Não me entenda mal, eu não desejava que fosse assim. Mas aprendi a me
preparar para o pior mesmo esperando que o melhor aconteça. Desculpe-me,
mas isso não é ficar em cima do muro. É simplesmente não designar lado a
um coração tão maltratado. E eu bem sei que em certas manhãs não lhe
poupei das amarguras que guardava no peito. Sem aparente motivo algum,
confesso,
lhe cuspi deboches, insinuações e prosa. Você se contorcia, se
exaltava. Minha recompensa era te ver horas depois se perguntando o que
tinha feito de errado.
Não era culpa sua. Quer dizer, talvez fosse criação sua. Mas culpa? Culpa
mesmo, não. Aprendi que não se pode culpar alguém por não
amar a gente
como queremos. De qualquer forma, quanto a isso não guardo qualquer
rancor. Até porque eu não aceitei o pouco que você me oferecia. Eu tentei, eu
juro que tentei. Podia ter sido mais fácil se eu não achasse que merecia mais.
Esse definitivamente era o meu problema: eu distorcia a realidade pra
cumprir minha vontade de ser aquela pessoa por quem você mudaria. Mas
nem todo ponto transformado em reticência, nem toda dúvida
transformada
em exclamação puderam evitar o óbvio: ser feliz só acontece no final.
O mais engraçado é que o nosso fim não foi o desenlace de nós dois, por mais
que tenhamos acreditado, nos esforçado, nos evitado. Por mais que tenha
parecido que de todas as coisas me sobraram só as metades,
de todos os
olhares a compaixão, de todos os caminhos a sua sombra, eu não acabei ali;
eu renasci.
Não me entenda mal, eu não desejava que fosse assim. Eu realmente quis
acreditar que nossa história fosse exceção, que batalhamos por algo real. Mas
aprendi que, por mais que a gente queira que algo aconteça, isso não depende
exclusivamente do nosso esforço. Tem gente que simplesmente não sabe
quem tem ao lado. O nosso fim era inevitável. Eu vivia à beira do abismo
entre tudo o que eu podia ser e tudo o que você me permitia ser. Sempre tive
asas, mas só aprendi a voar quando me livrei do peso de pensar que eu não
poderia ter nada melhor do que já tinha. Ou alguém melhor do que você. E eu
tive: a mim. E se agora te escrevo é porque não sinto mais nada. Nem mesmo
sua falta.
470º dia
Todo mundo tem esse amor que não consegue esquecer, que usa para medir a
intensidade de seus sentimentos, que às vezes lhe faz desejar passar por tudo
aquilo de novo e às vezes lhe faz temer perder tudo aquilo outra vez. Todo
mundo tem esse amor que foi sincero e lhe ensinou uma porção
de coisas,
que foi desastroso e lhe mostrou a culpa.
Todo mundo tem esse amor que não morreu mesmo quando chegou ao fim,
que ainda martela em seu peito, que lhe confunde a cabeça. Todo mundo tem
esse amor que foi amor desde o primeiro encontro e não deixou de ser depois
do último beijo. Esse amor que nos faz acreditar em anjos e demônios, que
nos faz acreditar que ambos vivem dentro da gente. Um amor tão forte que
nos faz ter fé no impossível e se esquivar da solidão.
Todo mundo tem esse amor que maltrata a gente só de passar na nossa frente,
mas a gente sorri e segue em frente porque já se acostumou a disfarçar a falta
que essa pessoa faz. Todo mundo tem esse amor e quem não tem ainda vai
ter, porque só depois de nos sentirmos tão vulneráveis diante de um
sentimento é que conseguimos entender o infinito que cabe dentro do peito.
Esse amor que nos abre os olhos, esse amor que nos entorpece a mente. Todo
mundo
tem esse amor que, entre altos e baixos, nos apresenta a felicidade
contida em um sorriso, que passamos o resto da vida buscando sentir só mais
uma vez.
Aprendi, talvez da forma mais dolorosa que o ser humano conhece, ao perder
alguém que eu verdadeiramente amava, que o amor resiste. O amor é, sem
dúvidas, a força mais poderosa do Universo. O amor transcende o tempo, as
mágoas, o nosso próprio ego. O amor sobrevive. Mas o amor não
te leva a
lugar nenhum, o amor é o que te faz ficar.
Um conhecimento que não veio da noite para o dia, diga-se de passagem.
Levei anos pra perceber que mesmo um sentimento sincero que se moldou a
cada uma de minhas fases, numa tentativa desesperada de trazer para o
presente alguém do passado, não era o suficiente. Ainda que fosse recíproco.