase que seu pai usava o
tempo todo. Ela sabia que as intenções dele eram boas, mas não conseguia
entender por que ele queria
continuar naquela pequena aldeia.
Vendo que sua explicação típica não funcionaria com Bela hoje, Maurice
mudou a direção da conversa:
— Lá em Paris, conheci uma garota que era tão
diferente, pois era ousada e à
frente de seu tempo, que as pessoas zombavam dela. Até o dia em que
começaram a imitá-la. Sabe o que ela costumava dizer?
Bela balançou a cabeça.
—
As pessoas que falam pelas costas dos outros estão destinadas a
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