Ela tinha coisas para fazer, incumbências a cumprir e — ela olhou para baixo, na
direção do livro que segurava — uma nova aventura para desvendar. Bela
endireitou os ombros, fechou a porta atrás de si e partiu para a cidade.
Em questão de minutos, ela abria caminho pela rua principal de
paralelepípedos e acenava conforme passava por outros aldeões.
Embora tivesse
morado na aldeia durante a maioria dos seus anos de vida, ela ainda se sentia
como uma estranha aos olhos dos outros. Lá, como na maior parte do interior
rural da França, era isolado e insular. A maioria das pessoas por quem Bela
passou em seu caminho havia nascido ali e a passaria toda a vida no mesmo
lugar. Para eles, a aldeia era o mundo, e os forasteiros eram vistos com
desconfiança.
Bela não tinha certeza se ainda não seria tratada como
uma estrangeira caso
tivesse nascido na aldeia. Ela realmente não tinha muito em comum com a
maioria dos moradores. A verdade é que ela tinha mais prazer em ler do que em
ter conversas banais e tediosas — queria era viajar para terras distantes e viver
aventuras magníficas, ainda que apenas nas páginas de seus livros favoritos.
Tecendo seu caminho pelas ruas, ela ouvia o restante dos aldeões
cumprimentando-se. Sentiu uma pontada de solidão ao vê-los. Todos pareciam
estar perfeitamente contentes com a monotonia de suas rotinas matinais.
Ninguém parecia compartilhar de seu desejo por algo novo e empolgante, por
algo mais.
Bela chegou à tenda do padeiro, onde o cheiro delicioso dos pães recém-
assados se espalhava pelo ar. Como sempre, o ansioso
padeiro segurava uma
travessa de baguetes frescas e resmungava consigo mesmo.
—
Bonjour — disse Bela. O homem assentiu distraído. — Uma baguete… —
Bela investigou a fila de potes cheios de geleias vermelhas. — E um deste
também,
s’il vous plaît, por favor — emendou ela, escolhendo um pote e
deslizando-o para dentro do bolso de seu avental. Após pagar pela compra, ela
seguiu caminho para completar sua próxima missão.
Estava prestes a dobrar a esquina quando se deteve. Jean, o velho oleiro,
estava parado ao lado de sua mula, parecendo confuso. A carroça atrelada ao
animal estava cheia de cerâmicas recém-feitas. Jean levantou o olhar e sorriu ao
flagrar Bela observando-o.
— Bom dia, Bela — cumprimentou ele. Sua voz era arranhada pela idade. Ele
estava analisando a carroça, com uma expressão intrigada.
—
Bom dia,
monsieur Jean — respondeu Bela. — Você perdeu algo outra
vez?
O velho homem assentiu.
— Acho que sim. O problema é que não consigo lembrar o que era — disse
ele com tristeza. Então deu de ombros. — Bem, tenho certeza de que em algum
momento vou lembrar. — Ele se virou e puxou as rédeas da mula, tentando guiar
o animal teimoso. Não houve acordo. A mula tentou enfiar o nariz no bolso de
Bela, procurando pela maçã que ela havia escondido justamente para o caso de
encontrar Jean. Dando um puxão forte na criatura, o oleiro conseguiu desviar a
atenção da mula para longe de Bela. Mas, com isso, ele também desequilibrou a
carroça.
Alarmada, Bela saltou e agarrou um dos belos vasos de cerâmica
bem a tempo
de evitar sua queda. Então, certa de que nada mais cairia, ela deu a maçã à mula
e se virou para deixá-los.
— Aonde você está indo? — perguntou Jean.
Ela olhou para trás, sem se virar.
— Devolver este livro a
père Robert — respondeu ela, sorrindo e mostrando o
volume usado. — É sobre dois amantes na charmosa Verona…
— Algum deles é oleiro? — interrompeu Jean.
Bela balançou a cabeça.
— Não.
— Parece chato — disse ele.
Bela suspirou. Ela não estava surpresa pela reação de Jean. Era a mesma toda
vez que ela mencionava livros. Ou arte. Ou viagens. Ou Paris. Qualquer coisa
diferente de conversar sobre a aldeia ou seus moradores era recebida com
indiferença — ou, pior, com desdém.
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