te odeio. Eu não consigo esquecer nem qual é o seu sorvete favorito. Eu
mudei muito, você também, mas o sentimento não.
Ele ainda coleciona
nossos beijos, ele ainda planta esperança por onde passa na fé de que você
colha em seguida. Se pudéssemos ser estranhos outra vez, eu faria diferente.
Mas não podemos.
Quando uma história termina mal acabada, deixa lacunas em branco que
preenchemos com nossas expectativas porque temos a sensação de que
poderíamos ter feito mais. E a cada vez que nos decepcionamos ou iludimos
com as relações
seguintes, lembramos daquela – a que poderia não ter
acabado – pra nos apegar e até nos culpar por não termos dado certo com as
outras.
Imagina que, quando você é criança, tem seu desenho favorito. Naquela fase,
tudo tem um tom diferente, encantador. Você cresce e continua achando que
ama aquele desenho porque ele esteve presente em boa parte da sua vida,
porque ele te fazia sentir bem e,
sobretudo, porque ele acabou de uma hora
pra outra. Mas se você chegar a assisti-lo de novo, vai perceber que ele não
tinha nada de especial, melhor ou diferente dos desenhos que passam hoje em
dia. Ou de qualquer outro desenho. E você se desencantaria, se decepcionaria
ou simplesmente cairia em si que ele só foi especial porque você se lembrava
dele assim. E não porque, de fato, era especial de alguma forma, entende?
O que eu quero dizer é que, quando a relação se estende por muito tempo,
tendemos a folclorizar as lembranças. O lado bom é ressaltado,
a saudade
aperta, a gente chega a esquecer como foi que deu errado. E o fato de ter sido
mal acabado, de ter deixado tanto espaço pra palpites sobre o porquê e o fim,
é o que torna nossa relação, no máximo, ímpar. O desafio é entendermos que
algumas perguntas ficarão sem resposta mesmo. Isso significa que a
obrigação de ficar em paz, perdoar e esquecer é exclusivamente nossa. E,
francamente, ninguém quer
ter tamanha responsabilidade, especialmente
sobre seus fracassos. Logo, a maneira mais fácil de nos livrarmos da culpa é
colocando-a no outro.
Não adianta vir atrás agora. Você não me quer de verdade, mas está com
medo de me perder definitivamente, portanto o desespero falou mais alto. Se
pudéssemos ser estranhos outra vez, eu faria diferente. Mas não podemos. E