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Discussão
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Financiamento Público da Saúde: uma história à procura de rumo
1 INTRODUÇÃO
Nos anos 1960 e 1970, o sistema de saúde brasileiro era fortemente segmentado e
excludente. Nessa época, uma parcela significativa da população não tinha direito à
assistência à saúde e disputava os poucos recursos dos orçamentos públicos destinados ao
Ministério da Saúde (MS) e secretarias de saúde de estados e municípios ou dependiam
de recursos provenientes da caridade, aplicados em serviços prestados por entidades
religiosas ou outras entidades filantrópicas (Piola et al., 2009). Além disso, os poucos
recursos públicos disponíveis para a saúde de caráter universal estavam altamente
centralizados no MS, que atuava principalmente no campo da vigilância à saúde, em
ações de controle de doenças transmissíveis e de vigilância sanitária.
Ainda na década de 1970 até meados dos anos 1980, houve algumas iniciativas
de levar serviços de saúde à população mais desassistida, entre as quais o Programa
de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento (Piass),
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as Ações Integradas de
Saúde (AIS) e o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). Esses foram
os principais embriões para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) (Piola et al.,
2009). Contudo, a exclusão da parcela da população mais pobre ainda era bastante
significativa no final dos anos 1980.
Na Constituição Federal de 1988 (CF/1988) a saúde foi inscrita como direito
de todos e dever do Estado (Artigo 193). Esse direito deve ser “garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”. Além da universalidade, a CF/1988 estabeleceu entre os
princípios e diretrizes do SUS a integralidade da atenção e a descentralização das ações.
Adicionalmente, declarou a saúde como integrante da seguridade social, junto com a
previdência e a assistência social. Mesmo compreendendo a saúde como um dever do
Estado, a CF/1988 a declarou livre à iniciativa privada (Artigo 199).
1. O Piass foi aprovado para toda a região Nordeste (1976-1979). Foi operacionalizado pelas secretarias estaduais de
saúde e contava com recursos do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) em seu custeio.
Posteriormente, no início dos anos 1980, se expandiu para as demais regiões. Outra iniciativa de universalização do acesso,
ainda que restrita a uma determinada condição, foi o Plano de Pronta Ação (PPA)/1975 no âmbito da previdência social.
Esse plano facultava o acesso de toda a população aos serviços de saúde do INAMPS em situações de urgência e/ou
emergência. Por meio das AIS, buscou-se desenvolver uma melhor articulação das ações das diferentes instituições públicas
de saúde e ampliar o acesso da população às ações e serviços públicos de saúde.
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Assim, o país inicia os anos 1990 com o dever de ampliar o acesso aos serviços de
saúde a todos os brasileiros, considerando as diretrizes constitucionais. Adicionalmente,
a Lei n
º
8.080/1990 estabelece a diretriz de igualdade no atendimento entendida como
igual atendimento para igual necessidade.
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Assim, o SUS deveria ser implantado de modo
descentralizado visando a universalidade, integralidade e equidade.
A expansão da cobertura reforça a necessidade de discussão sobre a questão do
financiamento das ações e dos serviços de saúde. Até 1988, o MS participava com menos
de 20% dos recursos federais destinados ao financiamento da saúde no país (Conass, 2011).
A maior parte dos recursos era proveniente da seguridade social – mais de 80% estavam
vinculados ao INAMPS/
Ministério da Previdência e Assistência Social (
MPAS). Além
disso, em torno de 70% dos recursos públicos estavam centralizados no governo federal.
Dessa forma, no campo do financiamento estava posto o imenso desafio de
redirecionar parcela significativa desses recursos para ampliar a cobertura de ações e serviços
de saúde para toda a população brasileira. Claramente, isso implicaria não somente um
redirecionamento de recursos, mas, também, sua ampliação. Além disso, para atender
o princípio constitucional da descentralização, era necessário ampliar a participação de
estados e municípios no financiamento do SUS e transferir para a gestão de estados e
municípios recursos até então majoritariamente administrados pelo governo federal.
Este texto discute como o país tem enfrentado esse desafio, qual seja, o de
assegurar um financiamento público adequado para a garantia do direito à saúde
prevista na CF/1988. A segunda seção descreve a evolução do financiamento público,
com foco nos recursos aplicados pelo governo federal. Em seguida, é apresenta a
evolução do gasto público total, analisando a participação da União, estados e
municípios a partir da promulgação da Emenda Constitucional (EC) n
o
29, em 2000.
A quarta seção analisa a recente regulamentação da EC n
o
29, ocorrida em 2012,
destacando os problemas decorrentes de sua demorada tramitação, as principais
questões resolvidas pela regulamentação e as expectativas existentes, na ocasião, em
relação às possibilidades de ampliação dos recursos para a saúde. A quinta seção
retorna ao financiamento federal para mostrar como o MS tem atuado com relação
à diretriz de descentralização. Uma das novidades é a recuperação e análise de
2. Sobre os conceitos de equidade, ver Whitehead (1991).
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