482º dia
Eu já tive muito medo de entrar em crise. Veja só, que bobagem! Muitas
vezes, associamos crises aos aspectos ruins da nossa vida, ao que nos deixa
pra baixo ou a uma fase que sonhamos que passe o quanto antes. Mas crises
também representam transformações e mudanças que podem ser construtivas;
tudo depende da nossa própria receptividade. Houve um tempo em que eu me
queixava muito e, por coincidência ou consequência, mais coisas ruins me
aconteciam. Hoje, eu consigo perceber que eu não era uma espécie de ímã
para a negatividade, mas uma lente de aumento.
Eu já perdi tempo
demais tecendo dificuldades e, como era de se esperar,
terminei em uma teia de obstáculos. As coisas não mudaram
surpreendentemente pra melhor, mas eu mudei. Porque precisei mudar,
porque cheguei ao meu limite e decidi não
aguentar mais um pouco, e sim
fazer diferente. Eu me desfiz das minhas convicções e abracei oportunidades
que teria evitado antes. Parei de dizer afirmações ao meu respeito – boas e
ruins – e passei a dizer mais “sim”. Eu me permiti. Falhei, errei, sofri, mas
vivi como nunca antes. Estive por inteiro com todas as pessoas com as quais
me relacionei, me dediquei 100% a trabalhos que sequer valiam a pena. Fui
pura intensidade. Ou insanidade. Ou os dois. Mas não deixei de ser nem uma
pontinha de mim em todos os momentos.
Sem dúvidas, sei como é difícil aceitar o que não conseguimos entender,
passar uma borracha em páginas que escrevemos a próprio punho num
esforço gigantesco e,
ao mesmo tempo, completamente irrelevante, de se
tornar alguém ou ter, esquecer e perdoar alguém. Também sei como é se
convencer de que merece o melhor pra não perder a cabeça e se culpar pelo
que – ou por quem – não deu certo. Sei o que é recomeçar do zero, do meio e
do fim, e acreditar que não foi em vão, porque não pode ser em vão. Porque
tem que valer a pena. E, mesmo assim, sentir que não valeu.
Essa é minha forma de abraçar a crise, de dançar com ela, de fazer amor com
a crise. Fui a crise dos pés à cabeça e descobri como vencê-la dentro de mim.
Tudo mudou porque eu mudei. Entendi que algumas pessoas que aparecem
em nossa vida são ritos de passagem, vêm pra nos preparar para alguém que
realmente merecemos. Às vezes, damos importância demais a elas ou a
objetivos
de curto prazo; o medo da rejeição e do fracasso nos impede de
enxergar além das dificuldades. Não conhecemos pessoas por acidente, não
enfrentamos obstáculos por acaso, tudo tem o propósito de nos ensinar, ainda
que seja a não repetir o erro. Porque nem a melhor das intenções é capaz de
justificar algumas coisas. E também precisamos aprender a aceitar isso.
Porque temos que tirar leite de pedra, enxergar o lado positivo das
dificuldades, pensar que poderia ser pior (embora eu deteste essa premissa) e
não nos “vitimizar”, porque, afinal,
estamos todos no mesmo barco, não é?
Sei como é se acostumar com uma vida pelas beiradas, reconhecer seu
potencial e, ainda assim, compreender suas limitações.
Às vezes, a gente só precisa acreditar que merece o tal do final feliz pra não
se acomodar. Ninguém jamais alcançou a felicidade de braços cruzados e pés
firmes no chão. Receber a crise, aceitar o que não podemos mudar e
agradecer quando aprendemos a superar. Quando estiver difícil, seja
resiliente. Quando passar, seja grato.