3. IMPORTÂNCIA DE O ABOLICIONISMO
Evaldo Cabral de Mello destacou que O Abolicionismo foi o melhor livro escrito
sobre o Brasil no século XIX, sendo fundamental para a compreensão da formação
sociocultural do povo brasileiro. Além disso, em conferência pronunciada no Itamaraty em
decorrência das comemorações do sesquicentenário do nascimento de Nabuco, o
historiador pernambucano considerou esta obra como “um dos textos fundadores da
sociologia brasileira”, articulando uma visão totalizadora da nossa formação histórica a
partir do regime servil.
De fato, além de ser marcado por uma invejável erudição, em O Abolicionismo
estão contidos elementos de fundamental importância para a compreensão do Império,
sobretudo da segunda metade do século XIX, bem como apontamentos fundamentais
referentes à constituição da população brasileira, a qual o autor distingue como descendente
dos escravos. Assumidamente escrito como uma propaganda abolicionista, no livro estão
contidas uma série de denúncias, sobretudo contra políticos e a Igreja católica, que ao
contrário de outros países, acabou por legitimar e contribuir para a manutenção do
cativeiro.
Joaquim Nabuco inova ao colocar a escravidão como o aspecto central a ser
resolvido. Para tanto, evidencia ser essa uma nódoa que degrada toda a nação, na medida
em que está entranhada em toda a sociedade brasileira, que foi essencialmente estruturada
tendo como base a escravidão. Nabuco vai mais longe e aponta como algo terrível a
herança deixada pelos portugueses, trazendo consigo o atraso para o país e a visão negativa
frente o trabalho. A escravidão, a princípio apareceria como algo positivo, mas com o
passar dos anos ela traria prejuízos para o país, levando à bancarrota milhares de
fazendeiros, que seriam empurrados para o funcionalismo público.
51
Em finais do século XIX, o Brasil era representado, sobretudo pelos viajantes, como
um “espetáculo de raças”, ou seja, uma nação multiétnica, que se se destacava pela sua
coloração mulata. Muitos intelectuais tendiam a utilizar a mestiçagem para explicar o atraso
51
Ibidem, p. 128.
do Brasil e a inviabilidade da nação.
52
A idéia de um país degenerado pela mistura de raças
terá grande força e expansão no período em que foi escrito O Abolicionismo, porém
Nabuco não se mostra adepto dessa visão, embora às vezes flerte com o racismo. No
capítulo denominado “Influências sociais e políticas da escravidão”, o autor já adianta a
questão da mestiçagem, como característica típica do Brasil, elemento este que mais tarde
será evidenciado por Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala:
A escravidão, ainda que fundada sobre a diferença das
duas raças, nunca desenvolveu a prevenção da cor, e
nisso foi infinitamente mais hábil. O contato entre
aquelas, desde a colonização primitiva dos donatários
até hoje, produziram uma população mestiça.
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Apesar de todas as controvérsias existentes acerca da obra é inegável o fato de ser
O
Abolicionismo um marco no campo intelectual brasileiro. Através da denúncia da
escravidão como principal empecilho para o desenvolvimento do Brasil e do apontamento
das vantagens obtidas com o trabalho livre, Nabuco consegue evidenciar aspectos
importantes da sociedade brasileira de então. Ele ultrapassa a questão do escravismo e
levanta o tema da reforma agrária. O autor desenvolve a idéia de que a relação
senhor/escravo era essencialmente violenta, oprimindo os cativos e colocando em perigo a
sociedade inteira, pois inviabilizava o desenvolvimento da nação.
Joaquim Nabuco inova e sistematiza uma série de elementos, tornando seu livro um
testemunho histórico importantíssimo para aqueles que desejarem estudar a sociedade
brasileira de então, que tinha como pilar de sustentação principal a escravidão. É preferível,
portanto, deixar de lado a discussão sobre se Nabuco era ou não racista e procurar
apreender a riqueza de informações existentes na obra, bem como o contexto no qual ela foi
produzida. Concordando com Evaldo Cabral de Mello, considero O Abolicionismo uma
obra atual, que deva ser lida e discutida, auxiliando-nos a compreender as mazelas sociais,
causadas pelo preconceito e pelo racismo, que até os dias atuais afligem nossa sociedade.
52
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças, pp. 11-13.
53
Nabuco, op. cit, p. 123.